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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Sob expectativa, começa interiorização de venezuelanos pelo Brasil

São Paulo e Cuiabá são as primeira cidades a receber os migrantes; processo é cercado de expectativa sobre como vai transcorrer e seus efeitos sobre Roraima e as demais regiões envolvidas

Por Rodrigo Borges Delfim e Nayra Wladimila
Em São Paulo (SP) e Boa Vista (RR)
Atualizado em 09/04/18, às 06h00

Teve início nesta quinta-feira (05) a chamada interiorização dos migrantes venezuelanos que estão em Roraima para outras regiões do Brasil. A operação é coordenada pelo governo federal e conta com apoio técnico do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) e da OIM (Organização Internacional para as Migrações).

Segundo a Força Tarefa Humanitária, a primeira cidade a receber os venezuelanos da interiorização é São Paulo – um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) deve chegar com 116 migrantes no começo da tarde na Base Aérea de Guarulhos. De lá, três ônibus levarão 83 imigrantes para um abrigo administrado pela Prefeitura de São Paulo, enquanto 29 irão para um abrigo administrado pela sociedade civil e outros quatro a um local de acolhimento do estado de São Paulo.

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Na sexta-feira, devem desembarcar em São Paulo deve receber outros 83 venezuelanos, enquanto a cidade de Cuiabá receberá mais 69 migrantes, a serem encaminhados para um abrigo administrado pela sociedade civil.

Para participarem do processo de interiorização, os venezuelanos precisam atender aos seguintes critérios:

– serem voluntários: ou seja, que realmente queiram ir para outra região do país;
– que já estejam abrigados em algum dos centros provisórios de acolhimento em Roraima;
– que tenham a documentação em ordem;
– que estejam com a saúde em dia (imunizado, com os prazos de carência das vacinas já cumpridos).

Venezuelanos esperam no posto da Polícia Federal na cidade fronteiriça de Pacaraima, em Roraima. A Polícia Federal é a entidade responsável por receber venezuelanos que buscam refúgio ou permissões para permanecer no Brasil. Foto: Reynesson Damasceno/ACNUR

A Força Tarefa Humanitária informa que todos os migrantes que estão sendo encaminhados para outras regiões já foram vacinados contra sarampo, caxumba, rubéola, febre amarela, difteria, tétano e coqueluche, além de já terem passado por regularização migratória junto à Polícia Federal – seja por meio de solicitação de refúgio ou de residência temporária.

Dados também da Força Tarefa Humanitária, citados pelo jornal Folha de S.Paulo, apontam que um total de 52 mil venezuelanos entrou no Brasil até o mês de março – embora expressivo, o número ainda é bem inferior ao registrado por outros países latino-americanos, como Colômbia (550 mil), Panamá (268,6 mil), Equador (288 mil), Chile (164,8 mil) e Peru (100 mil).

As viagens serão custeadas com os R$ 190 milhões liberados ao Ministério da Defesa por meio da Medida Provisória 823/2018, que trata da assistência emergencial e acolhimento humanitário das pessoas que deixaram a Venezuela.

A interiorização começa às vésperas do início do período de chuvas em Roraima, o que tornaria ainda mais complicadas a situação dos venezuelanos em situação de rua. E também poucos dias após uma série de protestos de roraimenses em três cidades (Boa Vista, Mucajaí e Pacaraima) contra a presença dos migrantes. As manifestações xenofóbicas preocupam tanto os venezuelanos como a sociedade civil.

Migrantes venezuelanos tem sofrido com xenofobia e hostilidades em Roraima.
Crédito: Felipe Larozza/REPAM Brasil

Ao mesmo tempo, a Prefeitura de Boa Vista iniciou intervenções nas Praças Simón Bolívar e Capitão Clóvis, que contavam com centenas de venezuelanos acampados. O modo com o qual foram conduzidas as ações nas praças foi alvo de críticas dos migrantes e da sociedade civil, que disseram que não receberam qualquer aviso da gestão municipal. De acordo com a Prefeitura, ambas serão revitalizadas e “devolvidas à população”.

Ressalvas e expectativas

Entidades e especialistas ouvidos pelo MigraMundo ressaltam que ainda é cedo para avaliar os efeitos da interiorização. Mas apontam que é preciso atenção contra desvios que possam prejudicar os migrantes.

Cleyton Abreu, coordenador do SJMR (Serviço Jesuíta para Migrantes e Refugiados) em Roraima, aponta que a interiorização foi um ato defendido pela sociedade civil, pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos [que a recomendou em seu relatório sobre a situação dos migrantes no Norte do Brasil], e foi um pedido atendido pelo governo federal. Mas ressalta que é preciso estar atento para como será feito esse processo.

“A interiorização é uma série de atos, de fatores que levam o migrante às cidades onde há necessidade da atuação técnica e acadêmica deles. Somos contra qualquer logística de descarte. Somos contra ‘encher aviões’ e simplesmente descartar a pessoa em qualquer parte do país, sem a devida assistência social. A sociedade civil também está lutando por uma participação mais ativa no gabinete de gestão de urgência do trâmite migratório”.

Funcionário do ACNUR orienta sobre os procedimentos para a solicitação de refúgio e registra casal venezuelano em abrigo em Boa Vista (RR).
Crédito: Reynesson Damasceno/ACNUR

Para o professor João Carlos Jarochinski, coordenador do curso de Relações Internacionais da UFRR (Universidade Federal de Roraima) e que acompanha de perto a migração venezuelana, somente com a interiorização iniciada será possível medir seus reais efeitos. Mas chama a atenção para o custo de vida nas grandes cidades, mais alto do que em Boa Vista.

“Creio que se poderia pensar em uma interiorização para outros eixos, como a agroindústria, que é um setor que tem demandado trabalhadores e está vinculado geralmente a cidades menores, onde o custo de moradia é mais barato. Mas vamos ver essas primeiras medidas para ver como essa coordenação nacional [e que tem apoio de organismos internacionais] vai concretizar a interiorização”.

Destino: São Paulo

Em São Paulo, a Prefeitura informou durante coletiva de imprensa que os venezuelanos serão instalados em CTAs (Centros Temporários de Acolhimento) em São Mateus (zona leste) e Santo Amaro (zona sul) e também colocou o CRAI (Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante) à disposição dos migrantes.

Os CTAs, que inicialmente seriam destinados à população em situação de rua, estavam desocupados ou ociosos desde que foram inaugurados pela gestão municipal. Entidades da sociedade civil ligadas à temática migratória possuem ressalvas a centros de acolhimento que não são voltados à população migrante, mas a Prefeitura defende que os locais estão aptos para receber os migrantes.

A Missão Paz, uma das instituições da sociedade civil que atuam na acolhida e orientação a migrantes na cidade, também recebeu venezuelanos da interiorização: acolheu 36 pessoas de oito famílias. Entre os recém-chegados havia duas crianças – uma de três meses e outras com apenas poucas semanas de vida, nascida em Roraima.

Ao todo, a capital paulista deve receber 300 migrantes.

 

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