Por Natália Magalhães
Em 2023, mais de 1.500 brasileiras residentes no exterior buscaram apoio nos consulados do Brasil para registrar casos de violência de gênero ou doméstica. O país que mais registrou casos foi a Itália, com 350 ocorrências, seguido pelos Estados Unidos (240), Reino Unido (188) e Portugal (127).
Esses dados são parte de um estudo realizado a partir de uma parceria entre o Observatório da Mulher do Senado e o Ministério das Relações Exteriores, integrando informações do Mapa Nacional da Violência de Gênero. Ele foi debatido recentemente durante audiência da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher, no Congresso Nacional.
A pesquisa revelou, também, 808 casos de disputa de guarda e 96 de subtração internacional de menores, destacando a gravidade das violências cometidas contra as brasileiras no exterior.
Durante a audiência no Congresso, a coordenadora do Observatório da Mulher, Maria Teresa Prado, apontou que a falta de registros em diversas repartições consulares pode subestimar os dados, já que cerca de metade dos consulados não reportaram ocorrências no ano passado. No entanto, isso não significa que a violência não aconteça, mas sim que as vítimas não tiveram acesso aos canais para formalizar as denúncias.
Desafios enfrentados pelas brasileiras no exterior
A violência vicária, caracterizada pelo uso dos filhos para agredir a mulher, é uma preocupação crescente. A especialista Daniela Grelin, do Instituto Natura, destacou na audiência que a violência contra as mulheres no exterior é agravada por fatores como o isolamento, a dependência financeira, o status migratório irregular e o desconhecimento dos sistemas legais locais, o que dificulta o acesso à justiça e à proteção.
A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) chamou atenção para a discriminação enfrentada pelas brasileiras ao buscar ajuda das autoridades estrangeiras. Muitas vezes, as mulheres são acusadas de sequestrar seus filhos e, após tentativas de fuga, acabam sendo tratadas como criminosas ao retornarem ao Brasil.
“No momento de denunciar a violência que elas sofrem, sem acolhimento e tampouco medidas protetivas em outros países, depois de muito sofrimento, elas optam por fugir”, destacou a senadora. “E em vez de encontrarem amparo ao voltar ao Brasil, elas passam a ser consideradas criminosas, enfrentando processos judiciais extremamente violentos, nos quais são revitimizadas e ainda sofrem com busca, apreensão e repatriação dos seus filhos”, acrescentou.
Também integrante da Comissão Mista sobre migrações no Congresso, Gabrilli defendeu a aprovação pelo Senado do Projeto de Lei 565/22, que visa garantir o retorno imediato das crianças em casos de violência doméstica. A proposta, que já passou pela Câmara, prevê que, quando houver um conjunto probatório mínimo indicando situações de violência no país de residência habitual, o magistrado possa qualificar a situação como intolerável e aplicar o artigo 13 da Convenção de Haia, tratado internacional que visa simplificar o processo de autenticação de documentos a serem usados no exterior.
A luta contra a violência no exterior
A embaixadora Márcia Loureiro, do Ministério das Relações Exteriores, informou que, em 2023, foram realizadas 223 repatriações individuais. Além disso, ressaltou que a rede consular brasileira oferece apoio psicológico e jurídico às vítimas de violência, com atenção especial a grupos mais vulneráveis a violações de direitos, como mulheres, menores de idade, pessoas com deficiência, indivíduos LGBTQIA+ e aqueles que enfrentam discriminação racial.
Segundo ela, o Itamaraty tem priorizado a capacitação de agentes consulares para tratar de casos de violência de forma humanizada. Como parte dessas ações, foi criada uma cartilha com orientações sobre prevenção de violência contra mulheres brasileiras no exterior e sobre subtração internacional de crianças, elaborada em colaboração com o Ministério das Mulheres e outras entidades.
A assistente jurídica Aline Guida, da Rede Revibra, destacou a falta de legislação protetiva na Europa, principalmente contra a violência psicológica, financeira e administrativa. Na audiência, a brasileira Judith Moura de Oliveira, residente na Itália, compartilhou sua experiência pessoal, relatando 19 anos de violência, incluindo tentativas de assassinato, mas ressaltando a dificuldade das mulheres estrangeiras em denunciar devido ao medo das leis locais e da interpretação equivocada de suas ações.
O aumento do número de denúncias e o debate sobre a aplicação de políticas públicas eficazes para proteger mulheres brasileiras no exterior são passos importantes, mas ainda há muito a ser feito para garantir a segurança e o amparo legal para todas as vítimas de violência. O cenário exige maior colaboração entre os países, em especial no que diz respeito à aplicação de tratados internacionais, como a Convenção de Haia, para garantir que os direitos das mulheres e crianças sejam protegidos em todas as situações.
Como se proteger e buscar apoio
Viver no exterior pode ser desafiador, especialmente quando se enfrenta uma situação de violência doméstica. Quando o agressor é estrangeiro, as mulheres podem ser ameaçadas com a possibilidade de denúncia às autoridades migratórias, deportação ou até mesmo a perda de acesso aos filhos. Esse tipo de chantagem é comum, mas é importante saber que essas ameaças não são verdadeiras.
Independentemente da situação migratória, brasileiras que vivenciam violência doméstica têm o direito de buscar apoio no consulado ou na embaixada do Brasil. Esses serviços consulares não denunciam a mulher às autoridades migratórias. O papel do consulado é oferecer proteção e orientação, além de encaminhar o caso às autoridades locais, conforme os protocolos de atendimento. Em muitos consulados, mulheres em situação de violência podem contar com orientação jurídica e apoio psicológico.
Os consulados podem ajudar a mulher em diversas situações, como fornecer orientação sobre como apresentar uma queixa à polícia, entrar em contato com organizações de apoio, ou até mesmo facilitar serviços administrativos, como a emissão de documentos ou renovação de passaportes.
Cada consulado do Brasil tem um protocolo específico para lidar com casos de violência doméstica. Se você estiver em uma situação de violência, procure o consulado ou a embaixada mais próxima para orientações sobre os próximos passos. O apoio será fornecido de forma confidencial, com foco na segurança da mulher.
Telefones e Links Úteis
– Central de Atendimento à Mulher (também disponível para brasileiras no exterior):
LIGUE 180, ou entre em contato via WhatsApp, com o número: + 55 (61) 9610-0180
– Se você está no exterior:
Acesse para obter os contatos da repartição consular mais próxima: www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/ reparticoes-consulares-do-brasil
– Se você está no Brasil e precisa de apoio no exterior:
Plantão Consular do Itamaraty: +55 (61) 9 8260-0610
Com informações da Agência Câmara e do Ministério das Relações Exteriores
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