Por Paula Godoy
O tema aparece especialmente a cada dois anos, em época de eleições gerais no Brasil, e representa uma dor ainda longe de ser resolvida para ao menos parte dos migrantes residentes no país: o direito de votar e de ser votado no processo eleitoral oficial. E essa limitação foi tema de um evento promovido às vésperas do primeiro turno do pleito municipal, na última quinta-feira (3) no Rio de Janeiro.
Oroganizada pelo CEPREMI (Centro de Proteção a Refugiados e Migrantes Internacionais) e pelo Nepedi/UERJ (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a atividade reuniu especialistas de diferentes países da América Latina e Europa para discutir a situação dos migrantes em relação ao exercício do voto. O encontro, que contou ainda com a participação de acadêmicos e representantes de organizações sociais, abordou a exclusão política de migrantes e as experiências de voto simbólico em diversos países.
O evento foi promovido presencialmente e contou com transmissão pelo YouTube, que pode ser conferida abaixo:
O evento “Migração e voto” trouxe à tona as diferentes realidades enfrentadas por migrantes na América Latina em relação ao direito ao voto e à inclusão política. Os países da região ainda enfrentam barreiras institucionais e culturais que dificultam a participação política plena dessa população. A discussão destacou a necessidade de maior mobilização da sociedade e de reformas políticas que assegurem o direito de voto a todos os residentes, independentemente de sua nacionalidade.
Durante o evento foi lançada ainda uma votação simbólica no site do CEPREMI, na qual as pessoas migrantes residentes no Rio de Janeiro são convidadas a votar no candidato de sua preferência para prefeito do município. A cidade, inclusive, teve o atual prefeito, Eduardo Paes (PSD), reeleito em primeiro turno com 60% dos votos válidos.
Por outro lado, o Rio de Janeiro foi uma das capitais brasileiras na qual nenhum dos candidatos em disputa apresentou propostas para a população migrante, segundo levantamento feito pelo ProMigra e destacado pelo MigraMundo.
A votação simbólica segue aberta até o final do segundo turno das eleições gerais, que ocorre em 27 de outubro.
Experiências de Brasil e México
O evento foi aberto por Charles Pontes Gomes, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, que contextualizou a iniciativa, destacando que a campanha de voto simbólico de migrantes começou no México, liderada por Leticia Calderon Chelius, professora-investigadora do Instituto Mora e doutora em Ciências Sociais. Leticia tem organizado seminários anuais e lançou a campanha que incentiva votações simbólicas para migrantes, ressaltando a importância de dar voz a essa população excluída dos processos eleitorais oficiais.
Letícia apresentou dados sobre a situação do México, onde 10% da população vive no exterior. Apesar disso, ela afirmou que o tema migratório não é amplamente visível na sociedade mexicana, sendo mais discutido apenas quando ocorre algum acidente ou evento negativo, momento em que há uma cobertura intensa, mas passageira. O país proíbe a participação política de não nacionais nas eleições locais, o que motivou a criação de votações simbólicas como uma forma de mobilizar a sociedade para essa causa. Letícia também abordou o impacto da xenofobia e destacou o papel das iniciativas civis e religiosas na acolhida de migrantes no México, especialmente nas regiões de trânsito migratório em direção aos Estados Unidos.
Na sequência, Charles Pontes Gomes fez uma análise histórica sobre o debate em torno do direito ao voto de migrantes no Brasil, destacando que, desde o início do século XX, a questão tem sido discutida sem avanços concretos. Ele ressaltou que, embora a Constituição brasileira garanta direitos sociais e humanos iguais a todos os residentes, o direito ao voto é restrito aos cidadãos nacionais. Em 2012, foi apresentada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para permitir o voto de imigrantes, mas ela segue em trâmite sem previsão de votação.
Charles ainda mencionou a possibilidade de acordos internacionais, como o que já existe entre Brasil e Portugal, serem uma solução para permitir o voto de estrangeiros no Brasil, especialmente no caso de migrantes do Mercosul, como os venezuelanos, que formam uma das maiores populações migrantes no país: “Um acordo internacional poderia fugir a constituição sem ter que fazer uma PEC, isso seria uma das saídas possíveis de trânsito mais fácil, pra gente fazer com o Mercosul ampliado, que é basicamente a América do Sul, que são os maiores migrantes que residem no país, sobretudo os Venezuelanos.”
Inclusão e exclusão
Ana Paula Penchaszadeh, doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, deu continuidade ao evento, compartilhando a experiência da Argentina, onde o voto de migrantes é reconhecido em nível subnacional, permitindo que estrangeiros participem das eleições municipais. Segundo Ana Paula, a Argentina, historicamente um dos maiores receptores de imigrantes no Mercosul, tem se destacado por suas políticas de inclusão dos migrantes nos processos eleitorais. Diferentemente dos cidadãos nacionais, para quem o voto é obrigatório, o voto dos estrangeiros é um direito. No entanto, ela ressaltou que o nível de participação ainda é baixo.
O professor Raphael Vasconcelos, da UERJ, trouxe uma reflexão crítica sobre o racismo e a xenofobia no Brasil, destacando que o perfil migratório tem impacto direto na aceitação da ideia de conceder o direito ao voto a estrangeiros. Segundo ele, o brasileiro acolhe bem o estrangeiro, mas isso vale desde que seja uma pessoa com recursos e, de preferência, europeia e branca.
“Eu até acredito que se a gente tivesse um perfil migratório no nosso país com essas características, ou norte americano branco de uma classe mais abastada, talvez isso nem fosse uma questão e a gente já tivesse até uma emenda constitucional regulamentando o voto do estrangeiro no Brasil, porque não seria um tema que enfrentaria tanta resistência na nossa sociedade.” afirmou Vasconcelos. Ele argumentou que a inclusão política de migrantes de origem africana, latino-americana ou de baixa renda enfrenta resistência cultural e social, e que essa marginalização deve ser combatida por meio de iniciativas como o voto de migrantes.
Ricardo Salvador de Toma-García, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais, falou sobre a experiência venezuelana, destacando a exclusão de milhões de migrantes do processo eleitoral de seu país de origem. Segundo Ricardo, embora haja milhões de venezuelanos vivendo fora do país, apenas uma pequena fração recebeu permissão para votar nas eleições venezuelanas, o que reflete uma problemática global em relação ao voto de migrantes e sua inclusão política.
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