Você já ouviu falar no termo Peabiru? Ele se refere a uma antiga rota indígena, que no período anterior à colonização europeia atravessava toda a América do Sul, conectando povos, culturas e territórios do Oceano Atlântico ao Pacífico. Recordar essa conexão entre os povos originários sul-americanos e também valorizar suas particularidades é o objetivo da série documental Ventos do Peabiru.
A realização da série, lançada em 2023, é fruto de uma parceria entre os coletivos Visto Permanente e Kollasuyu Maya, além da Vericeia Filmes e de uma série de coletivos e personagens que aparecem na produção.
Ao todo são seis vídeos, de cerca 15 minutos cada, que acompanham e escutam diferentes referências aos povos originários andinos em São Paulo. Eles têm como apresentadores duas pessoas bem conhecidas da cena cultural migrante na cidade, a partir de suas etnias originárias: a quéchua Beatriz Morales (ou simplesmente Bia Manu) e o aymara Juan Cusicanki, ambos de nacionalidade boliviana.
Os episódios foram lançados e exibidos em sessões públicas entre junho e novembro de 2023 e já se encontram todos disponíveis no canal do projeto no YouTube para qualquer interessado. A primeira projeção, inclusive, foi na noite de 21 de junho, na abertura do Ano Novo Andino Amazônico Afro em São Paulo.
Ao assistir “Ventos do Peabiru”, os espectadores são convidados a conhecer mais de perto as manifestações culturais que permeiam a cpaital paulista. Elas partem de um sobrevoo dos territórios ancestrais do Kollasuyu, no Altiplano centro-andino, e de Pindorama, até o planalto paulista, além de celebrações que ocorrem em locais diversos entre si, como a Praça Kantuta e o Cemitério da Vila Formosa.
Por mais visibilidade
A antropóloga visual Cristina de Branco, do coletivo Visto Permanente, conta que a ideia para a série surgiu ainda entre 2015 e 2016, inicialmente para retratar os grupos em São Paulo que preservavam tradições dos povos indígenas andinos.
“A série documental surge da inquietação diante da invisibilidade das comunidades indígenas migrantes na cidade de São Paulo. Estamos falando de uma comunidade grande, que merece atenção. E temos sorte de boa parte de pessoas quéchua e aymaras se apresentarem aqui em São Paulo por meio da arte. Temos visto muitos quéchuas, aymaras e descendentes se apresentando como tal aqui em São Paulo pelas artes”.
A integrante do Visto Permanente lembra ainda que muitos desses migrantes indígenas estão na capital paulista e arredores pelo menos desde a década de 70. “A série não busca somente falar dos grupos culturais, mas também essa perspectiva política da comunidade migrante em São Paulo. Tentamos dar mais um passo nessa visibilização e respeito que tais comunidades merecem”.
Essa visibilidade propiciada pela série é valorizada por Bia Manu, que se disse realizada em colaborar com a produção e apresentar os vídeos. “A série pra mim se trata de visibilizar de uma comunidade que vive, sonha e trabalha em construir uma cidade que habitamos. Se trata de conexão com as tradições e fortalecimento de vínculos, especialmente com as culturas indígenas, a alegria de mostrar a música, vestiário, cultivar as raizes deixadas pelos nossos antepassados”.
Cusicanki complementa a visão da colega como um ato de afirmação, de orgulho, resistência e resiliência. “O filme mostra que estamos vivos. Estou muito agradecido de fazer parte desse trabalho. Tivemos pouco espaço institucional. Jogam cimento, mas a natureza sempre dá um jeito de fazer as flores crescerem. Ventos do Peabiru é mais um exemplo disso”.