De região geradora de imigrantes, a América do Sul passou a ser também um polo receptor de pessoas de outras nacionalidades, agregando novos elementos ao debate. E os desafios que cercam essa nova realidade foram abordados no Seminário Migrações e Mobilidade na América do Sul, promovido pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Brasília (UnB), entre 12 e 14 de novembro.
O evento, que contou com estudiosos e especialistas na temática migratória de diversos países sul-americanos, teve início com a apresentação dos dados preliminares do estudo A Inserção dos Imigrantes no Mercado de Trabalho Brasileiro, que mapeia quantos e quem são os imigrantes empregados formalmente no país entre 2011 e 2013 (leia aqui o relato completo da mesa de lançamento).
Ao longo do evento, outras mesas (em português e espanhol) destacaram e colocaram em debate temas como reunião familiar, legislação migratória, programas governamentais sobre migração, entre outros.
Durante o seminário (no dia 13), foi reservado ainda um espaço para workshops – nos quais os pós-graduandos habilitados previamente apresentaram suas próprias pesquisas em migrações e receberam críticas e sugestões dos especialistas presentes (veja aqui a programação completa do seminário).
Lei migratória: debates, avanços e contradições
Um belo exemplo dos desafios e contradições presentes no contexto nacional e internacional é o debate sobre a revisão da legislação migratória brasileira, presença constante tanto nos debates e workshops como em conversas informais entre os participantes.
Para o tema foi destinado especialmente a mesa “Políticas Migratórias na América do Sul”, que ocorreu logo no dia 12. Participaram dela a Prof. Dra. Bela Feldman-Bianco, da Universidade de Campinas (Unicamp); Jacques Ramirez, do Instituto de Altos Estudios Nacionales-Equador; Ana Rita Nogales, da UnB; e João Guilherme Granja, diretor do Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça.
Embora exista um consenso sobre a necessidade urgente de mudar a legislação vigente e os debates sejam cada vez mais constantes, o mesmo não ocorre em relação ao andamento das propostas. Propostas como o Anteprojeto de Lei, entregue em agosto deste ano ao Ministério da Justiça, devem se juntar em 2015 a outras duas que já estão tramitando no Congresso.
De acordo com Bela, a discussão em torno da legislação se dá muito mais pela pressão da sociedade civil organizada do que do governo em si. “Há uma contradição. Apesar de toda essa valorização, a legislação vigente ainda é da época da ditadura. Ainda há muita coisa acontecendo, mas são ações pontuais e que são em função de demandas dos movimentos sociais e dos migrantes – que de certa forma direcionam o governo e o educa”.
Para Ana Maria Nogales, da UnB, a questão da integração da América do Sul ainda tem muito a avançar no Brasil e a sociedade precisa aprender a aceitar aquele que é diferente. “Nós ainda estamos nos descobrindo como receptor de migrantes, com uma cultura conservadora que ainda não aprendeu a conviver com o diferente. Essas questões já apareciam nas migrações internas (do campo em relação à cidade), e a mesma coisa acontece com a migração internacional. Precisamos aprender a respeitar o que é diferente”.
Ramírez, do Equador, cita que tal mudança nos países não deve ser apenas nas legislações em si. “Precisa também ser uma mudança cultural”.
Além de aprender a lidar com essa nova realidade, Granja lembra a dificuldade de coordenar e articular as diversas instituições e envolvidos nas discussões sobre migração. “Esse é o mote que nos mobiliza hoje, o de rever políticas e nos comunicar e traçar conexões entre os interessados no tema”.
Apesar do impasse que ronda a legislação migratória atualmente, o angolano Felizardo Costa, que estuda no campus da Unesp de Assis (SP), lembra que os migrantes não ficam parados em meio a esse processo. “O migrante também resiste, apesar desse cenário desfavorável. Ele também se organiza, ainda que informalmente”.
Rede sul-americana sobre migrações a caminho
O seminário teve ainda a articulação de uma futura rede de estudos sobre as migrações na América do Sul. Ao contrário do restante do evento, esta última discussão (realizada no dia 14) foi fechada a alguns participantes – o que gerou reclamações de especialistas e pós-graduandos que ficaram de fora.
Os resultados da reunião devem ser divulgados em breve pela OBMigra.