Por Alethea Rodrigues
Em Gaziantep (Turquia)
Estimar quantos órfãos a Síria deixou desde o início da guerra em 2011 é uma tarefa extremamente difícil. Mas a fundação IHH (Humanitarian Relief Foundation), que trabalha diretamente na questão dos órfãos sírios, afirma que há pelo menos 800 mil crianças e jovens nessa situação.
Eles estão espalhados pela própria Síria e em países vizinhos, como a Turquia, que abriga a maior quantidade de refugiados no mundo – cerca de 3 milhões, segundo projeções do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados). São centenas de orfanatos espalhados pelo país, muitos deles improvisados e construídos pelos próprios sírios.
Duaa Hansha, nascida na cidade síria de Allepo, chegou na Turquia há cinco anos e juntamente com o marido abriu um orfanato em Gaziantep, que fica há 120 km de sua cidade natal.
A ideia
Duaa tem três filhos e se sensibilizou com a situação das crianças e decidiu, com a ajuda do marido que trabalha e vive no Kuwait, alugar um prédio inteiro na cidade e realizar o sonho de abrigar 80 órfãos. O orfanato foi inaugurado em 2017 e recebeu o nome de HAVAT, que significa “vida” em árabe.
Atualmente, todas as crianças que vivem no espaço são órfãs de pai, e as mães vivem junto delas nos apartamentos.
“Senti necessidade de fazer alguma coisa pelo meu povo, algo que não fossem apenas doações. Sentia muita tristeza ao ver a situação dessas crianças e das próprias mães que perderam todos os bens materiais e tiveram a família destruída por causa dessa guerra horrível. Resolvi dar abrigo e principalmente ajudá-los a terem uma boa educação”, conta a síria.
As despesas mensais são muitas e o prédio está praticamente lotado. Dez funcionários sírios e alguns voluntários ajudam na manutenção do orfanato. Porém, há uma série de regras que todos devem respeitar e é fundamental o ambiente seja mantido limpo e amistoso.
Duaa conta que não recebe auxílio financeiro do governo turco, mas que a maioria das mães recebe um auxílio mensal vindo da Red Crescent (Crescente Vermelho, braço da Cruz Vermelha que atua em países muçulmanos, como a Turquia), o que ajuda nas despesas pessoais das famílias. O orfanato oferece, além do abrigo, comida, roupas e materiais escolares.
Para abrigar as famílias, o casal faz somente uma exigência: todas as crianças devem estudar.
“Algumas mulheres sírias são bem conservadoras e não querem que as crianças estudem, por isso aqui há uma regra. Só entram famílias que permitam que os filhos estudem porque a educação é nossa prioridade e fundamental para o futuro desses pequenos”.
Biblioteca e atividades recreativas
Duaa montou uma biblioteca no local para incentivar ainda mais que as crianças se tornem pessoas cultas e interessadas em estudar.
Além disso, as crianças frequentam aulas de turco e inglês no local e fazem atividades recreativas dentro e fora do espaço, todas organizadas pelos próprios funcionários e voluntários.
Reuniões mensais são feitas para que o ambiente seja o mais confortável possível e para que todas as mães mantenham seus filhos nas atividades e principalmente nos cursos que são oferecidos gratuitamente.
A proprietária do orfanato contou também que uma equipe de psicólogos trata as crianças, muitas das quais passaram por eventos traumáticos, tais como presenciar a morte dos pais. Este tratamento é intensivo e, segundo ela, ele têm tido efeitos positivos na vida dos acolhidos.
Planejando abrir um segundo orfanato
Para o futuro, a síria planeja abrir um abrigo para receber os garotos acima de 14 anos. No islã, não é possível mesclar adolescentes de ambos os sexos, por isso, não podem mantê-los no orfanato quando atingem a puberdade.
“Quero alugar o espaço para os garotos porque não posso simplesmente abandoná-los de um dia para o outro. Também tenho o sonho de construir um centro recreativo para que um grande número de órfãos possam passar o tempo livre e fazerem diversos tipos de atividade, Não queremos dinheiro, queremos ajudar. Sentimos na pele o que é perder tudo que construímos a vida toda de um dia para o outro. Não é fácil”, concluiu Duaa.
A síria finalizou a entrevista dizendo que não tem intenção de voltar ao seu país de origem, nem se a guerra acabar.
“O governo da Síria não me representa. Não vou conseguir viver mais no meu próprio país porque não concordo com nada o que está acontecendo e não terei recordações boas. Nós sírios que vivemos na Turquia temos que aproveitar a oportunidade que os turcos nos deram. Eles nos acolheram de uma maneira maravilhosa, como poucos países fizeram por isso eu vou ficar aqui”.
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