Sobrevivente de travessia entre a África e a Europa, o artista plástico Fasasi Abeedeen Tunde vive na Itália e usa tal experiência como inspiração para suas obras
Por Victória Brotto
De Verona (Itália)
English Version – click here
Uma nova arte surge entre as imperiosas ruínas de uma das maiores capitais artísticas do mundo. Roma, uma cidade que já viu tantos Michelangelos, Rafaeis, Picassos e Modiglianis se levantarem, hoje abre espaço para uma outra arte, uma nascida do outro lado de um dos mares mais sangrentos do planeta.
O artista plástico Fasasi Abeedeen Tunde, migrante nigeriano de 32 anos, expõe a sua arte na capital italiana, com esculturas sobre o que ele viu ao atravessar o Mediterrâneo em um barco, em agosto de 2015. “Apesar da viagem desesperadora [de seu país até a Itália], a minha arte salvou a minha vida”, diz Abeedeen Tunde em entrevista ao MigraMundo. O nigeriano, que usa argila, cimento e fibra de vidro para esculpir com suas mãos “cheias de vida”, teve de fugir da sua cidade natal Shaki, no estado de Oyo, no sudoeste da Nigéria, após ter a casa incendiada por um dos grupos políticos locais.
Veja aqui o trabalho de Fasasi no Facebook
Hoje, as esculturas de Abeedeen estão expostas desde o dia 25 de abril na Casa della Cultura, em Roma, na mostra “Pittorica Amarte Roma 2017”, organizada pela associação Roma Capitale. Abeedeen chegou à Itália há dois anos, no dia 29 de agosto, mas há apenas cinco meses, no dia 26 de novembro de 2016, o seu pedido de asilo lhe foi concedido. Fasasi faz parte do seleto grupo de cerca de 520 mil migrantes que conseguiram sobreviver à viagem de barco pelo Mar Mediterrâneo em 2015. A rota Norte da África- Sul da Itália foi chamada pela ONU de “a rota mais mortal do mundo para migrantes”.
Fuga
Abeedeen Tunde é graduado em Artes Plásticas pela Universidade Politécnica de Ibadan, capital do Estado nigeriano de Oyo, e fez especialização em escultura. Fasasi conta que sempre gostou de esculpir guerreiros e lendas locais. “Eu fiz meu trabalho final de especialização, em 2013, sobre Basorun Ogunmola, um dos mais antigos guerreiros de Ibadan”. Mas a sua arte de guerreiros só durou até 2015, quando ele presenciou uma fraude durante as eleições gerais na Nigéria.
“No ano de 2014/2015, eu prestei serviço militar e nos mandaram fazer guarda em um dos pontos de votação, em Shaki, durante as eleições gerais. Quando a votação já estava para acabar, um grupo armado de um dos partidos chegou com armas e facas e roubou as urnas”, conta Fasasi. “Eu escapei levando comigo alguns documentos importantes”, acrescenta ele, que não especifica quais seriam os documentos. Mas diz, “eles souberam que os peguei e me perseguiram, incendiaram a minha casa e vieram atrás de mim e de minha família”.
Fasasi fugiu então para a Líbia, de onde apanhou um barco para a Itália. A sua família não estava com ele, fugiu para outro lugar, que, por segurança, ele prefere não revelar. “E foi assim que a tragédia tomou conta da minha vida, queimaram minha casa, e todos tivemos que fugir, meus pais e meus irmãos”.
“A minha arte me salvou”
Assim como as mais de 520 mil naquele ano de 2015 – de acordo com dados do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) – Fasasi foi da Líbia até o Sul da Itália, em Messina (na ilha da Sicilia), atravessando o que o porta-voz da ACNUR, William Spindler, chamou de “rota mortal”. “Sem dúvida, a rota do Mediterrâneo do Norte da África até Itália e Grécia é ainda a rota mais mortal para os imigrantes”, afirmou ele durante conferência em Genebra, na Suíça, no fim do ano passado.
De acordo com os dados fornecidos pelo porta-voz, no ano em que Fasasi fez a travessia (2015), 3.771 pessoas morreram. No biênio 2015/2016, o número de mortes e desaparecimentos ultrapassavam 6 mil. Neste ano, de acordo com o ultimo relatório da ONU, foram 366 pessoas mortas nos três primeiros meses no mar Mediterrâneo – o que representa 122 mortes por mês, ou 4 por dia. “Em 2017 até fevereiro, estima-se que 326 migrantes tenham morrido durante a travessia fatal do Mediterrâneo na rota Líbia-Itália”, informou o porta-voz em Roma, Flavio di Giacomo, da Organização Internacional para as Migrações (OIM, IOM na sigla em inglês).
O nigeriano Fasasi não entra em detalhes sobre a travessia, apenas chama de “desesperada” – mas as suas esculturas falam por ele. Imagens de mulheres perdendo seus bebês para o mar, homens engolidos por um buraco negro fazem parte de seu trabalho. Em sua página no Facebook, o artista mostra alguns de seus trabalhos em argila, como a escultura de um homem sendo resgatado do mar por um guarda militar. Na descrição, Fasasi escreve em italiano: “Chegando a um lugar seguro depois de terminado o terror da fuga”.
Fasasi faz parte da maioria nigeriana dos sobreviventes desses barcos de morte. Segundo dados da ONU e da Cruz Vermelha, a maioria dos que sobrevivem à travessia até a Itália são da Nigéria (20%), seguidos por Eritreia (12%), Gambia e Sudão (7% cada).
“Doloroso? Claro que é doloroso. Mas a minha arte hoje é mais forte”, responde Fasasi depois de perguntado se não era doloroso demais esculpir cenas trágicas do passado. “A travessia me deu outra perspectiva de vida”, acrescenta o artista, que hora ou outra chama a fuga do seu país de “viagem desesperada”. “Apesar de minha viagem desesperada, a minha arte salvou minha vida”.
Itália
Hoje, o artista plástico mora em Roma, nas acomodações da Casa Benvenutti, uma ONG que ajuda refugiados e requerentes de asilo. Três vezes por semana, Fasasi tem aulas de italiano e nos outros dias trabalha na oficina de modelagem da ONG. Questionado qual seria a sua escultura de um futuro perfeito, o nigeriano diz: “Algo que mostrasse a vida depois da guerra”. Fasasi demorou a se adaptar à Itália, mas, como ele mesmo brinca ao final da entrevista, “no pain, no gain” (famosa expressão em inglês que significa “sem dor, sem ganho”).
Hoje a Itália é um dos países que mais recebem migrantes da África, principalmente nigerianos como Fasasi Abeedeen. “O que vimos é uma tendência dessas pessoas permanecerem nos países em que chegam, principalmente na Itália”, disse o porta-voz do ACNUR em Genebra. “Os pedidos de asilo, por exemplo, praticamente dobraram na Itália no último ano em comparação com o mesmo período de 2015”, afirmou Spindler.
[…] By Victória Brotto from Verona (Italy) Portuguese version (click here) […]
[…] Paquistão (28), Senegal (9), Egito, Bangladesh, Mali e Palestina (5 cada um) são a maioria das nacionalidades que chegam na ONG de Andreotti. Gâmbia, República Democrática do Congo seguem na lista, com 4 pessoas, Somália (3) e Nigéria (2). [Semana passada, o MigraMundo contou a história de um deles, o escultor nigeriano Abeedeen Fasasi – veja aqui]. […]