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domingo, dezembro 22, 2024

Ato em São Paulo exige “Justiça por Moïse” e relembra outras vítimas de racismo e xenofobia

Atos em repúdio à morte do congolês e reivindicando ações contra o racismo e a xenofobia foram registrados também em outras cidades brasileiras e no exterior

Por Dolores Guerra

Uma série de manifestações simultâneas ocorreram no último sábado (5) em diferentes cidades brasileiras e no exterior exigindo justiça para o refugiado congolês Moïse Kabagambe, assassinado a golpes e pauladas no último dia 24 de janeiro, na zona oeste do Rio.

Na capital paulista, o ato aconteceu na Avenida Paulista, em frente ao vão livre do MASP. As estimativas de público variaram de 2 mil pessoas nas projeções mais conservadoras para 8 mil, na avaliação dos participantes. Estiveram reunidos sob a mesma pauta movimentos negros, comunidades migrantes de diferentes nacionalidades, organizações de apoio à questão migrante, partidos, políticos e população em geral.

Além de São Paulo e Rio de Janeiro, onde Moïse foi assassinado e onde ocorreu a primeira manifestação que deu visibilidade ao caso, pelo menos outras 10 capitais brasileiras registraram atos com a pauta “Justiça por Moïse”. Também ocorreram protestos no exterior, como em Miami e Nova York (EUA), Londres (Inglaterra) e Berlim (Alemanha).

Luta contra o racismo estrutural

Durante as falas, imigrantes congoleses e angolanos expressaram a frustração de escolher o Brasil pela proximidade cultural e enfrentar-se com o racismo estrutural em todos os aspectos da vida cotidiana.

Os imigrantes que falaram durante a manifestação destacaram a dificuldade que os negros encontram em se reposicionar em suas áreas de atuação no Brasil, pois suas habilidades são invisibilizadas pelo racismo. Muitos africanos que chegam ao país são altamente especializados, mas costumam ser contratados para serviços pior remunerados como o setor de limpeza.

“É uma tragédia, mas facilita para que as pessoas que não tinham visto ou estavam tapando os olhos conseguiram enxergar que está acontecendo a xenofobia, que não é só africano, mas estrangeiros em geral estão sendo mortos. Principalmente, por causa da cor da pele. A gente espera que com isso aqui, cada um que sair daqui tenha consciência que todos somos seres humanos”, concluiu Vasco Muyaya, conhecido de Moïse e de sua família.

“A gente espera que alguma coisa possa mudar. A gente veio se manifestar porque é uma coisa que já está acontecendo há muito tempo; essa aqui teve mais repercussão porque apareceu na televisão”, declarou Muyaya, que enfatizou que a comunidade “conhece nome por nome de gente que morreu, que brasileiros mataram, que desapareceram”. Mesmo denunciados às autoridades, esses casos nunca foram solucionados.

Além de Moïse, outros migrantes assassinados nos últimos anos no Brasil foram homenageados ao uníssono de “justiça”. Entre eles estão o angolano João Manuel, morto em maio de 2020 na zona leste de São Paulo após uma discussão sobre auxílio emergencial; e também Zulmira de Sousa Borges, universitária angolana que morreu após uma confusão em um bar na região do Brás, também na capital paulista.

Outro elemento apontado pelos imigrantes foi a debilidade da política migratória brasileira, que autoriza a entrada de migrantes e refugiados no país, mas não oferece o suporte necessário para que possam ter no país um suporte adequado para refazer suas vidas e ao mesmo tempo contribuir com a nova casa.

“O Brasil é grande, existe gente que nos trata bem, como também têm gente que ainda continua com esse tabu”, disse Miriam Guarachi, migrante boliviana e residente no Brasil há 14 anos. Juntamente com outras participantes da Associação de Mulheres Imigrantes Luz e Vida, ela declarou que a manifestação é uma “forma de expressar o que nos dói”.

Ato em São Paulo em apoio a Moïse exigiu o fim do racismo estrutural no Brasil. (Foto: Dolores Guerra)

Por que fugimos?

Apresentado como amigo da família de Moïse, um migrante declarou: “Quem entrar no poder aqui no Brasil tem que ter uma relação coerente com os países africanos. Por que os africanos estão fugindo da África? Vocês não se perguntam porque os africanos estão fugindo da África?”

Segundo maior país do continente africano, a República Democrática do Congo (RDC) é rica em recursos minerais, entre eles está o cobalto, metal raro utilizado na fabricação de dispositivos de alta tecnologia. A RDC tem sofrido com uma longa história de conflitos nos últimos 20 anos. Durante muito tempo o cobalto foi utilizado para financiar os grupos rebeldes.

Entre 2017 e 2019, mais de 5 milhões de deslocados internos foram registrados, além das centenas de milhares que fugiram do país em busca de refúgio, principalmente em Angola e Zâmbia. Somente no continente africano, mais de 918 mil congoleses se encontram na condição de refugiados ou solicitantes de asilo.

Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça, 1.050 pessoas reconhecidas como refugiadas no Brasil entre 2011 e 2020 eram originárias da República Democrática do Congo.

Congoleses com bandeira do Congo durante ato em São Paulo em apoio a Moïse e a outros imigrantes que foram vítimas do racismo e da xenofobia no Brasil. (Foto: Dolores Guerra)

Memorial por Moïse

Através de sua conta no Twitter, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), anunciou por meio da Secretara Municipal de Fazenda, que os quiosques Biruta e Tropicália serão transformados em um memorial em homenagem à cultura congolesa e africana. Moïse trabalhou para os dois estabelecimentos e cobrava uma dívida do Tropicália quando foi espancado e morto.

Álvaro Quintão, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ), que vem apoiando juridicamente à família do jovem congolês, informou que a proposta é vista com bons olhos pelos familiares e que deverão aceitá-la.

A prefeitura e a concessionária prometem fornecer à família, em parceria com Sesc, o Senac e organizações sociais, treinamento para operar o quiosque. A PM abriu uma investigação para apurar as denúncias feitas por parentes do congolês Moïse Kabagambe de que eles teriam sido intimidados por policiais militares. 

Entenda o caso

Moïse Kabagambe foi morto aos 24 anos após cobrar seu salário atrasado referente a três dias de trabalho no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, onde trabalhou como diarista até o dia 20 de janeiro.

Dias depois, em 24 de janeiro, Moïse foi espancado com um taco de beisebol e pedaços de madeira, além de ter suas mãos e pés amarrados. Três homens identificados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro graças às imagens da câmera de segurança do estabelecimento estão na cadeia pública de Benfica: Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove; Brendon Alexander Luz da Silva, o Totta; e Fábio Pirineus da Silva, o Belo alegaram que não tinham a intenção de matar e nenhum era funcionário do quiosque Tropicália.

O crime segue sob investigação da Polícia Civil, correndo em sigilo. O advogado que representa o dono do quiosque sustena que ele não tinha dívidas trabalhistas com o congolês, e reafirmou que o cliente não estava no local no momento das agressões. A ausência de menções ao nome do proprietário é vista com desconfiança pelas entidades engajadas para pressionar pela solução do caso.


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