Por Pe. Alfredo J. Gonçalves
Da mesma forma que a antiga civilização egípcia conheceu várias dinastias de faraós, agora Israel também tem seu faraó. Se o faraó antigo representou um terror para o povo de Israel que vivia sob seus pés, o faraó de hoje vem representando um terror para o povo palestino, subjugado há décadas pelas forças de Israel. O faraó moderno responde pelo nome de Benjamin Netanyahu.
Cabe um paralelo entre a situação dos antigos israelitas escravos no Egito, de uma parte, e, de outra, a situação atual dos palestinos, na faixa de Gaza. Em ambos os casos, lá atrás, um tirano distribuía trabalho pesado e açoites através de seus capatazes; atualmente, outro tirano distribui bombas, miséria e fome através de seus soldados. No tempo antigo, o massacre de todo um povo pelo excesso de trabalho pesado, hoje o massacre disfarçado de guerra justa ou, pior ainda, “de direito de se defender”, legitimado pelo poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.
Todo opressor pretende dispor da vida e da morte de seus súditos, escravos ou colonizados. Nem os povos vizinhos escapam da dominação. Em não poucos casos, a principais vítimas acabam sendo civis inocentes, de modo particular crianças. A figura simbólica dos faraós passou para a história como déspotas brutais e intransigentes, quer diante do trabalho forçado dos estrangeiros, quanto diante dos apelos pela liberdade por parte dos mensageiros de Deus. Seu coração se endurece a tal ponto que o sofrimento da população jamais o abala e, menos ainda, as ameaças do profeta Moisés. Sobrevêm, então, as famigeradas pragas do Egito e, nelas, as crianças acabam sendo sacrificadas, como filhos primogênitos.
Mas Deus não permanece indiferente como pretendem muitos. No episódio da sarça ardente, capítulo três do Livro do Êxodo, narra-se simbolicamente um momento de oração de Moisés. No fundo, em lugar da sarça, o que arde é o coração do profeta. Encontra-se, como se costuma dizer, entre a parede e a espada. Enquanto o faraó o persegue para eliminá-lo, por ter matado um soldado egípcio, ele tem consciência da situação de seu povo escravo. Prensado pelo medo e, ao mesmo tempo, pelo clamor do seu próprio sangue, Moisés sobe à montanha para rezar, pedir luzes ao Senhor.
Duas são as respostas à sua oração. A primeira é que Iahweh é um Deus atento, sensível e solidário com os que sofrem. Cinco verbos, na primeira pessoa do singular, colocados na boca do Senhor, dão prova disso. Eu vi a aflição e miséria do meu povo no Egito, eu ouvi seus clamores por causa de seus opressores, eu conheço os seus sofrimentos, eu desci para libertá-lo e conduzi-lo a “uma terra farta onde corre leite e mel”, por isso eu envio para que o tires da terra da escravidão. Ver, ouvir, conhecer, descer e enviar – verbos que revelam um Deus presente na história do povo. Os primeiros três – vi, ouvi e conheço – indicam a preocupação e o cuidado retroativo do Bom Pastor; os outros dois – desci e envio – indicam ação. Ação de um Deus que é capaz de se abaixar, de se humilhar, de se esvaziar para ser “obediente até a morte e morte de cruz”, como lembra o hino da carta de São Paulo aos Filipenses (Fl 2, 6-11). No mistério da encarnação, de resto, esse abaixamento ganha a sua plenitude.
A segunda resposta à oração de Moisés é que este deve retornar ao Egito. “Tira o meu povo do Egito”, diz o Senhor. A verdadeira oração é aquela que, após a contemplação da montanha, é capaz de descer à realidade. Oração que se desdobra em ação sociopastoral e política diante da injustiça. No processo de libertação do Egito, evento fundante da nação do Israel antigo, o povo faz a experiência de um Deus diferente dos ídolos dos impérios vizinhos: Assíria, Babilônia, Pérsia, Egito, e mais tarde Grécia e Roma. Iahweh se revela um Deus parcial e a caminho. Parcial, porque tratar de forma igualitária uma situação desigual termina por agravar a injustiça. Condições distintas exigem resoluções diferenciadas. A caminho, porque, diferentemente dos deuses do templo, do palácio e da antiga Cidade-Estado, Iahweh passa a ser o Deus do êxodo, do deserto, do exílio, da diáspora e da tenda.
Agora, porém, quem se encontra prisioneiro, e em diáspora dentro do próprio território, é o povo palestino. A balança de Deus pende sempre para os que sofrem, oprimidos e martirizados. Os faraós fazem muito estrago, é verdade, mas têm vida efêmera. As raízes da liberdade, ao contrário, mergulham em terras profundas e têm vida longa. Mesmo em meio ao fogo constante e dissimulado de guerra, acobertado pelos Estados Unidos, o mundo clama por justiça e paz. Um ato de violência não justifica nenhum massacre. O grito e o sangue dos palestinos chega aos quatro cantos da terra. A justiça e a paz hão de vencer!
Sobre o autor
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, é vice-presidente do SPM (Serviço Pastoral dos Migrantes)