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domingo, dezembro 22, 2024

As eleições presidenciais no México e a agenda migratória

A relação com o governo dos EUA e o modo como esse país barganha e utiliza o vizinho do sul como espaço de contenção é cerne da discussão migratória mexicana

Por Anna Paula Ramos*
Do ProMigra

O nexo entre política e migração tende a ser movimentado nos próximos meses nas Américas, visto que alguns países, que são protagonistas da conjuntura migratória da região, terão eleições presidenciais. Dentro desses, o México, no dia 02 de junho, irá às urnas para eleger o seu próximo presidente, que irá comandar o país pelos próximos seis anos. 

Apesar da migração ser um tema recorrente no noticiário mexicano e o México ser visto como a “porta de entrada” aos Estados Unidos, o peso da pauta migratória na agenda eleitoral é menor, se comparado com outros temas-chave como, por exemplo, economia, saúde e segurança. Isso pode ser explicado, em especial, pelo fato da pauta migratória ser tratada como um assunto de política externa, mais especificamente no que se refere ao relacionamento com os Estados Unidos, como é explicitado tanto nas ações dos governantes eleitos quanto nos discursos dos candidatos à presidência. 

Independentemente dessa secundarização da migração na agenda política mexicana, no cotidiano dos movimentos populacionais entre as Américas, esse país possui três modalidades de fluxo migratório, sendo um território de origem, de trânsito e de destino. Como país de origem, há uma longa tradição de migração, principalmente de caráter laboral, de nacionais do México indo aos Estados Unidos. Em 2021, havia, aproximadamente, 10.7 milhões de mexicanos vivendo em território estadunidense, o que representa 24% dos 45.3 milhões dos residentes estrangeiros. 

Já as categorias de país de trânsito e de destino, possuem as suas expressões mais fortes nos últimos 20 anos, devido, em especial, aos movimentos originários do Triângulo Norte da América Central, do Haiti e da Venezuela. Através das rotas desérticas, que ligam o México aos Estados Unidos, todos os dias dezenas de pessoas tentam pisar em solo estadunidense. Todavia, com o aumento da fiscalização fronteiriça e de leis restritivas à documentação dos migrantes por parte dos Estados Unidos, o México tem se tornado um país de destino à aqueles que não conseguiram atravessar para o lado estadunidense ou que considerem que os riscos não compensam. 

Como resultado do seu triplo papel na governança migratória regional, o México é a peça-chave da gestão migratória estadunidense, que externaliza a sua fronteira ao território vizinho. Portanto, a relação com o governo estadunidense e o modo como esse país barganha e utiliza o México como espaço de contenção é cerne da discussão migratória mexicana. Toda essa dimensão se tornou ainda mais robusta no governo de Andrés Manuel López Obrador (2018 – até o presente momento). Isso pois, conforme o número de migrantes, que tentava atravessar para o lado do Estados Unidos, aumentava a cada dia, a pressão do governo estadunidense para contê-los também.

Tendo a sua administração sendo marcada pela pressão incisiva dos Estados Unidos, AMLO, como é apelidado Andrés, busca eleger a candidata da sua base aliada, Claudia Sheinbaum, em razão da reeleição não ser permitida pela lei mexicana. Nas pesquisas de intenção de votos realizadas pelo jornal El País, em 8 de maio, Claudia receberia 56% dos votos. Já a sua opositora direta, Xóchitl Gálvez, da Frente Ampla pelo México (FAM), possui 36% de chances de ganhar. Na terceira e última posição, há o candidato Jorge Álvarez Máynez, do Movimento Cidadão, com 7%.

O que espera o novo governante? O legado migratório de AMLO 

Diante desses resultados, a mídia mexicana já aponta como certo que o México terá, pela primeira vez em sua história, uma presidenta liderando o país e tendo que administrar o legado controverso deixado por AMLO. 

Seguindo a tendência observada por toda a América, os últimos anos foram marcados por um aumento exponencial de migrantes no México. Para se dimensionar com números, somente em 2023, o Instituto Nacional de Migración (INM) registrou a apreensão de 782.176 migrantes indocumentados no México, o que representou um aumento de 77% em relação a 2022, quando o número foi de 441.409 chegadas. Além de ser uma quantidade recorde, o que chamou atenção no ano passado foi a pluralidade de nacionalidades, não sendo mais somente de latino-americanos. A título de ilustração, em 2023, foi registrada a travessia de 19.943 senegaleses, o que representou um aumento de  1.990%, segundo as estatísticas oficiais.

Esses números ajudam a mensurar como foi o cenário do penúltimo ano da gestão de Andrés López Obrador. Durante a sua campanha eleitoral, ao longo de 2018, ele prometia que defenderia as garantias sociais dos emigrantes mexicanos nos Estados Unidos e que todos os migrantes no México, independente do status de sua documentação, eram dignos de condições essenciais à sobrevivência. 

A prova se essa era, de fato, a sua pretensão veio logo no início do seu mandato, uma vez que, ao assumir a presidência, Andrés precisou gerenciar o trânsito das caravanas migratórias, que viviam a sua fase de maior volume pelo México. Enquanto isso, na outra ponta, Donald Trump tentava reprimi-las com o aumento da fiscalização nas zonas fronteiriças. Em oposição a essa abordagem securitizada estadunidense, a primeira ação do governo de AMLO foi conceder vistos humanitários aos migrantes, que chegavam no México. Em síntese, esses vistos permitiram que os centro-americanos obtivessem livre mobilidade em todo o território mexicano, pudessem trabalhar e acessar os serviços de saúde. A impressão era de que, pela primeira vez, o êxodo centro-americano contemporâneo estava sendo enquadrado como uma questão humanitária pelo governo mexicano e que uma política de “portas abertas” era exercida. Entre dezembro de 2018 e abril de 2019, o governo concedeu um total de 26.584 vistos humanitários. 

Todavia, como a quantidade de migrantes, que tentavam atravessar para o lado estadunidense, aumentava diariamente, no início de 2019, Trump ameaçou enviar soldados  ao México, se o país não impedisse essa circulação. Diante disso, a retórica humanitária foi esvaziada e a militarização das rotas de trânsito mexicanas deu o tom da gestão de AMLO nesta pauta. Os números de apreensões em 2023, relatados anteriormente, ajudam a ilustrar esse contexto. Além disso, o México começou a aplicar uma política vista como “deportação interna”, que consiste, basicamente, na apreensão e transferência de migrantes das cidades nortistas às sulistas. Com isso, os migrantes se veem “obrigados” a fazer todo o trajeto até o norte do México novamente. 

Outra representação de seu legado inclinado às diretrizes estadunidenses foi a instauração do Migrant Protection Protocols (MPP), conhecido como “Permaneça no México”. Essa política, basicamente, terminava que os migrantes aguardassem em território mexicano as suas audiências de asilo no sistema migratório estadunidense. O MPP somado, a partir de março de 2020, com o Título 42 – política que determinava o fechamento da fronteira no contexto da pandemia de COVID-19-, fizeram com que as cidades fronteiriças mexicanas se tornaram um grande território de espera. As cenas dos acampamentos informais sob condições insalubres dominaram os noticiários, já que ambos os governos não forneceram estruturas dignas – de moradia, alimentação e saúde – a esses migrantes, que esperavam a oportunidade de se apresentar a um juiz de imigração. 

Caravana de migrantes da América Central passa por Chiapas, no México, a caminho dos Estados Unidos, em 2018. (Foto: Rafael Rodríguez/OIM)

Com essa nítida percepção de que os Estados Unidos se utilizam do território mexicano como um espaço de contenção e de dissuasão, nos últimos meses, López Obrador tem tentado demonstrar que o seu país não é uma peça do tabuleiro migratório estadunidense. Além de se opor publicamente contra as medidas do governo estadual do Texas, que almejava expulsar compulsoriamente os migrantes às cidades fronteiriças mexicanas, o atual presidente mantém o discurso de que para solucionar a “crise” migratória, os atores envolvidos devem ir à raiz do “problema”, ou seja, promover o desenvolvimento econômico e social dos países emissores dos migrantes. Todavia, nenhuma estratégia efetiva foi feita ou apresentada ao longo do seu mandato para que essa retórica fosse concretizada. 

Enquanto isso, dezenas de migrantes, todos os dias, tentam atravessar o México em condições adversas e sem nenhum tipo de proteção por parte dos dois governos envolvidos nessa conjuntura. Diante desse cenário, os especialistas resumiram o legado de AMLO na pauta migratória em três pontos: criminalização dos migrantes, “alinhamento” com as demandas dos Estados Unidos e ausência de respostas contundentes de como ajudar os países originários dos deslocados. Partindo dessas características, os candidatos à presidência projetaram as suas propostas à política migratória do país. 

Propostas de Claudia Sheinbaum

Claudia Sheinbaum, 61 anos, é a candidata da coalizão Sigamos Haciendo Historia, constituída pelos partidos Morena, Partido Trabalhista e Ecologista Verde. Em geral, as suas propostas visam consolidar a “Quarta Transformação”, que seria a continuação das medidas implementadas ao longo do governo do atual presidente e líder da esquerda mexicana, Andrés Manuel López Obrador.

Em relação à pauta migratória, Sheinbaum trouxe propostas mais genéricas. Em seu plano de governo, por exemplo, citou que os direitos dos emigrantes mexicanos nos Estados Unidos devem ser protegidos, mas não especificou medidas concretas de como o governo mexicano pode barganhar isso com o estadunidense. Além disso, enfatizou que o México poderá colaborar, em matéria de migração, com os Estados Unidos, porém deverá ser numa forma de cooperação e não de subordinação. Logo, exige que haja respeito à soberania mexicana e aos mexicanos residentes no país vizinho. 

Já em seus pronunciamentos, Claudia focou, principalmente, na mesma fala de AMLO, ao frisar que a melhor fórmula para lidar com o desdobramento da migração na região, é investir nos locais de onde as pessoas partem. Portanto, a candidata tem focado mais num discurso de propostas a longo prazo e não apresentou ações para lidar com a questão num futuro mais próximo ou, até mesmo, no cenário doméstico. Diante disso, os especialistas apontam que, se eleita, como Claudia possui fortes vínculos com Andrés, é pouco provável que ocorrerão mudanças substanciais nas políticas migratórias mexicanas. 

Propostas de Xóchitl Gálvez

A segunda melhor candidata nas pesquisas de intenção de votos, Xóchitl Gálvez, 61 anos, é vista como a “outsider” da política mexicana, já que, no início da corrida presidencial, não era a candidata mais forte a ser escolhida para representar a coalizão Frente Ampla pelo México. Formada pelo Partido Ação Nacional (PAN), o Partido Revolucionário Institucional (PRI) e o Partido da Revolução Democrática (PRD), essa frente de centro-direita é a principal oposição aos partidos de esquerda no México. 

Seguindo a linha de ser crítica à gestão atual, Gálvez foi mais incisiva em suas propostas à migração. No ano passado, a candidata viajou aos Estados Unidos para conversar com mexicanos residentes no país e apontou que, apesar de ter prometido em sua campanha, AMLO nada fez para ajudar os emigrantes. Se eleita, a candidata prometeu fornecer ajuda jurídica para todos pudessem se regularizar no país vizinho. Ademais, pontuou que, se os Estados Unidos querem o México como um “terceiro país seguro”, terão que garantir os direitos e uma vida digna aos mexicanos, que estão ao seu lado da fronteira. 

No que se refere ao ambiente doméstico, a candidata apoia a desmilitarização de todo o território mexicano, ao afirmar que a migração não é um “problema”, mas uma oportunidade econômica para o país. Defendeu, também, que todo o migrante possa transitar com segurança pelo México, tendo os seus direitos e integridade física respeitados, já que, segundo a candidata, na atual gestão, é o crime organizado que define a política migratória do país.  

Propostas de Jorge Máynez

Estando em último lugar nas pesquisas eleitorais, Jorge Máynez, 38 anos, é candidato pelo partido de centro-direita Movimento Cidadão. Devido a sua idade, tem baseado as suas propostas em direção às novas gerações, ao prometer mudanças em relação ao que já está estabelecido na “velha” política mexicana. 

Quanto à migração, semelhante ao discurso de Xóchitl Gálvez, ele defendeu a eliminação da militarização na fronteira sul do México. Apontou também que a questão migratória deve ser gerenciada com a criação de um sistema de proteção dos direitos humanos dos migrantes, que seja “alcançável e realista”. O candidato enfatizou, especialmente, a atenção que deve ser dada às crianças nesse contexto e a dignidade aos mexicanos nos Estados Unidos. Além disso, Máynez diz que as soluções para a atual situação da migração na região, só serão alcançadas com o diálogo e cooperação entre o seu país, o vizinho e os organismos multilaterais.

Duas eleições e um dilema migratório 

A cada doze anos, as eleições presidenciais mexicanas e estadunidenses coincidem e ocorrem em meses próximos, como será em 2024. A última vez que isso aconteceu foi em 2012, momento em que Barack Obama (2009-2017) se elegeu para o seu segundo mandato nos Estados Unidos e Enrique Peña Nieto (2012-2018) passou a governar o México. Na época, esses presidentes, diante do aumento da migração centro-americana com a chamada “onda” das crianças desacompanhadas, em julho 2014, implementaram o Plan Frontera Sur, que foi responsável por intensificar, significativamente, o policiamento na fronteira entre os dois países.  

Atualmente, o cenário das eleições estadunidenses, que ocorrerá em novembro, está se desenhando com o republicano, Donald Trump, liderando as pesquisas de intenção de votos e baseando a sua pré-campanha em um discurso contra os migrantes num nível muito mais inflamado e discriminatório do que em 2018, quando tentou a reeleição. Se essa vitória for concretizada, o novo governante mexicano terá o grande desafio de lidar com as investidas e ameaças trumpistas de instrumentalizar todo o território do México como um cinturão de contenção aos migrantes. 

Todavia, se Joe Biden for reeleito, mesmo que o seu modo de gerenciar a questão tende ser mais brando e com um discurso mais “humanizado” do que se comparado com Trump, é provável que, para o seu segundo mandato, as condutas sejam de pressionar mais o México para refrear os migrantes em seu território. Isso pois, a pauta migratória está exercendo uma complexa pressão sobre a sua gestão e abrindo frentes de questionamento sobre o seu papel de líder no âmbito doméstico.

Diante dessas circunstâncias projetadas, além das duas candidatas mais bem colocadas à presidência mexicana possuíram opiniões fortes em não ceder à pressão dos Estados Unidos, será de suma importância observar como os novos presidentes, mesmo que apoiados em diretrizes corriqueiras dessa conjuntura, irão administrar essa pauta histórica e que não parece ter uma solução sustentável e ordenada em vista. Somado a isso, será interessante também, examinar como essa relação bilateral turbulenta, pela primeira vez na história, se desenvolverá tendo uma mulher como uma das líderes, já que os Estados Unidos também nunca tiveram uma presidenta. 

Sobre a autora

Anna Paula Ramos é mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, Unicamp, PUC-SP), bacharela em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Álvares Penteado (FECAP) e membra do ProMigra – Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes da Faculdade de Direito da USP. Tem como temas de pesquisa a migração centro-americana, as políticas migratórias dos Estados Unidos e do México.

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