Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
No dia 22 de dezembro de 2018, o navio espanhol Proactiva Open Arms para o resgate no mar Mediterrâneo, em três operações seguidas e coordenadas, recolheu mais de 300 imigrantes nas costas da Líbia. Embora provenientes deste país, são originários de vários regiões africanas. As autoridades de Malta, por motivos ditos humanitários, aceitaram receber somente um recém-nascido juntamente com sua mãe. O Ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, imediatamente declarou fechados todos os portos da Península Itálica. O governo da Espanha, por sua vez, não teve outra alternativa senão emitir ordens para que a embarcação pudesse atracar em seu território, para onde se dirigiram os migrantes.
Convém não esquecer que falta pouco para as comemorações do Natal. Salta à vista, portanto, a comparação com as narrativas de infância de Jesus. Também neste caso, José e Maria tiveram que ausentar-se da própria terra . E enquanto estavam foram de casa, “completaram-se os dias de Maria e ela deu à luz um filho primogênito, envolveu-o em panos e o depositou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles no lugar” (Lc 2, 6-7). Mas não terminaram aí as aventuras da família de Nazaré. Mais tarde, sob a ameaça do rei Herodes, os três – o recém-nascido e seus pais – foram forçados a refugiarem-se no Egito por um período, para depois retornarem à casa de Nazaré (Mt 2, 13-23).
O rechaço dos que chegam de fora e de longe, porque estrangeiros e estranhos, caminha lado a lado com um dos hábitos mais antigos da história humana, a hospitalidade. Se é verdade que nas obras de Homero e nos livros do Antigo Testamento, por exemplo, o hóspede recebe sempre um lugar de honra, alimento e abrigo, também é certo que, em outros relatos antigos, ao estrangeiro esperam-no a hostilidade, a desconfiança, o desprezo e até mesmo a morte. Duas formas opostas de comportar-se diante do outro, do diferente: ou a acolhida solidária a alguém que pode ser um enviado de Deus, com disfarces de forasteiro, como é o caso de Abraão no episódio do carvalho de Mambré (Gn 18. 1-15); ou então a recusa pura e simples de abrir a porta ao desconhecido, que pode representar um risco para a família ou a comunidade.
Ambas as atitudes valem tanto para ontem quanto para os dias de hoje. No nascimento de Jesus, os pastores (Lc 2, 8-20) e os reis magos (Mt 2, 1-12) não somente o acolhem como bem vindo, mas de uma maneira toda particular vão ao seu encontro, os primeiros com a boca e o coração em em canto, os segundos com as mãos repletas de presentes. A chegado do outro, que também aqui pode ser um enviado do totalmente Outro, traz luz, alegria e festa. Abres horizontes e alternativas à história. Toda a vida se ilumina e se enriquece com o encontro, o diálogo e o intercâmbio. Herodes, porém, além de ver no recém-nascido uma ameaça à sua soberania, move todas as forças para eliminá-lo.
Atitudes que se repetem com a chegada de cada pessoa ou grupo de imigrantes. Donald Trump insiste em erguer o muro entre México e Estados Unidos, numa recusa a quem vem do outro lado; a velha Europa se fecha sempre mais sobre si mesma, cada país restringindo ao máximo qualquer porção de resgatados do Mediterrâneo; o mesmo ocorre nos limites entre dois ou mais países de todo o mundo, tanto nos países centrais ou desenvolvidos quanto nos países periféricos ou subdesenvolvidos. Resulta que, enquanto o capital, as mercadorias, as inovações tecnológicas, os empresários, os turistas e os técnicos de alto rango se deslocam sem fronteiras por todo o mundo, a mesma economia globalizada bloqueia as fronteiras para os trabalhadores e trabalhadoras. Ou melhor, cada tipo de política migratória desenvolve um sistema de peneira seletiva para filtrar os imigrantes qualificados, ao passo que os inqualificados jamais serão bem vindos. Uma espécie de rede para pegar os peixes “bons” e jogar fora os “maus”.
Nada a ver com a atmosfera do Natal. Mas, vale lembrar, acolhida e rechaço andam de mãos dadas. Medo e esperança jamais se dissociam. Uns temem perder o lugar, deixar-se confrontar ou contaminar por tudo que é novo. Outros sabem que a presença de pessoas, povos, nações, culturas e valores distintos tende a enriquecer o contato. Observam a necessidade de um rejuvenescimento contínuo e profundo na trajetória pessoal e familiar, nacional ou humana. Sem esse oxigênio novo e sem esse sangue jovem, pressentem o aproximar-se do ocaso ou do outono. Daí o entusiasmo e a esperança diante do outro/Outro que vem ao encontro.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Berna, Suíça, 23 de dezembro de 2018