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sábado, novembro 23, 2024

“A arte salvou minha vida”, diz artista nigeriano após cruzar o Mar Mediterrâneo

Sobrevivente de travessia entre a África e a Europa, o artista plástico Fasasi Abeedeen Tunde vive na Itália e usa tal experiência como inspiração para suas obras

Por Victória Brotto
De Verona (Itália)
English Version – click here

Uma nova arte surge entre as imperiosas ruínas de uma das maiores capitais artísticas do mundo. Roma, uma cidade que já viu tantos Michelangelos, Rafaeis, Picassos e Modiglianis se levantarem, hoje abre espaço para uma outra arte, uma nascida do outro lado de um dos mares mais sangrentos do planeta.

O artista plástico Fasasi Abeedeen Tunde, migrante nigeriano de 32 anos, expõe a sua arte na capital italiana, com esculturas sobre o que ele viu ao atravessar o Mediterrâneo em um barco, em agosto de 2015. “Apesar da viagem desesperadora [de seu país até a Itália], a minha arte salvou a minha vida”, diz Abeedeen Tunde em entrevista ao MigraMundo. O nigeriano, que usa argila, cimento e fibra de vidro para esculpir com suas mãos “cheias de vida”, teve de fugir da sua cidade natal Shaki, no estado de Oyo, no sudoeste da Nigéria, após ter a casa incendiada por um dos grupos políticos locais.

Veja aqui o trabalho de Fasasi no Facebook

Hoje, as esculturas de Abeedeen estão expostas desde o dia 25 de abril na Casa della Cultura, em Roma, na mostra “Pittorica Amarte Roma 2017”, organizada pela associação Roma Capitale. Abeedeen chegou à Itália há dois anos, no dia 29 de agosto, mas há apenas cinco meses, no dia 26 de novembro de 2016, o seu pedido de asilo lhe foi concedido. Fasasi faz parte do seleto grupo de cerca de 520 mil migrantes que conseguiram sobreviver à viagem de barco pelo Mar Mediterrâneo em 2015. A rota Norte da África- Sul da Itália foi chamada pela ONU de “a rota mais mortal do mundo para migrantes”.

Fasasi com visitantes durante seu primeiro dia de exposição em Roma.
Crédito: Arquivo pessoal

Fuga

Abeedeen Tunde é graduado em Artes Plásticas pela Universidade Politécnica de Ibadan, capital do Estado nigeriano de Oyo, e fez especialização em escultura. Fasasi conta que sempre gostou de esculpir guerreiros e lendas locais. “Eu fiz meu trabalho final de especialização, em 2013, sobre Basorun Ogunmola, um dos mais antigos guerreiros de Ibadan”. Mas a sua arte de guerreiros só durou até 2015, quando ele presenciou uma fraude durante as eleições gerais na Nigéria.

“No ano de 2014/2015, eu prestei serviço militar e nos mandaram fazer guarda em um dos pontos de votação, em Shaki, durante as eleições gerais. Quando a votação já estava para acabar, um grupo armado de um dos partidos chegou com armas e facas e roubou as urnas”, conta Fasasi. “Eu escapei levando comigo alguns documentos importantes”, acrescenta ele, que não especifica quais seriam os documentos.  Mas diz, “eles souberam que os peguei e me perseguiram, incendiaram a minha casa e vieram atrás de mim e de minha família”.

Escultura em bronze feita por Fasasi na cidade natal, Shaki (Nigéria).
Crédito: Arquivo pessoal

Fasasi fugiu então para a Líbia, de onde apanhou um barco para a Itália. A sua família não estava com ele, fugiu para outro lugar, que, por segurança, ele prefere não revelar. “E foi assim que a tragédia tomou conta da minha vida, queimaram minha casa, e todos tivemos que fugir, meus pais e meus irmãos”.

 “A minha arte me salvou”

Assim como as mais de 520 mil naquele ano de 2015 – de acordo com dados do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) – Fasasi foi da Líbia até o Sul da Itália, em Messina (na ilha da Sicilia), atravessando o que o porta-voz da ACNUR, William Spindler, chamou de “rota mortal”. “Sem dúvida, a rota do Mediterrâneo do Norte da África até Itália e Grécia é ainda a rota mais mortal para os imigrantes”, afirmou ele durante conferência em Genebra, na Suíça, no fim do ano passado.

Fasasi na Nigéria, onde se formou em Artes Plásticas. Hoje vive na Itália, após ter feito a travessia pelo Mediterrâneo.
Crédito: Arquivo pessoal

De acordo com os dados fornecidos pelo porta-voz, no ano em que Fasasi fez a travessia (2015), 3.771 pessoas morreram. No biênio 2015/2016, o número de  mortes e desaparecimentos ultrapassavam 6 mil. Neste ano, de acordo com o ultimo relatório da ONU, foram 366 pessoas mortas nos três primeiros meses no mar Mediterrâneo – o que representa 122 mortes por mês, ou 4 por dia.  “Em 2017 até fevereiro, estima-se que 326 migrantes tenham morrido durante a travessia fatal do Mediterrâneo na rota Líbia-Itália”, informou o porta-voz em Roma, Flavio di Giacomo, da Organização Internacional para as Migrações (OIM, IOM na sigla em inglês).

O nigeriano Fasasi não entra em detalhes sobre a travessia, apenas chama de “desesperada” – mas as suas esculturas falam por ele. Imagens de mulheres perdendo seus bebês para o mar, homens engolidos por um buraco negro fazem parte de seu trabalho. Em sua página no Facebook, o artista mostra alguns de seus trabalhos em argila, como a escultura de um homem sendo resgatado do mar por um guarda militar. Na descrição, Fasasi escreve em italiano: “Chegando a um lugar seguro depois de terminado o terror da fuga”.

Escultura de um homem se afogando no Mediterrâneo, feita por Fasasi. Ela está exposta hoje na Casa della Cultura, em Roma.
Crédito: arquivo pessoal

Fasasi faz parte da maioria nigeriana dos sobreviventes desses barcos de morte. Segundo dados da ONU e da Cruz Vermelha, a maioria dos que sobrevivem à travessia até a Itália são da Nigéria (20%), seguidos por Eritreia (12%), Gambia e Sudão (7% cada).

“Doloroso? Claro que é doloroso. Mas a minha arte hoje é mais forte”, responde Fasasi depois de perguntado se não era doloroso demais esculpir cenas trágicas do passado. “A travessia me deu outra perspectiva de vida”, acrescenta o artista, que hora ou outra chama a fuga do seu país de “viagem desesperada”. “Apesar de minha viagem desesperada, a minha arte salvou minha vida”.

Itália

Hoje, o artista plástico mora em Roma, nas acomodações da Casa Benvenutti, uma ONG que ajuda refugiados e requerentes de asilo. Três vezes por semana, Fasasi tem aulas de italiano e nos outros dias trabalha na oficina de modelagem da ONG.  Questionado qual seria a sua escultura de um futuro perfeito, o nigeriano diz: “Algo que mostrasse a vida depois da guerra”. Fasasi demorou a se adaptar à Itália, mas, como ele mesmo brinca ao final da entrevista, “no pain, no gain” (famosa expressão em inglês que significa “sem dor, sem ganho”).

Fasasi faz seu trabalho a partir da Casa Benvenutti, onde mora atualmente.
Crédito: Arquivo pessoal

Hoje a Itália é um dos países que mais recebem migrantes da África, principalmente nigerianos como Fasasi Abeedeen. “O que vimos  é uma tendência dessas pessoas permanecerem nos países em que chegam, principalmente na Itália”, disse o porta-voz do ACNUR em Genebra. “Os pedidos de asilo, por exemplo, praticamente dobraram na Itália no último ano em comparação com o mesmo período de 2015”, afirmou Spindler.

2 COMENTÁRIOS

  1. […] Paquistão (28), Senegal (9), Egito, Bangladesh, Mali e Palestina (5 cada um) são a maioria das nacionalidades que chegam na ONG de Andreotti. Gâmbia, República Democrática do Congo seguem na lista, com 4 pessoas, Somália (3) e Nigéria (2). [Semana passada, o MigraMundo contou a história de um deles, o escultor nigeriano Abeedeen Fasasi – veja aqui]. […]

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