Reações contra os possíveis retrocessos representados pela versão atual do PL 1928/2019 chegam da sociedade civil, da classe política, do meio jurídico e do mundo artístico; mobilização gerou recuos nas propostas
Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo (SP)
Atualizado às 17h20 de 23/08/19
A Portaria 666 do Ministério da Justiça não é a única ação em curso em Brasília que pode alterar a Lei de Migração – considerada um avanço social em relação ao antecessor Estatuto do Estrangeiro.
Editada no final de julho pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, a Portaria 666 cria, entre outras medidas, prevê a possibilidade de deportação sumária de migrantes com base na suspeita de que a pessoa seja perigosa para a segurança do país. Para tal, não precisa haver uma acusação formal e nem condenação por parte da pessoa – basta uma investigação em curso contra a pessoa (dentro ou fora do Brasil) ou que existam “informações de inteligência provenientes de autoridade brasileira ou estrangeira”.
A medida do Ministério da Justiça, criticada por especialistas por contrariar leis vigentes no Brasil, e também é alvo de questionamentos da DPU (Defensoria Pública da União), MPF (Ministério Público Federal) e do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos).
Embora criticada no meio jurídico, a essência da portaria 666 está presente em uma série de medidas previstas em uma emenda do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), ao Projeto de Lei 1928/2019, tornando mais rígidas as regras para o acolhimento e permanência de refugiados no país.
A proposta inicial do PL 1928, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), pedia alteração na Lei de Migração para criação de um visto temporário para imigrantes jovens (entre 18 e 29 anos) que pretendam adquirir experiência ou especialização profissional no Brasil.
O conjunto de medidas de Bezerra Coelho é considerado um “jabuti” – jargão do Legislativo que é dado a um artigo não relacionado ao ponto central de um texto. Mesmo assim, foi acatado pelo relator do projeto, o senador Luiz do Carmo (DEM-GO).
A proposta do líder do governo, inclusive, recebeu de parlamentares da oposição o apelido de “Emenda Moro”.
O PL 1928/2019 tramita no Senado em caráter terminativo na CAS (Comissão de Assuntos Sociais), o que significa que basta a aprovação pelo colegiado no Senado antes de seguir para a Câmara. Essa condição muda caso haja recurso assinado por pelo menos 9 parlamentares.
Reações
Após pressão de instituições da sociedade civil e da oposição ao governo no Senado, foi convocada uma audiência pública na CAS, ocorrida na última terça-feira (20) para discussão do projeto.
Representantes de entidades nacionais e internacionais que atuam no atendimento e orientação a migrantes e também do sistema ONU reforçaram as críticas feitas por especialistas.
“Nos causa preocupação que refugiados não consigam abrigo no Brasil com esse projeto”, declarou Federico Martinez, representante-adjunto no país do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados). Ele reconheceu o poder soberano dos Estados em regular a entrada de estrangeiros, mas ponderou que isso deve ser feito de acordo com os compromissos internacionais assinados pelo governo brasileiro ao longo de décadas.
Já representantes do governo e da Polícia Federal presentes à audiência defenderam as emendas apresentadas pelo governo. A Secretária Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Maria Hilda Marsiaj, declarou na audiência que o Brasil é um país de imigrantes e com histórico de acolhimentos. Mas também afirmou que o PL apenas protege o país de receber criminosos e terroristas e que a definição de terrorismo já está prevista na lei brasileira.
As críticas ao PL e à portaria 666 também chegam do meio artístico. Atores da novela “Órfãos da Terra”, exibida na faixa das 18h da TV Globo, publicaram vídeo nas redes sociais no qual pedem que os parlamentares votem contra as propostas. A trama tem como pano de fundo os desafios enfrentados por refugiados e migrantes no Brasil.
Recuos
Após as manifestações da semana, a proposta foi retirada da pauta da comissão do Senado e voltou para as mãos da relatoria.
O Ministério da Justiça também fez um pequeno recuo em relação à Portaria 666. Em resposta a um ofício enviado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o ministro Moro afirmou que a pasta “assumiu o compromisso de realizar estudos para o eventual aprimoramento do normativo, caso necessário”.
A Portaria, no entanto, segue em vigor e respaldada pelo ministro. Durante participação no lançamento do relatório anual do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), na última quinta (22), Moro citou a necessidade de “pequenas ressalvas” na política migratória brasileira.
“Fico feliz em ver que o Brasil continua a ser um país receptivo a imigrantes. Claro que com pequenas ressalvas, mas permanece como um país novo, de promessas, que tem abrigado esses imigrantes”.
Naturalização mais restrita
Na Câmara, tramita o Projeto de Lei 2523/19, de autoria do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP). Ele insere dispositivos na legislação migratória e determina competência exclusiva do Ministério da Justiça para a concessão de naturalização, devendo a essa pasta analisar ainda a conveniência e a oportunidade do procedimento.
Conhecido como “Príncipe”, por ser descendente da antiga família real brasileira, o parlamentar – filiado ao partido do presidente Jair Bolsonaro propõe regas que tornam mais restrita a concessão da cidadania brasileira a migrantes.
Filiado ao partido de Jair Bolsonaro, o deputado faz coro às críticas do presidente à Lei de Migração. Na justificativa apresentada para o projeto, ele chama a atual legislação migratória brasileira “se baseia em uma utopia de fronteiras abertas” e “acaba por adotar posição extremada e militante em prol do esvaziamento da soberania, da identidade, da ordem pública e da segurança nacionais”.
Assim como o PL 1928/2019, a proposta de Orleans e Bragança tramita em caráter terminativo na Câmara – ele ainda será analisado pelas comissões e Relações Exteriores e de Defesa Nacional; e de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Caso aprovado em cada uma delas, o projeto seguirá para o Senado.
Com informações da Agência Senado