Por Rodrigo Veronezi
Atualizado às 12h15 de 8.mar.2021
De forma espontânea, os migrantes que estão na ponte que liga o Brasil ao Peru devem deixar a via nesta semana, provavelmente já na próxima terça-feira. O final do protesto, que ocorre pelo menos desde o dia 14 de fevereiro, foi informado ao MigraMundo por uma fonte que está acompanhando a situação na fronteira, no estado do Acre.
De acordo com as pessoas ouvidas pelo MigraMundo, há duas certezas em relação ao impasse: o governo peruano não vai abrir a fronteira e a ponte será desocupada.
A tendência se reforça, uma vez que a Justiça deferiu nesta segunda-feira (8) o pedido de reintegração de posse da ponte, feito pelo governo federal. A solicitação foi feita no último dia 26 de fevereiro.
A Justiça, no entanto, cobrou da União quais providêncis haviam sido tomadas até então quanto à assistência ao grupo. E também a definição de um plano de ação humanitário — antes, durante e após eventual desocupação da ponte.
Uma resposta humanitária efetiva para a questão também é cobrada por instituições como a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF), que se posicionam contra a reintegração de posse sem tais garantias.
Na decisão desta segunda, o juiz Herley da Luz Brasil, da 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC, deferiu o pedido da União. Ele considerou que o poder público, tanto local quanto federal, tem demonstrado boa vontade com os migrantes que estão em Assis Brasil. E que a abertura da fronteira é uma questão de soberania do governo peruano, que se coloca irredutível quanto ao assunto.
Em torno de 60 pessoas ainda ocupam a ponte. Parte delas se reveza com outras que ficam em alojamentos improvisados pela Prefeitura de Assis Brasil em escolas públicas.
Ao mesmo tempo, nota-se uma dimunição no fluxo de migrantes em Assis Brasil, que fica no lado brasileiro da fronteira: embora ainda cheguem pessoas à cidade com a esperaça de cruzar para o lado peruano, parte delas já faz o caminho inverso, deixando o Acre.
Diálogo para solução pacífica
Nos últimos dias, representantes do poder público e da sociedade civil, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), DPU e Ministério da Cidadania, realizaram uma série de reuniões e visitas de campo para conhecer a real condição dos migrantes em Assis Brasil. Tais missões visam preparar o ambiente para uma solução pacífica e humanitária na região.
“[Os migrantes] Não passarão e terão de sair de lá. Temos de monitorar a situação pra garantir que não haja truculência. Tem que ter um olhar humanitário sobre essas pessoas”, aponta Virginia Berriel, uma das representantes da CNDH que esteve no Acre.
A insatisfação de caminhoneiros dos dois lados da fronteira com o fechamento da ponte, além da autorização do governo federal para uso da Força Nacional de Segurança Pública deixaram no ar um clima mais pesado. Virginia, no entanto, pondera que a cidade de Assis Brasil, apesar da pouca estrutura e da situação adversa vivida pela região, não adota uma postura de repulsa em relação aos migrantes.
Segundo pessoas que estão atuando na região de fronteira e que falaram extraoficialmente ao MigraMundo, o compromisso da União é trabalhar junto com a Prefeitura de Assis Brasil para ajudar em eventuais retornos, com compra de passagem de onibus e insumos em geral.
Conscientização
Além de garantir que a questão na fronteira tenha o melhor desfecho possível, há também uma preocupação das partes com um cenário pós-desocupação. Isso porque o Acre é um local de passagem de migrantes que visam entrar ou sair do Brasil — independete da situação de pandemia.
“Fizemos uma reunião muito positiva com a sociedade civil, em que foram apresentadas as principais demandas de assistência social do município. Tivemos um diálogo produtivo de buscar alternativas e ficou muito evidente a necessidade de investimento de longo prazo na região de Assis Brasil”, apontou João Chaves, coordenador do Grupo de Trabalho Migrações, Apatridia e Refúgio da DPU.
Com as informações colhida ao longo da semana, o CNDH deve se reunir e apresentar recomendações ao governo federal para lidar com a questão na fronteira — com ou sem desocupação. Uma delas é a criação de uma campanha de conscientização sobre os riscos que uma saída do Brasil representa no atual momento.
“Tem que ter uma campanha informativa grande. Se não tivermos essa iniciativa, esse processo vai continuar. Temos que trabalhar com prevenção, explicando. As pessoas têm como ter acesso à informação”, pontua Berriel.
A DPU também tem feito ações que visam expor aos migrantes os riscos de tentar viajar pelo continente em meio à Covid-19. A viagem, que já é penosa e incerta em condições normais, ganha ares “de loteria” em um conteto de pandemia.
Mesmo assim, Berriel pondera que esse sentimento de “passar para o outro lado” ainda é forte em parte dos migrantes.
“A perspectiva e a esperança deles é de uma esperança, uma vida melhor no Canadá ou EUA. Alguns deles não têm mais nada, venderam tudo. É preciso ter uma preocupaçaõ do governo brasileiro”.
Embora o pensamento primário continue a ser o de passar para o outro lado da fronteira, parte do grupo já reavalia a estada no Acre e tenta, dentro do possível, outras alternativas.
Delas, duas se destacam, de acordo com pessoas ouvidas pelo MigraMundo: retornar para as cidades onde viviam antes da tentativa de cruzar a fronteira; e tentar a saída do Brasil por meio de outra região.
Ponto de passagem
O Acre ficou conhecido na última década como ponto de entrada no Brasil da migração haitiana, especialmente entre 2010 e 2015. Nos anos seguintes, o estado se consolidou como um local de passagem de imigrantes: tanto são verificados aqueles que deixam o Brasil para outros países quanto outros que fazem o caminho inverso, de ingressar no território brasileiro.
Em meados de 2020, ganhou destaque a situação vivida por imigrantes, em sua maioria venezuelanos, que acamparam sob chuva e sol na ponte que liga Peru e Brasil, na esperança de solicitar refúgio em território brasileiro.
A situação na fronteira mobilizou entidades da sociedade civil e a Defensoria Pública da União, que protocolaram ações junto à Justiça brasileira em favor dos imigrantes. Um tipo de ação que não é possível no atual contexto, uma vez que o desejo do grupo em Assis Brasil é de ingressar no Peru para seguir viagem pelo continente.
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