Reportagem do MigraMundo visitou campo no Vale do Bekaa, onde vive parte dos sírios deslocados para outros países devido ao conflito que se arrasta desde 2011 – e segue longe de um desfecho
Por Alethea Rodrigues
No Vale do Bekaa (Líbano)
Mesmo sendo primavera, a temperatura no Vale do Bekaa, na região central do Líbano, girava em torno de 27 graus no último dia 15 de maio. E dentro das barracas de lona do campo de refugiados sírios próximo da pequena cidade de Almarj, o calor é ainda maior – principalmente quando o verão chega por lá.
Clique aqui para assinar a Newsletter do MigraMundo
Vestida com uma abaya, roupa que cobre todo o corpo das muçulmanas, a síria Arkan Aldewan, 37, parece não se incomodar com o clima. São seis anos nessa mesma situação.
Ela contou ao MigraMundo que vivia com o marido e os filhos em Homs, na Síria, uma das cidades mais castigadas pelos bombardeios das forças do ditador Bashar al-Assad.
Em 2011, mesmo ano do início do combate, os seis filhos de Arkan estavam brincando do lado de fora da casa. Um bombardeio começou e o pai das crianças foi chamá-las e acabou sendo atingido por um tiro que acertou a sua cabeça. A cena foi presenciada pelos filhos, e o mais velho, que hoje tem 15 anos, lembra de tudo: “Meu pai morreu na nossa frente. Uma bala entrou na cabeça dele, ele caiu e não acordou mais”, contou Ahmad Alomar, com lágrimas nos olhos.
Após três meses do assassinato, a população começou a deixar a cidade com medo do que estava por vir. Arkan resolveu ir embora com os filhos para o Líbano. “Pedi para cada um escolher algo que gostava muito para trazer e viemos somente com a roupa do corpo. Meu cunhado já estava aqui e me ajudou a conseguir essa barraca para morar com eles”.
De acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, ONG com sede no Reino Unido, 511 mil pessoas já morreram na guerra civil na Síria desde o início do conflito, em março de 2011.
A vida no Campo
Quando começou a guerra, o Líbano tinha cerca de 4 milhões de habitantes. Desde então, recebeu mais de um milhão de moradores do país vizinho. Ao todo, de acordo com o ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), são cerca de 5,5 milhões de sírios vivendo como refugiados em outros países – especialmente em nações vizinhas, como Líbano, Jordânia e Turquia.
Nesses seis anos no Líbano, a vida da família de Arkan não mudou praticamente nada. A tenda em que vivem tem apenas dois cômodos, para sete pessoas. Não há camas, uns colchões improvisados são colocados no chão e é ali que todos dormem, amontoados. O mesmo local serve de sala – e foi onde a família recebeu o MigraMundo para a entrevista. Em meio a um cheiro ruim, uma pequena lâmpada e uma janelinha improvisada tentavam iluminar o espaço. Apesar das condições precárias, não faltou simpatia, carinho e um cafezinho, tradicional no mundo árabe.
O banheiro é precário e um cantinho que sobrou a mãe usa como cozinha. Quando chove o terreno alaga e o chão de terra faz com que o trânsito de pedestres por ali fique mais difícil ainda.
Quando não estão na escola (muitos estudam em locais próximos dali) passam o dia correndo pelo terreno, brincando, muitas delas nem sabem o que está acontecendo, foram para o Líbano quando eram muito pequenas. Os jovens, que sabem exatamente o que estão vivendo, impressionam com tanta maturidade – provavelmente um amadurecimento precoce devido ao que passaram nos últimos anos.
As 150 famílias que mora neste campo sobrevivem de doações de ONGs que atuam no local. A maioria recebe um auxílio de US$ 180 mensais das Nações Unidas. “Eu tinha uma vida simples na Síria, mas era tranquila. Tínhamos casa própria, trabalhávamos na roça, vivíamos em paz e a família sempre unida”, lembra Arkan. Ela é analfabeta, e por isso sente dificuldade para encontrar emprego. Além disso, não quer deixar os filhos sozinhos em casa e não permite que eles estudem. “Quero meus filhos perto de mim”, concluiu a mãe superprotetora.
Algumas famílias sírias, muito conservadoras, não permitem que os filhos estudem e isso dificulta ainda mais quando paramos para pensar no futuro dessas crianças. A vida da família de Arkan se resume em rezar e permanecer dentro da tenda. Dificilmente saem dali.
Ao ser questionada sobre futuro, a mulher ainda está indecisa. Após relembrar a morte do marido e tudo que passou durante o tempo em que viveu no meio da guerra, expressa com ênfase que pretende permanecer no Líbano.
“Quero voltar para o meu país, mas não agora, quem sabe quando essa guerra terminar. Sobrevivemos de doações, nossa vida é muito difícil, mas pelo menos não corremos o risco de morrer e posso criar meus filhos com mais tranquilidade”.
Essa indecisão faz parte da vida de praticamente todos que vivem refugiados, querem voltar ao país de origem, mas perderam tudo e temem pela própria vida. “O tédio e a ansiedade são os sentimentos que fazer parte da nossa vida, precisamos aprender a conviver com isso. Muita gente não sabe nem o que aconteceu com tudo que deixou para trás. Fico pensando na minha casa, mas dizem que ela nem existe mais. Nossa vida gente segue assim, vivemos dia por dia, vamos ver até quando”, resume Arkan.