Por Rodrigo Veronezi
Mostrar que a política pode – e deve – abrir espaço para que migrantes sejam ouvidos e possam também se expressar. É com esse pensamento principal que o ativista sírio Abdulbaset Jarour, que obteve a cidadania brasileira em março de 2020, decidiu dar um novo passo em sua atuação em favor de migrantes e refugiados no Brasil.
“O fato de estar em um partido político, de certa forma, não foi uma escolha, mas sim uma oportunidade, sobretudo para que as pessoas conheçam a nossa luta e a importância de ter um espaço na política brasileira”, disse Abdul, em entrevista exclusiva ao MigraMundo, sobre esse novo passo.
No final de abril, Abdul acertou sua filiação ao PSB. Pela legislação brasileira, a participação em processos eleitorais ainda é restrita a cidadãos brasileiros natos e naturalizados – o que é o caso de Abdul. A decisão de disputar um cargo público ainda será tomada, mas vai se somar a outros meios de atuação nos quais o ativista já está presente.
“Seguirei como o mesmo Abdul, líder, ativista, na busca de um mundo melhor para todos, em especial, durante esta pandemia, que aprofundou as desigualdades sociais e, logo, necessita do esforço e união entre todas as organizações e esferas da sociedade, de maneira individual e coletiva, para minimizar os impactos sociais e econômicos causados pela covid-19”, explicou.
A entrevista na íntegra está disponível abaixo:
MigraMundo: Você escolheu o PSB para se filiar. Por que a opção por essa legenda?
Abdulbaset Jarour: Eu tenho uma trajetória no movimento migratório, atuando na sensibilização da causa para a sociedade brasileira em diversos espaços, seja na grande mídia, universidades, escolas, organizações da sociedade civil, além da minha atuação em uma organização importante composta por imigrantes e refugiados. O fato de estar em um partido político, de certa forma, não foi uma escolha, mas sim uma oportunidade, sobretudo para que as pessoas conheçam a nossa luta e a importância de ter um espaço na política brasileira. Considero importante esta abertura, proporcionada por esta legenda, que é baseada nos princípios e valores da democracia. Que muitos irmãos também possam adentrar estes espaços, afinal a política é um meio de expressão e divulgação de vozes diversas, por diferentes causas, em busca de políticas públicas específicas, efetivas em cada caso e que tragam benefícios, resultados e mudanças por meio de nossos pensamentos, ideias, ações e disposição ao falarmos em nosso próprio nome.
Com a filiação, haverá alguma mudança nas suas atividades junto às organizações e projetos nos quais você já atua?
Não, continuarei no mesmo engajamento e ativismo em prol da migração, nas palestras de conscientização, sensibilização, desenvolvendo este trabalho importante, da mesma forma que os brasileiros que são filiados e militantes em diversos partidos e conduzem suas vidas pessoal e profissional. Seguirei como o mesmo Abdul, líder, ativista, na busca de um mundo melhor para todos, em especial, durante esta pandemia, que aprofundou as desigualdades sociais e, logo, necessita do esforço e união entre todas as organizações e esferas da sociedade, de maneira individual e coletiva, para minimizar os impactos sociais e econômicos causados pela covid-19.
Quando você obteve a cidadania brasileira, você já pensava na possibilidade de atuar em favor dos imigrantes a partir da política tradicional?
Sim, pois há alguns anos venho pesquisando sobre a política brasileira e a necessidade de que haja maior representatividade no parlamento em relação à comunidade de refugiados e imigrantes no Brasil. Durante a minha luta pela bandeira da migração e por eu estar no meio da comunidade de refugiados e imigrantes, pude sentir de perto as dificuldades e burocracias, em vários sentidos, bem como problemas que o Brasil possui por falta de políticas públicas, foi possível idealizar uma ONG no país, juntamente com outro irmão da República Democrática do Congo [a ONG Pelo Direito de Migrar, novo nome da África do Coração], com protagonismo real para adquirir visibilidade e dar voz a esta causa, o que naquele momento e até hoje tem feito diferença como uma das primeiras ONGs no Brasil liderada por refugiados e imigrantes.
Mesmo assim eu vi que falta na política brasileira alguém que passou por esta dor, com conhecimento de causa, por ter vivenciado as dificuldades em várias áreas e processos deste caminho árduo que é ser um refugiado e imigrante no país e naquele momento pensei em colocar isso como uma meta. Realmente conto com o apoio e consideração dos brasileiros para que eu possa continuar atuando, agora na política, por um espaço para levar esta bandeira tão relevante e necessária, em busca da implementação de políticas públicas para imigrantes. Porém, vale ressaltar, que minha luta inclui como foco principal os direitos humanos, desta forma também a defesa de todos os grupos marginalizados e vulneráveis, a fim de garantir igualdade de direitos e justiça social.
O Brasil não permite que imigrantes possam votar e serem votados, salvo quando possuem a cidadania brasileira – que é o seu caso. Você pretende atuar em favor de uma mudança nesse sentido no Brasil, de permitir e incentivar que mais imigrantes tomem parte na política?
Este é o objetivo central, a participação e representatividade nas esferas políticas de decisão. É necessário regularizar os imigrantes e refugiados, para que sejam os novos brasileiros, no sentido de que estes possam se sentir cidadãos, de fato, no país, a fim de que possam exercer seus direitos políticos. E, diante deste fato, já estou me movimentando neste sentido na organização de um “Fórum Nacional”, em que se possa discutir o foco da inclusão efetiva na política brasileira. Há uma diversidade na sociedade brasileira, mulheres, negros, indígenas, LGBTQI+, mas infelizmente no cenário político são sub-representados, e isso também acontece com imigrantes e refugiados. Temos uma deputada indígena entre mais de 500 deputados federais [Joemia Wapichana, da Rede-RR], temos mais de 56% de negros no Brasil sem visibilidade na política nacional, o mesmo vale para as mulheres, que representam apenas 15% do parlamento e população LGBTQI+.
É imprescindível deixar que cada grupo fale por si, da sua dor, da vivência, expectativas, mudanças e resistências. Penso, de maneira respeitosa, que os descendentes de imigrantes, que construíram este Brasil, devem se orgulhar da minha iniciativa, pois mudanças são sempre necessárias!
Você pretende se candidatar a algum cargo público na próxima eleição?
Ainda vamos decidir se serei candidato federal ou estadual. Minha meta é adentrar este espaço e poder contribuir na proposição de leis que garantam os direitos dos imigrantes e refugiados, para uma maior inclusão e visibilidade. Apesar do avanço da Lei de Migração de 2017 (LEI Nº 13.445, DE 24 DE MAIO DE 2017) e iniciativas legislativas em alguns municípios como São Paulo, ainda há muito para ser feito para a conquista e garantia de direitos.
Infelizmente muitas pessoas têm visto no atual cenário político uma chancela para atitudes racistas e xenófobas. Como você pretende usar essa nova posição para combater essa situação?
É preciso esclarecer para a sociedade que migrar é um direito humano e todas as pessoas têm o direito de estar protegidas, acolhidas e devemos olhar para o fluxo migratório não apenas nas crises ou ameaças, devemos enxergar as oportunidades e todo este potencial migratório, a contribuição que dão para o desenvolvimento nos países que eles residem. Um refugiado quando decide deixar sua casa, sua família, sua cultura é por uma força maior, ele quer viver e muitos deles morrem nas travessias. É necessário olhar de uma forma positiva e com olhar humanizado, pois na história da humanidade houve uma atuação dos refugiados e imigrantes, os quais contribuíram para muitas mudanças.
Hoje, em muitos sentidos, países como o Canadá, Emirados Árabes, Austrália, Estados Unidos, Qatar, Alemanha e demais países europeus estão aproveitando a imigração, de maneira a dar continuidade ao desenvolvimento. Muitas pesquisas falam sobre as mudanças importantes que imigrantes e refugiados fizeram nos países que os receberam e é por isso que temos que continuar a caminhada, mostrar o nosso valor. Diante disso, somente mediante campanhas de sensibilização, por meio da educação e intervenções que incentivem a cultura da paz e do respeito, é que se chegará a mudanças de paradigmas, posturas e, assim, à construção de uma sociedade igualitária, não racista, não xenófoba e que consegue conviver com a diversidade.
Muitas lideranças políticas contribuem para um discurso de ódio no país e no mundo que, sem dúvida, levam a atitudes desrespeitosas e extremistas, racistas, xenófobas, entre outras, que violam os direitos humanos. Infelizmente, na atualidade, documentos relacionados e celebrados no tocante a garantir direitos a refugiados e imigrantes no Brasil têm sido excluídos da vigência e discussão ampla, a própria lei de imigração de 2017 não vem sendo cumprida, de fato, em suas diretrizes e garantias de direitos. Isso precisa ser mudado e só haverá realmente mudança quando os imigrantes e refugiados no país tiverem mais representatividade e essa voz da diversidade possa repercutir realmente por todo o Brasil, gerando posturas diferentes das que vêm ocorrendo, mais respeitosas com todas as classes vulneráveis, com olhar humanizado e baseado nos direitos humanos, direitos estes conquistados com muita luta, perseverança e resiliência.
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