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quinta-feira, novembro 21, 2024

Migrantes se revoltam com morte na área restrita do aeroporto de Guarulhos e cobram providências

DPU faz recomendações para enfrentar o que classificou como "violação sistemática de direitos humanos" no maior terminal aeroviário do país, reforçada pela morte do migrante ganês após passar mal no local

A confirmação da morte de um migrante natural de Gana depois de ter ficado retido na área restrita do Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) gerou revolta na comunidade migrante no Brasil, verbalizada por lideranças que também cobram providências dos agentes públicos e privados envolvidos com a questão.

Segundo informações fornecidas à Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), do Ministério da Justiça, um cidadão ganês (cujo nome não será citado, por respeito à vítima) chegou ao Brasil no último dia 8 de agosto e estava retido na área restrita quando se sentiu mal, já no dia 11. Ele foi transferido ao Hospital Geral de Guarulhos, mas veio a falecer no último dia 13. A pasta, no entanto, disse ter sido notificada do óbito somente na última sexta-feira (16).

Nos últimos meses, tem sido recorrentes os episódios de grupos significativos de migrantes retidos no local sem a documentação necessária para ingresso no Brasil. Essa permanência ocorre muitas vezes sob condições precárias de higiene, acomodação e alimentação. Autoridades reconhecem o problema e que ele expõe limitações estruturais a serem enfrentadas por todos os entes envolvidos, direta ou indiretamente.

Na manhã desta quarta-feira (19), conforme dados fornecidos pela Polícia Federal, 481 pessoas se encontravam na área de inadmitidos do aeroporto de Guarulhos. Esse número chega a ultrapassar os 500 retidos em alguns momentos, segundo organismos que acompanham o assunto.

“A Polícia Federal informa que desde o mês de julho vem sendo observado um incremento no fluxo de viajantes que chegam em trânsito internacional mas deixam de seguir viagem, optam por não regressar ao país de origem, não podendo ingressar no Brasil por falta de visto. Dessa feita, em sua grande maioria, terminam por solicitar refúgio visando entrar no Brasil ainda que sem a documentação pertinente”, disse a entidade, em nota enviada ao MigraMundo.

Indignação e cobranças

Lideranças migrantes ouvidas pelo MigraMundo expressaram revolta com a morte do cidadão ganês. Elas também exigiram providências do governo brasileiro e atores privados envolvidos para a questão do aeroporto de Guarulhos.

“Estou sem palavras, indignada, chocada. Só me pergunto: até quando isso?”, desabafou a ativista congolesa Prudence Kalambay.

“A morte do migrante ganense em Guarulhos é um reflexo cruel do silêncio e da inação do governo brasileiro, que negligencia a urgência de decisões sobre a situação dos migrantes em Guarulhos”, salientou o sanitarista haitiano James Berson Lalane, Secretario Executivo da Frente Nacional de Saúde dos Migrantes (FENAMI).

“A vida humana é preciosa e deve ser tratada com o máximo de cuidado e respeito, independentemente da nacionalidade, origem étnica ou status migratório de uma pessoa. Este é um princípio fundamental que deve orientar todas as nossas ações e políticas. Vidas de Pessoas Migrantes e Refugiadas Importam, Somos Seres Humanos”, acrescenta a jornalista warao e venezuelana Yoli Lyon.

O também indígena venezuelano Omar Perez, da etnia Taurepang, reforçou: “Condenamos e repudiamos, é inadmissível o comportamento dos governos. As políticas públicas quanto a migração tem de ser alinhadas”.

O afegão Shabir Ahmad Niazi, diretor da Organização de Resgate de Refugiados do Afeganistão (ARRO), já passou por essa área restrita em sua chegada ao Brasil. Ele também cobrou do governo brasileiro que este cumpra com os compromissos assumidos no contexto interno e externo sobre direitos humanos.

“Já passei por essa situação antes e sei dos problemas que eles estão enfrentando. Esses imigrantes estão vivendo lá em uma situação difícil, com muitos problemas e recebem pouca ajuda. Eles não têm acesso a banho e serviços de saúde. Estão em uma situação difícil onde não sabem qual é o seu futuro e por quanto tempo estarão lá. O governo brasileiro deve prestar muita atenção ao futuro dos imigrantes e ao destino desses que se refugiaram no Brasil e tomar medidas imediatas”.

O CMI (Conselho Municipal de Migrantes de São Paulo) também enviou ao MigraMundo uma nota na qual manifesta condolências aos familiares do migrante ganês e reforçou que a retenção de pessoas em áreas restritas de aeroportos é uma violação de direitos para com a população migrante.

“Este trágico acontecimento reflete a vulnerabilidade que muitos de nós enfrentamos ao buscar uma vida digna em um novo país. É fundamental que as autoridades competentes investiguem com transparência as circunstâncias que levaram a esta perda e garantam que a dignidade e os direitos dos migrantes sejam respeitados.  Reivindicamos ao governo brasileiro alternativas possíveis e dignas que reforcem as medidas de proteção aos migrantes e que continuem promovendo políticas que assegurem nossa integração e segurança no país. Acreditamos na importância do diálogo e da cooperação para prevenir que tragédias como esta se repitam”, diz trecho da nota.

Outras entidades, como o Fomigra (Fórum Nacional de Lideranças Migrantes, Refugiadas e Apátridas), também informaram ao MigraMundo que estão preparando manifestações conjuntas e outras providências sobre o caso.

Recomendações da DPU

Em resposta à situação degradante no aeroporto de Guarulhos, a Defensoria Pública da União (DPU) listou uma série de recomendações dirigidas tanto a autoridades públicas quanto privadas para lidar com a questão dos migrantes retidos na área restrita do aeroporto internacional. O documento foi encaminhado na última sexta-feira (16) para a Polícia Federal, Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), governo de São Paulo e Prefeitura de Guarulhos.

Entre as recomendações, a DPU propôs a adoção de um procedimento chamado admissão excepcional ou entrada condicional, que permitiria que a pessoa fosse admitida no território nacional após ser identificada e, dentro de um prazo de oito dias, completasse a solicitação de refúgio.

Tal medida, baseada na Lei de Migração e reforçada durante a audiência pública do Senado na última quarta-feira (14), visa desafogar a zona restrita do aeroporto e agilizar o controle migratório, evitando que o preenchimento completo do formulário seja um pré-requisito imediato.

“Atualmente, não há estrutura adequada para prestar assistência durante o período de espera, como alimentação regular, proteção contra o frio e hospedagem. É fato que tem havido apoio em casos específicos para mulheres, crianças e idosos, mas a Defensoria alerta que é necessário aumentar as capacidades de processamento para que seja reduzido o tempo de espera no local”, disse a DPU, em comunicado oficial.

A DPU ainda fez uma crítica expressa a uma orientação encontrada na área restrita, a do não fornecimento de apoio material aos retidos, conforme expressa por comunicado afixado no local e documentado pela Defensoria

“As imagens são representativas de um tratamento inadequado com os migrantes, contrariando a legislação nacional e o dever de tratamento humanitário aos migrantes e potenciais requerentes de refúgio”, diz trecho do documento.

Informativo encontrado pela DPU na área restrita do aeroporto de Guarulhos que atenta contra a dignidade de pessoas retidas no local. (Foto: Divulgação/DPU)

Também durante a audiência da semana passada, o defensor público federal Ed William Fuloni Carvalho pontuou que o grande problema não é de legislação, mas sim de estruturação. “O Aeroporto de Guarulhos é palco de reiteradas violações de direitos humanos. O Brasil tem uma legislação de vanguarda sobre refúgio e migração. Não é um problema de legislação, mas sim de estruturação. A solução adequada é a estruturação do país enquanto Estado pra receber as pessoas e seus pedidos de refúgio. Isso passa por acesso à informação”.

A recomendação da DPU também cobra providência por parte das companhias aéreas e lembra que estas, “
parte das empresas transportadoras, que “por força de lei estão obrigadas ao custeio de despesas de
alimentação, hospedagem e vestuário, além de higiene e manutenção, das pessoas que estão em processo
de admissão ao território, mas ainda não admitidas e internalizadas no país”.

O que dizem os atores envolvidos

Em nota enviada ao MigraMundo, o Ministério da Justiça informou, por meio da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), que está estudando medidas estruturantes para esta questão, como discutido na audiência pública realizada na semana passada na Comissão Mista de Migrações Internacionais e Refúgio do Congresso Nacional.

A respeito do migrante ganês, a pasta informou que solicitou auxílio do Itamaraty para entrar em contato com as repartições consulares do país de origem na tentativa de localizar familiares.

Em nota, a Prefeitura de Guarulhos disse que o Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante, equipamento municipal instalado no aeroporto, não foi notificado oficialmente sobre a situação, uma vez que essas pessoas estão na área de inadmitidos, de responsabilidade da Polícia Federal.

A Polícia Federal disse que vem buscando otimizar processos e atuar em parceria com outras instituições visando maior celeridade e observância dos direitos humanos dos viajantes.

O governo de São Paulo, por sua vez, afirmou que acompanha a questão dos refugiados no aeroporto de Guarulhos, que a pasta não foi demandada em relação a oferta de abrigo e está à disposição da Agência da ONU para Refugiados.

O Ministério Público Federal informou quea situação ficou estabilizada durante o fim de semana, sem aumento substancial de estrangeiros na área de imigração do aeroporto”. E que uma reunião foi convocada pelo MPF para quarta-feira (21), às 14h30, com órgãos, instituições e entidades que atuam nessa questão para tratar de medidas emergenciais necessárias. O encontro será fechado e realizado pela internet.

Procurada pelo MigraMundo, a GRU Airport (concessionária que administra o aeroporto de Guarulhos) não se manifestou até a publicação deste texto.

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