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quinta-feira, novembro 21, 2024

Universidades pedem respeito do Brasil à legislação nacional de refúgio; migrantes cobram espaço em audiências no Congresso

Carta elaborada por instituições que contam com a Cátedra Sérgio Vieira de Mello apontam contradição entre as medidas anunciadas pelo Ministério da Justiça e o papel de liderança e referência que o Brasil tem desempenhado no campo do refúgio no cenário internacional

Um conjunto de 29 universidades brasileiras, por meio da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, expressou preocupação com as medidas anunciadas pelo governo brasileiro sobre restrições a solicitações de refúgio, que começaram a valer na segunda-feira (26).

O posicionamento, no formato de uma carta aberta, foi lido nesta quarta-feira (28) durante plenária do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) pelo representante da sociedade civil no colegiado, o Monsenhor Manuel de Oliveira Manangão, da Cártias Arquidiocesana do Rio. Organismo que faz parte do Ministério da Justiça, o Conare é o responsável por analisar e decidir sobre a concessão ou não do status de refugiado dos solicitantes. O documento também se encontra disponível nas redes sociais, por meio de perfis dedicados às Cátedras nas diferentes universidades.

“A medida em questão altera as regras de entrada no Brasil e coloca em risco a integridade do processo de proteção às pessoas refugiadas e demais situações de ajuda humanitária, tensionando o histórico progressista da Constituição Federal e da legislação pátria. A Nota Técnica governamental menciona a preocupação com o contrabando e tráfico de pessoas, o que consideramos legítimo e alinhado com os preceitos de proteção aos Direitos Humanos das normas vigentes. No entanto, destacamos que as ações para enfrentar esses crimes não
devem basear-se na revitimização dos sujeitos em deslocamento, sendo imprescindível garantir proteção e assistência a quem de direito”, diz trecho da carta.

Na prática, quem entrar com pedido de refúgio no Brasil e for de um país do qual é exigida a apresentação de visto terá que provar que está sendo perseguido no país de origem para ter autorização para ingressar em território brasileiro. De acordo com o Ministério da Justiça, essa medida “tem como objetivo proteger o instituto do refúgio, assegurando seu acesso a pessoas que efetivamente demonstrem interesse em solicitar a proteção internacional por parte do Estado Brasileiro, além de quebrar a atuação de organizações criminosas no contrabando de imigrantes e tráfico de pessoas”.

Assinam a manifestação as Cátedras Sérgio Vieira de Mello das seguintes universidades: UFJF, UEPB, UFPB, PUC-Rio, UNIFESP, UFES, UFBA, UFMG, UFSM, UFF, USP, UNILA, UEMS, UFGD, UFABC, UVV, UFPR, UEPA, UERJ, Unicamp, UFSCar, UFG, UPF, UnB, UFU, UNIFACS, Unisantos, Unisinos e UFRR.

Endosso à DPU

A carta elaborada pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello ressalta a necessidade de se prevenir e combater o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes, mas que tais ações devem ser feitas respeitando os preceitos de proteção aos direitos humanos e de acordo com a tradição humanitária do Brasil.

“A medida em questão contradiz esse papel histórico que o país vem exercendo”, comenta a carta conjunta da Cátedra.

O documento fez ainda um endosso às recomendações sugeridas pela Defensoria Pública da União (DPU), por meio de relatório dirigido em meados de agosto às autoridades brasileiras após diligências no aeroporto de Guarulhos. Nele, a DPU propôs a adoção de um procedimento chamado admissão excepcional ou entrada condicional, que permitiria que a pessoa retida fosse admitida no território nacional após ser identificada e, dentro de um prazo de oito dias, completasse a solicitação de refúgio. Além disso, também enfatizou a necessidade de estabelecimento de políticas públicas que definam claramente as atribuições de cada ator envolvido direta ou indiretamente na gestão das migrações no Brasil.

“Para isso, é essencial o fortalecimento das estruturas de processamento e assistência emergencial, bem como a promoção de um amplo debate com todos os atores envolvidos. Nesse sentido, colocamo-nos à disposição do governo brasileiro para colaborar”, prossegue a carta.

Mobilizações anteriores e em curso

Na mesma manifestação, as universidades integrantes da Cátedra Sérgio Vieira de Mello ainda prestam apoio às entidades da sociedade civil e demais órgãos que têm se mobilizado para solicitar um amplo
debate sobre a situação. “Reiteramos que estamos à disposição para contribuir com soluções viáveis que respeitem o Estatuto dos Refugiados”, finaliza a carta aberta.

Diversas instituições da sociedade civil divulgaram manifestações de repúdio às medidas anunciadas pelo governo federal. Elas seguiram o mesmo entendimento da DPU e de especialistas ouvidos pelo MigraMundo nos últimos dias, o da ênfase na busca de soluções por meio de políticas públicas, e não de restrições puras e simples.

Além disso, uma nota conjunta, assinada inicialmente por 61 entidades da sociedade civil, coletivos de migrantes e grupos de pesquisa no meio acadêmico, expressou repúdio à decisão do governo federal sobre as solicitações de refúgio. O documento está novamente aberto para assinaturas, que atualmente já somam 89.

“Repudiamos veementemente qualquer medida que viole os direitos fundamentais dos indivíduos e que os exponha a situações de vulnerabilidade e injustiça. Instamos as autoridades competentes a rever essa decisão absurda e a adotar abordagens mais humanitárias e respeitosas em relação aos viajantes em trânsito. É preciso agir com empatia, compaixão e respeito pelos direitos de todas as pessoas, independentemente de sua condição migratória. A luta contra o tráfico de pessoas não pode ser utilizada como pretexto para violar direitos humanos e negar proteção internacional aqueles que mais necessitam”, ressalta trecho do documento elaborado pelas instituições.

A nota elaborada e assinada pelas organizações também cobra do governo federal uma investigação sobre o caso do migrante ganês que morreu depois de passar mal na área restrita do aeroporto de Guarulhos. Ele ficou retido no local de 8 a 11 de agosto, quando foi levado para o Hospital Geral de Guarulhos, vindo a falecer no dia 13. O caso gerou grande revolta junto à comunidade migrante no país.

Maior acesso à CMMIR

A comunidade migrante ainda reivindica um maior espaço nas audiências públicas promovidas no Congresso Nacional pela CMMIR (Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados) e na construção da futura Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (PNMRA), tal como prevê a Lei de Migração no Brasil em seu artigo 120.

Causou incômodo junto à comunidade migrante o fato de a audiência pública da CMMIR do dia 6 de agosto, que tratou da futura política nacional migratória, não contar com um representante migrante independente na agenda prévia da reunião. De última hora, o debate contou com a participação de Saifullah Ahmadzai, migrante afegão refugiado no Brasil. Ele leu um texto em inglês, que foi traduzido por um outro participante, depois da tentativa da organização da audiência de usar uma ferramenta de inteligência artificial (IA) para traduzir a fala de Ahmadzai diretamente do pashtu (idioma materno) para o português.

O caráter de improvisação da participação migrante na audiência também gerou indignação junto a representantes que acompanhavam a transmissão online.

“Durante a transmissão pela TV Senado e nas matérias jornalísticas subsequentes, ficou evidente a sub-representação das pessoas migrantes, bem como a ausência de lideranças migrantes e de delegados(as) da II COMIGRAR nesse debate de suma importância”, trouxe trecho do documento, endereçado aos parlamentares que dirigem a comissão – no caso, o deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE), a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) e o senador Paulo Paim (PT-RS).

O que diz o Ministério da Justiça

Por meio de nota técnica divulgada nesta semana, o Ministério da Justiça defendeu as medidas em vigor desde segunda-feira como uma forma de preservar a política migratória brasileira e o instituto do refúgio da ação de criminosos.

“Mister faz-se que os órgãos responsáveis pela gestão da Política Migratória Brasileira, pelo Enfrentamento ao Contrabando de Migrantes e ao Tráficos de Pessoas e pela defesa do Instituto do Refúgio, tomem medidas urgentes no sentido de conter tais abusos e proteger a legislação nacional, reconhecida por seu caráter acolhedor e humanitário. É necessário, portanto, propor ações para enfrentamento do problema, sob pena colocar em risco toda a polí)ca migratória brasileira, em um cenário internacional que o tema das migrações é central nas discussões políticas e, via de regra, visto de forma negativa, fomentando atitudes racistas e xenofóbicas”, diz trecho do documento.

Em entrevista à Rádio CBN no último dia 22 de agosto, o secretário nacional de Justiça, Jean Uema, negou que a medida represente uma mudança na politica de refúgio brasileira.

“Nós não estamos aumentando a burocracia. O que nós queremos é proteger o Instituto do Refúgio. O nosso objetivo é manter uma migração justa, ordenada e segura (…). A política brasileira de refúgio continua com seu acolhimento, mas nós temos a obrigação de impedir que essas organizações criminosas continuem operando via aeroporto de Guarulhos”, afirmou.


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