Imagina acordar e ter que “arrumar um jeito de ir” a um outro país em busca da vida. É isso que um refugiado faz: deixa para trás um lar repleto de momentos para alcançar seus direitos. E não foi diferente com Talal Al-Tinawi. Em apenas duas semanas, teve que deixar seus 44 anos de história na Síria.
Ele faz parte da diáspora que já representa 6,6 milhões de pessoas espalhadas por 130 países, incluindo o Brasil, que desde 2011 são empurradas pelos conflitos que completam dez anos neste mês de março.
Talal teve de sair da Síria em 2012, quando foi solto da prisão depois de três meses e meio atrás das grades. Após ser confundido com um outro procurado pelo governo, que possuía o nome idêntico e data de nascimento coincidentemente próxima, Talal arrumou suas malas e fugiu com sua esposa e duas crianças para o Líbano.
“Minha vida na Síria era muito tranquila. Tinha meu escritório, minhas três lojas de roupa de crianças, tinha meu carro, minha casa, meu apartamento, minha família. Mas eu tive que abandonar.”
Inocentado, fugindo das perseguições e dos conflitos internos, refugiou-se no país ao lado, onde ficou por dez meses. No entanto, apesar de não haver guerra como na Síria, a situação econômica foi mais um obstáculo em que Talal se deparou. O peso da responsabilidade de Talal cuidar de sua família passava a aumentar.
“Então Brasil finalmente abriu suas portas aos refugiados. A gente aproveitou essa chance.”
Reinvenção no Brasil
Em 10 de dezembro de 2013, Talal chegou ao Brasil – país onde viu a oportunidade para começar uma nova vida, longe da perseguição, menos próximo dos problemas financeiros.
Apesar de o primeiro grande passo de chegar ao Brasil ter sido feito, a família Al-Tinawi encontrou diferentes desafios. Primeiro, a adaptação cultural. Aprender a língua e entender os costumes e hábitos foram tarefas diárias, 24 horas por dia, visto que era tudo muito diferente do que haviam vivenciado.
Dos desafios ainda, o maior foi, e ainda é, a saudade. A falta da família unida. Antes, Talal tinha o costume de ir para a casa dos pais, onde todos os irmãos se reuniam e passavam o tempo juntos.
“Mantenho contato com meu pai e meus irmãos na Síria. Falo com eles sempre. A gente não pode perder o contato.”
Hoje, Talal é reconhecido em São Paulo por seu talento na gastronomia. Pelo fim de 2014, apostou no empreendedorismo como a única saída e fonte de renda. Além disso, confiou na decisão como uma oportunidade de projetar sonhos maiores. Talal abriu um restaurante, o Talal Culinária Síria, em 2016, levando a cultura árabe até a zona sul da capital paulista, com apoio de financiamento coletivo.
“A abertura do restaurante foi um dos meus episódios mais felizes da minha vida. A sensação de poder levar minha comida e minha cultura para o povo brasileiro é muito boa.”
Pelo incrível que pareça, o talento que Talal mostra na cozinha não deriva de nenhum curso, nem especialização. Formado em engenharia mecânica, o chef aprendeu a cozinhar dividindo as atividades na cozinha da casa com a mãe, agora falecida. Abrir um restaurante foi mais do que uma opção, uma necessidade.
Segundo o chef, grande parte dos refugiados começam a empreender acreditando que seja a única forma de poder se afastar das dificuldades financeiras, já que o mercado de trabalho não dá espaço suficiente. Talal, formado em engenharia mecânica, já tentou renovar seu diploma diversas vezes, mas nunca conseguiu pelas complicações da burocracia.
Em 2018, infelizmente, o restaurante Talal Culinária Síria encerrou suas atividades. O chef quis acreditar até o último momento na possibilidade de que as portas pudessem abrir. Contudo, acabou não resistindo à crise econômica.
“Quando o restaurante fechou foi triste. Era como se um sonho tivesse fechado. Mas a gente não podia perder a esperança porque, se a gente a perdesse, ficaríamos na rua. Então não havia opção.”
Solidariedade na pandemia
O bem ao próximo nunca é demais. Em meio à pandemia do novo coronavírus, Talal notou uma dificuldade ainda maior nas pessoas em situação de rua e idosos que não podem sair de suas casas por estarem no grupo de risco. Em ato de empatia, o chef decidiu distribuir marmitas para as pessoas encaixadas nessas condições. Marmitas contendo coalhada seca, babaganoush, hummus, esfihas, kibes, kafta, arroz com lentilha, tabule, charuto de folha de uva. No total, Talal conseguiu doar mil marmitas, sendo 300 financiadas de seu próprio bolso e outras 700 com ajuda coletiva.
Nos dias em que a frente fria predominou sobre São Paulo e as pessoas em situação de rua passaram as noites combatendo o frio, Talal teve a ideia de distribuir cobertores.
“Quando você vê que algo é necessário, ele precisa ser feito.”
Apesar de ter sido difícil usar o pouco que tem, Talal lembra das vezes em que recebeu ajuda e sabe quão importante é se doar ao próximo em momentos de necessidade.
E o futuro?
Atualmente Talal Al-Tinawi trabalha preparando comida sob encomendas. Reinventando-se a todo instante diante os diversos cenários de crise do país, o chef espera somente por uma coisa: que as vendas atuais possam crescer.
“Fica difícil pensar muito pela frente. Realmente não se sabe o que está por vir”.
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