Assim como as palavras, os traços e cores organizados em forma de desenhos e charges têm um poder incalculável. Poder este que pode ser usado para questionar e denunciar problemas sociais e políticos, mas que também pode reforçar estereótipos e simplificar debates. E o mundo está repleto de exemplos de mau uso desse poder, que muitas vezes escapa do controle de quem se utiliza dele – e que se mistura à falta de respeito às crenças e realidades alheias.
Um exemplo recente desse quadro é o ataque contra a revista francesa Charles Hebdo, em Paris, no último dia 7 de janeiro, por radicais que dizem seguir o Islamismo. A motivação imediata do ataque à publicação foram charges da publicação satirizando o Islã e o profeta Maomé. De pronto, paladinos da defesa da cultura ocidental e da extrema-direita aproveitam o fato para reforçarem suas políticas xenófobas e discriminatórias em nome da defesa desses tais valores do “lado oeste” do planeta e generalizam erroneamente toda uma comunidade como responsável pelo ato – no caso, os seguidores do Islã.
Por outro lado, a própria revista dava sua contribuição de colocar mais lenha na fogueira do extremismo com charges que satirizam e reforçam estereótipos não apenas em relação ao Islã, mas também em relação ao Cristianismo, aos imigrantes, ao racismo, entre outros temas. A liberdade de expressão deve ser defendida, mas também empregada com responsabilidade e tomar o cuidado e não ridicularizar (e potencialmente ferir) o outro.
Sim, é possível dizer que o Charile Hebdo tem sua parcela de culpa no ataque que o vitimou (por mais que isso possa chocar os apoiadores incondicionais da revista). Claro que isso nunca deve justificar qualquer tipo de violência ou ainda invalidar os diversos atos de solidariedade às vítimas do ataque. Mas os recentes acontecimentos se somam a outros tantos que ocorrem diariamente pela falta de respeito com o outro – e que atingem indivíduos e grupos segregados social, política, econômica e culturalmente (e que passam à margem dos holofotes da grande mídia).
Por exemplo, em vez de procurar entender os muçulmanos, dirigem-se críticas e repudiam seu modo de ver o mundo; em vez de procurar entender e aprender com o intercâmbio cultural possibilitado pelas migrações e pelos imigrantes, as sociedades preferem fechar-se dentro de si e repudiarem aquilo que consideram diferente ou alheio ao que já conhecem.
É como dizer que não gostam de determinado alimento sem nunca terem experimentado. Ou ainda subir no ponto culminante da arrogância e insinuar que uma cultura é melhor ou superior à outra, sem sequer dar uma chance de pelo menos ouvir o que o outro tem a dizer.
A mistura da falta de respeito em relação ao outro com o mau uso do poder das palavras e dos traços mostra mais uma vez que é explosiva e não escolhe vítimas. E as reações sem a devida reflexão sobre essas explosões só agravam o problema e aprofundam as feridas – que cada vez mais demoram a cicatrizar.
A humanidade ainda não aprendeu, mas terá de aprender a lidar e entender aquilo que faz parte do outro – o que vale também para a liberdade de expressão. Esse outro são os imigrantes, uma crença distinta da sua, o seu vizinho, o seu irmão. Somente pregando e exercendo o respeito é possível reivindicar o mesmo tratamento.
Respeito, essa palavra tão ignorada no momento é a certa para que diversos problemas mundiais acabassem. Belo texto!
Fico feliz de ter encontrado esse texto, pois mostra exatamente o que poucos conseguem enxergar neste momento. Ainda temos um longo caminho a trilhar para aprender o significado profundo da palavra respeito e acrescento outra: empatia. Parabéns pela análise objetiva e clara!
[…] MigraMundo: Charlie Hebdo e a falta que faz o respeito ao outro […]