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terça-feira, novembro 11, 2025

Entre celebração e cautela, veja reações públicas à Política Nacional de Migrações

Algumas questões dadas pelo decreto ainda dependem de outras regulamentações do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que devem vir à tona nas próximas semanas

Atualizado às 16h35 de 10.out.2025

O decreto do governo federal que criou a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, publicado na última quarta-feira (8), gerou reações diversas junto à comunidade migrante, especialistas e entidades ligadas à temática.

Em sua maioria até o momento, as manifestações foram positivas, considerando como histórica a publicação do decreto, que regulamentou o Artigo 120 da Lei de Migração – algo que estava pendente desde que a normativa entrou em vigor, em novembro de 2017. De forma reservada, outros atores ligados à temática migratória demonstram reservas, ainda que reconheçam o fato como um grande avanço.

A criação dessa política nacional migratória era uma das principais demandas atuais da sociedade civil organizada em torno da temática. Depois de um período de inatividade durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), o assunto voltou a ganhar força a partir do começo de 2023, com a promessa do atual governo de destravar o assunto. Ainda no primeiro semestre de 2023 foram criados grupos de trabalho envolvendo diversos atores do setor público, agências internacionais, entidades de apoio a migrantes e representantes da própria comunidade migrante, para a coleta de sugestões.

Reações ao decreto

“Estamos felizes em ver essa política nascer com a contribuição de mais de 700 delegados de todo o país, entre eles a Caritas Arquidiocesana de São Paulo, sempre comprometida com os direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade. Seguimos na luta para que essa política seja efetivamente implementada em todo o Brasil, garantindo justiça, igualdade e dignidade para todos.” disse o Diácono Márcio José Ribeiro, diretor da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP).

As duas agências da ONU envolvidas com a temática migratória também se manifestaram, celebrando a publicação do decreto.

“O ACNUR elogia o Brasil por esta importante conquista. A elaboração e publicação dessa política nacional tão necessária refletem o compromisso do governo em ampliar e aprimorar os mecanismos de acolhimento e integração de pessoas refugiadas, migrantes e apátridas, permitindo-lhes exercer plenamente os direitos já assegurados em lei”, disse Davide Torzilli, representante no Brasil da Agência da ONU para Refugiados.

Pelas redes sociais, a OIM (Organização Internacional para as Migrações) foi na mesma linha. “A política reconhece a população migrante, refugiada e apátrida como propulsora do desenvolvimento econômico e social do país. A OIM parabeniza o governo federal pela tomada de decisão e o compromisso com a população de diferentes nacionalidades que escolheram o Brasil, mostrando o reconhecimento dos movimentos migratórios no país”.

A Cáritas Brasileira também celebrou o decreto, apontando-o como “uma conquista das comunidades migrantes, refugiadas e apátridas no Brasil” e “fruto de um longo processo de participação social e incidência política”. A entidade lembrou que em setembro deste ano realizou um congresso no qual conduziu um chamado nas redes para que o presidente Lula assinasse o decreto da política migratória.

Para o CSEM (Centro Scalabrininano de Estudos Migratórios), a instituição dessa política faz o Brasil avançar na construção de uma governança migratória baseada em evidências, cooperação federativa e respeito à dignidade humana. “A expectativa é que o novo marco regulatório impulsione políticas públicas mais eficientes e coordenadas, reconhecendo a migração não como um problema, mas como parte da solução para o desenvolvimento social e econômico do país”.

Já o presidente da Casa dos Imigrantes e Refugiados do Rio Grande do Sul (CIRRS), Geraldino Kanhanga, entende que a nova política é importante pois destaca o migrante na sociedade. “Os migrantes já estão em várias esferas da sociedade, contribuindo com o nosso trabalho e ganhando destaque. Esperamos que com essa nova política novas portas se abram, para que a população que vem de fora possa ter ainda mais espaços e contribuir para uma sociedade justa”.

Cautela e críticas

Entre outras entidades e especialistas envolvidos com as migrações no Brasil, o sentimento também é de que foi obtido de fato um avanço, mas que deve ser visto com cautela e até que seja evitada uma euforia indevida. Conforme apuração do MigraMundo, diferentes atores estão se debruçando sobre o decreto para entender o real alcance das diretrizes nele contidas, e também checando se de alguma forma ele traz elementos que vieram da segunda edição da Comigrar (Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia).

Realizada em novembro de 2024, a Comigrar teve como objetivo principal sintetizar e elaborar sugestões da sociedade civil para a futura política nacional migratória brasileira. O governo federal, por sua vez, não deu garantias efetivas de que iria incorporar de fato alguma das contribuições feitas a partir da conferência, mesmo sendo seu organizador. Pessoas que falaram ao MigraMundo ainda sob reserva não conseguiram verificar no texto final do decreto elementos que tenham vindo da Comigrar.

Outro ponto que chama a atenção no decreto da Política Nacional Migratória é a ausência de uma menção mais clara à comunidade brasileira residente no exterior. Dados do próprio governo projetam que essa diáspora seja de pelo menos 4,5 milhões de pessoas, superior à população de alguns estados brasileiros e à própria população migrante no Brasil. Outras projeções apontam que esse número real seja ainda maior, considerando cidadãos indocumentados nos países de destino.

Essa lacuna não passou batida pelo sociólogo Flávio Carvalho, que reside em Barcelona e é um militante histórico da comunidade brasileira no exterior. Na visão dele, o atual governo “desconsiderou absolutamente duas décadas de propostas nossas, dos aproximadamente 5 milhões de brasileiros que emigraram”.

Carvalho prossegue, em texto divulgado de forma aberta por ele: “O Decreto 12.657, assinado por Lula, estabelece somente 5 atribuições genéricas, vazias de conteúdo, para um ministério (MRE) tão importante para as 5 milhões de pessoas brasileiras no exterior. Mesmo sendo estes 5 milhões de brasileiros emigrados, um quantitativo maior que a população da maioria (15, entre as 27) das Unidades Federativas do Brasil”.

O decreto traz a ratificação de algo que já acontece na prática há algum tempo, que é a atuação do Ministério da Justiça e Segurança Pública como organismo do governo federal responsável por encabeçar a política migratória brasileira, delegando atribuições especiais a outras pastas – Relações Exteriores, Direitos Humanos, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde, Educação e Trabalho.

O fato do Ministério da Justiça também cuidar da segurança pública é outro ponto que gera controvérsia junto a especialistas e atores ligados à temática migratória no Brasil. Isso porque eles veem o risco de uma abordagem securitária sobre as migrações, embora o governo diga defender uma perspectiva humanitária.

Próximos passos

Com a publicação do decreto de criação da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, as atenções se voltam para o Plano Nacional relativo ao tema, que terá como função o planejamento, gestão e monitoramento da nova política. Pelo texto que veio a público na quarta-feira, essas diretrizes devem ser conhecidas dentro de 90 dias e serão renovadas a cada quatro anos.

“Decreto assinado, agora é hora das consultas públicas para a próxima etapa – o Plano Nacional de Migração e Refúgio! Ele vai dar corpo operacional à Política! Os próximos 90 dias serão importantíssimos. É fundamental continuar a ação com a voz ativa das comunidades migrantes – critério essencial que conduziu todas as ações da nossa rede até aqui”, disse a Caritas Brasileira ao se posicionar sobre o texto.

Também é aguardada a regulamentação por parte do Ministério da Justiça de dois colegiados para coordenação e articulação das ações setoriais da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia: o Comitê Executivo Federal, para coordenação e pactuação intragovernamental, e o Conselho Nacional de Migração, para controle social, articulação interfederativa, monitoramento e avaliação da execução.

Conforme apuração do MigraMundo, o atual CNIg (Conselho Nacional de Imigração), que existe desde 1980, deve ser transformado no futuro Conselho Nacional de Migração.


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