Lançado pela ONG Medici Per Diritto Umani, o mapa leva o nome de “Êxodo” (Esodi, em italiano), em citação ao livro da Bíblia
Por Victória Brotto
Da Calábria (na Itália)
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Um jovem de 26 anos foge de sua pequena cidade natal no interior da Eritreia. Com pavor de servir um exército ligado a maus-tratos ou de ser preso por sua religião, o jovem decide ir até o porto de Mersa Gulbud, no litoral, para pegar um barco até a cidade de Suakin, no Sudão. Ele escolheu a rota pelo mar porque, por terra, a travessia é muito mais perigosa, podendo ser capturado por milícias, vendido como escravo ou expatriado por autoridades sudanesas.
Do Sudão, o jovem tentará ir até o Egito e de lá pegar um barco para Pozzallo, na Itália. Ao final, se ele conseguir manter-se vivo ao longo dos 20 meses que durará a sua migração, não for capturado, expatriado e tiver mais de 2.800 euros para pagar os coiotes, talvez ele consiga chegar à Itália. Mas se no barco o jovem sentar do lado errado ou se os coiotes não tiverem previsto bem as condições do clima – o que normalmente não fazem – e o barco naufragar, as chances do jovem diminuirão.
Este migrante representa um terço da população – ou 400 pessoas todo mês – que foge da Eritreia por perseguição política, estupro ou trabalho forçado, segundo o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR). Os migrantes eritreus, depois de sírios e afegãos, representam, segundo a Anistia Internacional, a maioria dos 790 mil migrantes que já tomaram as mais diversas rotas no Norte de África para chegar à Itália via Mar Mediterrâneo nos últimos 15 anos. Essas rotas nunca foram traçadas num mapa; até domingo passado (28) quando a história dos caminhos de cerca de mil desses migrantes viraram mapa nas mãos da ONG italiana Medici Per Diritto Umani, a MEDU, (Médicos pelos Direitos Humanos, em português).
O mapa está disponível online nas versões em inglês e em italiano. Para acessá-lo, clique aqui.
A ONG, então, depois de ouvi-los por três anos (2014-2017) na Itália (Sicília, Roma e Ventimiglia) e Egito, colocou os migrantes do Norte da África no mapa, traçando suas diferentes rotas, atalhos e histórias. O mapa, o primeiro do mundo a falar sobre os caminhos dos migrantes da região africana Subsaariana, leva o nome de “Êxodo” (Esodi, em italiano), em citação ao livro da Bíblia, que conta a história da migração de 40 anos do povo hebreu no deserto até chegar à terra prometida por Deus. “Durante a sua jornada pelo Norte da África, você não é mais considerado um ser humano”, diz um dos migrantes à ONG.
De acordo com os idealizadores do projeto, o mapa interativo foi criado para aqueles que querem “aprofundar o entendimento” sobre o assunto. “O mapa interativo foi criado para que as pessoas conheçam, de uma forma mais profunda, a experiência desses seres humanos que estão marcando nossa era com suas histórias”, diz a ONG.
O mapa
O mapa detalha o caminho percorrido pelos migrantes do Norte da África até a Itália. Com o depoimento de 870 homens e 130 mulheres com média de idade de 26 anos, oito rotas são traçadas para que as pessoas conheçam “as dificuldades, a violência, a tragédia e as esperanças encontradas por seus protagonistas durante a viagem”, diz a ONG.
As rotas vão desde o extremo oeste até o Chifre da África. Setas vermelhas ligam os principais pontos de fuga, que são representados no mapa como pontos vermelhos. Ao passar o mouse sobre ele, o visitante pode ver o nome da cidade e o que ela é, se é uma “cidade de passagem”, um “ponto de embarque via mar”, uma prisão ou um campo de refugiados. Em cada um desses pontos vermelhos, é possível ler testemunhos dos migrantes que passaram, viveram ou ficaram presos por lá, ver números, estatísticas, informações sobre o país e até saber quanto de dinheiro o migrante precisará para viajar com os coiotes até a próxima cidade mais próxima do Mar Mediterrâneo.
É o caso de Cartum, capital do Sudão. Ela é a principal cidade para migrantes do Chifre da África que queiram chegar até a Europa. Por ela, passam milhares de migrantes como o eritreu descrito pela reportagem, que terão de pagar entre 600 e 1000 dólares por uma viagem até a Líbia – e de lá, para a Itália.
“Eu cruzei a fronteira da Eritreia com o Sudão me arrastando pelas moitas”, conta B.O, migrante de 40 anos da Eritreia em um dos tantos relatos colhidos pela ONG e disponibilizados no mapa. B.O não tinha dinheiro o suficiente para fazer a viagem até a Líbia, mas acertou com os coiotes que trabalharia de graça na Líbia, uma vez lá, até conseguir pagar a travessia.
“Fiquei dois meses preso em Ishlavia, trabalhava no deserto e eles me davam apenas uma porção de arroz e pedaços de abacaxi por dia para comer (…) Eles me pediam 1000 dólares, mas eu não tinha”, conta ele, que pegou emprestado 300 dinares líbios (moeda local) e pagou outros coiotes para levá-lo até a costa, escondido. “Vieram à noite e pegaram 90 de nós. Viajamos 12 horas numa picape até Trípoli (capital da Líbia), lá fiquei com mais 400 pessoas numa sala sem água nem comida por seis dias, até que nos obrigaram a entrar num barco no meio do mar”.
Histórias como a de B.O são o foco da iniciativa, conta a ONG. “Êxodo não é apenas um mapa mostrando data e estatísticas, mas, acima de tudo, é uma testemunha que conta histórias de vida”, dizem os idealizadores logo na apresentação. E o mapa não está encerrado, ele será ampliado com mais histórias. “É um mapa online e interativo que será periodicamente atualizado com novos testemunhos de quem compartilhar conosco a história de sua viagem”.
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