Sozinha, Colômbia recebe um terço dessa diáspora; também vizinho à Venezuela, Brasil é o sétimo destino na América Latina
Por Rodrigo Veronezi
Em São Paulo (SP)
A crise humanitária que afeta a Venezuela já provocou a saída de 3 milhões de pessoas do país desde 2015. É o que apontam estimativas da OIM (Organização Internacional para as Migrações) e ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), divulgadas nesta quinta-feira (8).
Segundo dados de autoridades nacionais de imigração e outras fontes, os países da América Latina e do Caribe abrigam cerca de 2,4 milhões desse total de migrantes e refugiados, enquanto outras regiões do globo receberam o restante.
Praticamente um terço dessa diáspora se encontra na vizinha Colômbia (mais de 1 milhão), com a qual a Venezuela compartilha uma fronteira de cerca de 2.219 km. Em seguida vem Peru, (mais de 500 mil), Equador (220 mil), Argentina (130 mil) e Chile (mais de 100 mil).
“Os países da América Latina e do Caribe mantiveram uma louvável política de portas abertas para os refugiados e migrantes venezuelanos. No entanto, sua capacidade de recepção está severamente comprometida, exigindo uma resposta mais robusta e imediata da comunidade internacional, para que essa generosidade e solidariedade possam continuar”, disse Eduardo Stein, Representante Especial Conjunto ACNUR/OIM para Refugiados e Migrantes da Venezuela.
Com o intuito de oferecer uma resposta em nível internacional a esse fluxo, está sendo articulado o Plano Regional de Resposta Humanitária para Refugiados e Migrantes da Venezuela (RMRP). Com lançamento oficial previsto para dezembro, ele inclui tanto governos locais como representantes de organizações internacionais.
O RMRP deve se concentrar em quatro áreas estratégicas: assistência emergencial direta, proteção, integração socioeconômica e cultural e capacitação para os governos dos países de acolhida.
No Brasil
Também vizinho à Venezuela, o Brasil é o sétimo país que mais recebeu venezuelanos desde 2015, segundo as agências, com 85 mil – atrás ainda do Panamá, na América Central, que tem atualmente 94 mil venezuelanos.
O número é semelhante ao total de haitianos que, segundo o governo brasileiro, entraram no Brasil entre 2010 e 2015 – boa parte, no entanto, já migrou para outros países ou mesmo retornou ao Haiti.
O principal ponto de entrada dos venezuelanos no Brasil é a fronteira com o Estado de Roraima, entre as cidades de Santa Elena de Uairén (Venezuela) e Pacaraima (Brasil). A maioria segue para Boa Vista, cerca de 200 km ao sul e onde está a maior parte dessa migração – dados de junho indicam cerca de pelo menos 25 mil pessoas.
Embora sejam motivo de uma série de ações humanitárias organizadas por entidades não governamentais do Brasil e internacionais, os venezuelanos são transformados em “bodes expiatórios” – vistos por parte da sociedade local e pelo poder público como responsáveis pelos problemas em serviços como saúde e educação, embora eles sejam anteriores à migração.
Esse discurso, reforçado por uma cobertura negativa que o fenômeno recebe da maioria dos meios de comunicação, cria um terreno fértil para ações como as de agosto deste ano, quando a população de Pacaraima expulsou e queimou os pertences de um grupo de venezuelanos que estavam acampados nas ruas.
Tal situação também já levou o governo de Roraima a pedir o fechamento da fronteira do Estado com a Venezuela, o que é considerado inconstitucional e viola acordos internacionais firmados pelo Brasil e já foi negado pelo Supremo Tribunal Federal.
A questão venezuelana no Brasil também conta com um fator ideológico que complica ainda mais o debate. Enquanto parte da esquerda defende o governo de Nicolás Maduro e evita uma postura mais incisiva em relação aos problemas enfrentados pela população daquele país, a direita defende uma política xenófoba e protecionista.
Embora sejam os que mais pedem refúgio no Brasil, seja por perseguição política ou mesmo como uma forma mais rápida de obter documentação, o governo brasileiro não tem uma posição clara sobre reconhecer ou não os venezuelanos como refugiados, o que cria novos entraves para lidar com o tema.
Além do processo de interiorização, que tem encaminhado venezuelanos de Roraima para outras regiões do Brasil, não há nenhuma outra política pública de fato dedicada à temática no país. E especialistas defendem que a melhor saída para lidar com o atual fluxo venezuelanos – e outros que vierem – é a adoção de uma política nacional migratória, que defina exatamente as responsabilidades de cada esfera de governo em relação à migração.
No entanto, apesar dessa política constar na Lei de Migração, em vigor desde novembro de 2017, ela ainda precisa de regulamentação por parte do governo, o que ainda parece bem distante de ocorrer.