Morar em uma região periférica e privada de determinados recursos e serviços sociais, e ao mesmo tempo ser parte periférica de uma sociedade. É sobre essa situação de “dupla periferia”, comum a muitos imigrantes, que trata o livro “Viajantes do tempo: imigrantes-refugiadas, saúde mental, cultura e racismo na cidade de São Paulo” (Editora CRV).
A obra é resultado da pesquisa etnográfica do antropólogo Alexandre Branco Pereira, de 2017 a 2019, no bairro de Guaianases, no extremo leste de São Paulo.
Reportagem da Folha de S.Paulo em 2016 já chamava a atenção para essa característica imigrante do bairro. Além de pessoas de diferentes regiões do Brasil, haitianos, nigerianos, bolivianos, paraguaios e até paquistaneses estavam entre os habitantes de Guaianases à época.
Saúde mental e tipos de refúgio
Um dos resultados da obra é discutir o fenômeno migratório a partir da saúde mental vivenciada por imigrantes que vivem no bairro.
O antropólogo, que atuou de maneira prática em um desses serviços durante a pesquisa, apresenta os conflitos suscitados a partir da consideração do conceito de cultura por psicólogos, psicanalistas e psiquiatras.
Outro destaque do livro são os conceitos de “refúgio negro” e “refúgio branco”, levantados por um refugiado congolês ouvido pelo pesquisador. A partir dessa observação, nota-se uma separação visível entre refugiados pela cor da pele, que se reflete tanto no sentimento de empatia das pessoas como no acesso destas a determinados serviços de saúde.
Esse conceito foi descrito pelo autor também em texto publicado pelo portal Le Monde Diplomatique em novembro de 2019.
Efeitos do coronavírus
Lançada às vésperas da explosão da pandemia de coronavírus, a pesquisa do antropólogo ganha novo peso diante desse fator, que afeta também imigrantes.
“A pressão da crise causada pela pandemia sobre esse grupo é massacrante, pois os impossibilita de trabalhar, causa demissões, além de tornar mais difícil o envio e o recebimento de remessas de parentes fora do país”, exemplifica.
Ainda segundo o pesquisador, mesmo soluções tecnológicas criadas para driblar as limitações impostas pela pandemia, como o atendimento online, também são afetadas por essas diferenças sociais que recaem sobre os imigrantes.
“Mesmo algumas medidas destinadas a facilitar o acesso ao atendimento de saúde mental são ineficientes nesses casos, pois a maior parte dessas pessoas não tem conexão de internet em casa, e dependem de planos 3G ou pontos de acesso públicos”, completa.
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