Por Rodrigo Borges Delfim e Maria Eduarda Matarazzo
Foram quatro anos de hiato por causa da pandemia de COVID. Mas a Marcha dos Imigrantes voltou a ser realizada na tarde deste domingo (03) em São Paulo e chegou à sua 14ª edição. O local escolhido foi a avenida Paulista, que recebeu as quatro manifestações anteriores (2016 a 2019).
Para este ano foi escolhido o tema a frase “Sem direito ao voto e trabalho decente, não há cidadania plena“, que retoma reivindicações base de anos anteriores da Marcha. Um dado que mostra como, apesar de avanços recentes, questões nevrálgicas para a comunidade migrante ainda persistem.
No Brasil, o direito ao voto e de ser votado permanece restrito a brasileiros natos ou naturalizados. Já a questão do trabalho decente para o migrante é tema de uma resolução da ONU que ainda tramita no Congresso Nacional e aguarda votação pela Câmara dos Deputados.
A organização da Marcha dos Imigrantes é feitos em conjunto com outras entidades ligadas à sociedade civil e imigrantes – seja independentes, seja ligados a algum coletivo. Ao longo do segundo semestre ocorreram reuniões preparatórias na sede do CAMI (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante), na região central de São Paulo. A entidade, inclusive, é a principal promotora do ato.
Segundo estimativa dos organizadores, cerca de 1.000 pessoas participaram da 14ª Marcha dos Imigrantes em algum momento do ato, que teve duração de pouco mais de 2 horas.
Recomeço, resistência e diversidade
“Quando começarmos a organizar a Marcha, não sabíamos quem seria o nosso público. E agora vemos esse público aqui. Ver a Marcha acontecer, em si, já representa uma grande vitória”, definiu Roque Patussi, coordenador-geral do CAMI.
Ao contrário do que se viu em edições anteriores da Marcha dos Imigrantes, a presença de representantes de países africanos foi bastante reduzida, tendo a República Democrática do Congo como a comunidade mais presente.
Segundo Patussi, lideranças de diferentes nacionalidades migraram nos últimos anos para outros países, especialmente os Estados Unidos, o que dificultou a articulação com essa parcela da população migrante. Ele ressalta, no entanto, que a volta da Marcha de fato deve ajudar em diálogos futuros.
Por outro lado, a comunidade latina (especialmente a boliviana) esteve presente em peso, especialmente com grupos culturais que se apresentaram durante a Marcha. Os haitianos também participaram em bom número, somando cerca de 80 pessoas.
A socióloga peruana Isabel Luz também celebrou a Marcha deste ano como um recomeço. “A mobilização social é muito importante na conquista e na manutenção de direitos. Sabemos que a migração muda constantemente e que a pandemia trouxe muitos problemas. Mas aqui trazemos a retomada, a resistência do nosso povo”.
A Palestina, que tem marcado presença no noticiário em razão da invasão de Israel contra Gaza em resposta aos ataques e mortes cometidas pelo grupo Hamas em 7 de outubro, também marcou presença na Marcha. Uma representação teatral destacava as crianças mortas na guerra e também descrevia a situação de deslocamento forçado vivida pelos palestinos.
Outro fluxo migratório recente que figurou na Marcha dos Imigrantes foi o dos afegãos. Entre eles estava o estudante de psicologia Shabir Ahmad Niazi, que parou a universidade em razão da chegada do grupo radical Talibã no poder no Afeganistão e migrou para o Brasil. Por aqui, fundou e coordena a ARRO, organização focada nos afegãos e que é uma das suplentes do Conselho Municipal de Imigrantes (CMI) de São Paulo.
“Importante estar aqui na Marcha para defender não apenas direitos para os afegãos, mas para todos os migrantes”, ressaltou ele.
Direito ao voto
Por imprevistos de logística, a Marcha dos Imigrantes não teve um sistema de som ao longo do ato. A trilha sonora era ditada sobretudo pelas bandas que embalavam os coletivos culturais bolivianos que se apresentavam na avenida Paulista.
Mesmo com essa limitação de estrutura da Marcha, a questão do direito ao voto estava na ponta da língua dos participantes.
“Aqui Vivo, Aqui Voto”, cantava um grupo de imigrantes já no final da Marcha, quando as bandas já tinham cessado e a avenida Paulista começava a ser liberada para os carros.
José Giovane, brasileiro e filho de imigrantes bolivianos, também estava na Marcha. “Sem o direito ao voto, não conseguimos eleger nossos representantes, não há o exercício da democracia. É muito importante que o Brasil possa reconhecer os direitos dos imigrantes que vivem no território nacional “, afirmou.
““As pessoas estão voltando a se movimentar. E seguimos sempre na luta”, observou a ativista congolesa Hortense Mbuyi, que já presidiu o Conselho Municipal de Imigrantes (CMI) de São Paulo. “Enquanto o imigrante não vota, ele não participa da elaboração das leis e da elaboração das políticas públicas. Quando o imigrante vira eleitor, ele garante um valor junto à sociedade”, reforçou.
E os brasileiros?
A Marcha dos Imigrantes era acompanhada por curiosidade por brasileiros que aproveitavam a avenida Paulista aberta para pedestres como local de lazer. A maioria dos expectadores com os quais o MigraMundo conversou, no entanto, mal fazia ideia do que seria o ato.
Entre aqueles que tomavam consciência do teor da Marcha dos Imigrantes, a posição foi de simpatia pelo movimento e pelas pautas apresentadas.
Veja os lemas das edições anteriores da Marcha dos Imigrantes
2007 – “Integração, cidadania universal e direitos humanos”
2008 – “Nossas vozes, nossos direitos por um mundo sem muros, @s imigrantes pedem: ANISTIA JÁ”
2009 – “Por acesso a todos os direitos”
2010 – “Por um MERCOSUL livre de xenofobia, racismo e toda forma de discriminação”
2011 – “Trabalho decente e Cidadania Universal”
2012 – “Nenhum direito a menos para @s imigrantes”
2013 – “Nova lei de imigração justa e humana para o fim da discriminação”
2014 – “Basta de violência contra @s imigrantes”
2015 – “Fronteiras livres, não a discriminação”
2016 – “Dignidade para os imigrantes no mundo: nenhum direito a menos”
2017 – “Pelo fim da invisibilidade dos imigrantes”
2018 – “Por direitos iguais Não me julgue antes de me conhecer”
2019 – “Para igualdade e dignidade não existem fronteiras: Livres com direitos em qualquer lugar do mundo”
2023 – “Sem direito ao voto e trabalho decente, não há cidadania plena”
Parabéns, evento lindo e importante