Iniciativas pelo continente europeu tentam mudar a imagem negativa associada às migrações no contexto global
Por Natália de Oliveira Ramos
Em Madri (Espanha)
“Em 2009, uma holandesa de 14 anos queria velejar pelos oceanos. Mas a justiça a proibiu. Hoje chamamos isso de ‘imigrantes'”, dizia no último dia 10 de abril Georges Belinga, fundador da Koop SF 34, de Bilbao, no lançamento do ‘Hello Spain’, em Madri (Espanha).
A iniciativa da fundação Ashoka reúne relevantes organizações para identificar os obstáculos, os âmbitos de intervenção e soluções inovadoras para os movimentos migratórios.
A analogia com a história de Laura Dekker, que queria ser a pessoa mais jovem a circunavegar o mundo, corresponde ao risco de morte no mar enfrentado pelos mais de 1 milhão de imigrantes e refugiados que realizam a travessia pelo mar Mediterrâneo desde 2015.
Estas pessoas, ao contrário de Dekker que posteriormente entrou para o livro dos recordes, cruzam o oceano com outro objetivo: fugir de conflitos e perseguições políticas e religiosas, especialmente no Oriente Médio.
Aqueles que logram chegar em terra firme têm que encarar outro desafio: a xenofobia que encontrou terreno fértil na Europa nos últimos anos. Pesquisas apontaram que a população segue temerosa com a presença de imigrantes. Seja por receio de que o sistema econômico colapse ou por acreditar que se tratam de pessoas perigosas.
Para Lucila Rodriguez Alarcón, diretora da Fundação porCausa que trabalha com mais de 150 jornalistas especializados em migrações, o ‘caminho das pedras’ para mudar esta percepção negativa é compreender que os movimentos migratórios sempre existiram e, para isso, uma mudança de narrativa é fundamental.
“Se neste momento eu propusesse uma alternativa política que não restringisse a chegada de imigrantes geraria uma tensão e medo social. Não estamos mentalmente preparados para aceitar uma alteração de modelo. Por isso, o que deve mudar é a maneira com que nos referimos à imigração.”, disse Alarcón.
O apelo da diretora de porCausa abriu espaço para a reflexão sobre a frequência com que informações distorcidas ou falsas sobre imigrantes aparecem em discursos políticos. Especialmente contra a população africana, muçulmana e árabe que chega ao velho continente. Segundo ela, o reforçamento de mitos sobre a cultura e costumes dessas pessoas resulta em rechaço e isolamento social.
O evento mostrou ainda algumas iniciativas em curso que procuram colocar em prática essa mudança de olhar sobre as migrações:
Maldita Migração
Com o objetivo de monitorar o conteúdo sobre pessoas em movimento foi criado o ‘Maldita Migración’, uma das áreas do site Maldita.es – um meio sem fins lucrativos que acompanha notícias, discursos políticos e, principalmente, informações que circulam nas redes sociais. O público envia o material por WhatsApp e uma equipe de jornalistas especializada em verificação de dados analiaa a mensagem.
“Um terço das consultas que chegam até nós estão relacionadas com imigrantes, muçulmanos e refugiados”, informou Yuli Jara, coordenadora.
Talentos invisíveis
Camille Ramani, diretora da organização Migrants Venture (Upwardly Global) está rompendo os esteriótipos inserindo mais de 5 mil imigrantes e refugiados de 169 países em trabalhos qualificados e bem remunerados nos Estados Unidos, segundo ela. “É comum nas comunidades de imigrantes que pessoas com educação universitária terminem desempregados ou subempregados. Isso dificulta o processo de adaptação no novo país”, explicou Ramani. Para mudar esse quadro, sua empresa lança, assessora e investe em empresas que oferecem oportunidades.
Na pele de imigrante
A experiência do norte-americano David Lubell quando se mudou para a Espanha para aprender o idioma castelhano lhe serviu de inspiração para o projeto Welcoming USA (América Acolhedora, na tradução literal). A iniciativa ajuda “as comunidades a se adaptarem a chegada de novas pessoas.
Segundo Lubell, tornar comunidades en lugares inclusivos tem sido possível por meio de uma conexão entre entre organizações não governamentais (ONGs) e entidades de governos locais. Em seus 20 anos de existência, o projeto teve êxito em mais de 200 cidades nos Estados Unidos. Também certificou como ‘Welcoming’ Austrália, Alemanha, Nova Zelândia e Inglaterra, importantes destinos de imigrantes.
Todos os projetos apresentados estão em fase de expansão. Segundo a organização do ‘Hello Spain’, a iniciativa visa determinar as soluções de inovação social que melhor contribuem para enfrentar esses desafios. O objetivo é conectá-los a parceiros locais para que possam implementá-los na Espanha e estabelecer uma rede permanente de colaboração entre os setores.
Na avaliação de Pedro Calado, Alto Comisario para as Migrações de Portugal, a união de iniciativas que visam incluir todos os setores da sociedade serão a resposta para os problemas que os movimentos migratoris têm enfrentado. “Em todos os lugares existem comunidades inclusivas, pessoas que empatizam com os imigrantes. Somadas, estas ideias podem mostrar resultados gigantescos”, finalizou o diplomata.