Por Bruna Cristina Fernandes
No ano de 2022, o mundo finalmente pode respirar melhor graças as vacinas para a COVID-19. Entretanto, em fevereiro do mesmo ano, após o período turbulento trazido pela doença eclodiu na Europa um conflito sem precedentes com a invasão russa ao território ucraniano, uma afronta direta a soberania de um país independente. Desde a eclosão da guerra, há exatamente um ano, a União Europeia intensificou seu discurso de paz e recepção aos refugiados ucranianos. Uma posição diferente da adotada em Kosovo, Iraque e Síria, que ainda mata milhares de pessoas todos os anos.
Ficou famosa uma frase do primeiro-ministro da Bulgaria, Kiril Petkov, após o início da guerra, sobre a acolhida aos refugiados ucranianos: “Essas pessoas são europeias, são inteligentes, educadas. Esta não é a onda de refugiados a que estamos acostumados, de pessoas com passado obscuro, que poderiam ter sido até terroristas”.
Palavras perturbadoras, mas que revelam uma até então ocultada posição europeia em relação aos refugiados de outras nacionalidades.
De acordo com dados da ONU, mais de 10 milhões de pessoas já foram deslocadas pelo conflito e muitas vidas inocentes já foram tiradas. As dificuldades da situação de refúgio entre as famílias vão além de perder sua moradia e meio de subsistência. Elas se estendem para os perigos que a situação de vulnerabilidade traz, entre eles o tráfico humano.
Capacidade de refúgio
Cerca de 90% de todos os que fogem da Ucrânia através das fronteiras são mulheres e crianças. Pessoas que sofrem riscos de violência de gênero, abuso, trauma psicológico e por muitas crianças terem fugido sozinhas, estes riscos são multiplicados.
Este número imenso de pessoas revela uma característica dos países europeus que é a capacidade de refúgio. É necessário deslocar grande quantidade de recursos e mobilizar parte da infraestrutura do país para a acolhida. Porém, apesar dessas dificuldades, em comparação a acolhida de refugiados de outras etnias, os ucranianos encararam barreiras menores para obter as garantias do refugiado como identificação, registro, proteção e cuidados adequados, além de iniciativas de inserção das pessoas no país.
Em setembro de 2015, a foto de uma criança síria encontrada morta em uma praia da Turquia estampou os principais jornais do mundo e percorreu as redes sociais provocando uma comoção mundial, se tornando um mártir frente a guerra da Síria. Em 2016, minha monografia teve como tema o grande deslocamento sírio para a europa que levou a um aumento no número de entradas irregulares e solicitações de asilo na região, dando início à chamada “crise migratória”.
Na época, em resposta, o comportamento político do bloco se mostrou voltado ao fechamento de fronteiras e manifestações xenofóbicas. Um exemplo foi o acordo entre União Europeia e Turquia para o acolhimento de refugiados. Ele foi pautado na tentativa da União Europeia coibir a vindo de refugiados sírios que adentravam na Grécia pelo Mar Egeu, deixando de lado seu arcabouço jurídico sobre refugiados. O que inclui o princípio do non-refoulement (que proíbe que um indivíduo em situação vulnerável possa ser devolvido ao Estado que sofra perigo contra sua vida).
Acolhida seletiva
Sendo assim, o que podemos concluir através do comportamento europeu sobre o acolhimento a refugiados? Apesar dos discursos de paz, essa acolhida ainda é extremamente seletiva. Tal análise não parte da noção errônea de que uma vida importa mais que outra. Mas, sim, que todas as vidas importam independentemente de qual país o refugiado seja oriundo.
Negar asilo a uma pessoa em situação de ameaça é negar as bases dos direitos humanos sobre garanta de vida a toda e qualquer pessoa. Nesse ponto, a nvasão da Ucrânia elucidou como as soberanias europeias historicamente berço dos direitos humanos, tratam aqueles que consideram “inferiores” aos europeus e o quanto ainda precisam avançar para que de fato, os direitos humanos sejam praticados.
A pergunta que fica é, por que a nacionalidade define quem tem mais chances de viver e quem tem menos? A resposta para isso, pelo o que podemos analisar no comportamento europeu, é estritamente por motivos econômicos e geopolíticos e não humanitários.