Por Jennifer Anyuli Pacheco Alvarez
O dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha foi resultado de uma ação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas e do encontro realizado em 25/07/1992, data reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como marco para a luta destas mulheres. No Brasil[1], é também o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em homenagem e rememoração da história de luta do povo negro e de suas mulheres contra a escravidão.
Quando tratamos do panorama das Américas para essas mulheres, necessariamente estamos nos dirigindo a um conjunto de marcadores sociais que as atravessam. Segundo dados da Associação de Mujeres Afro, são mais de 200 milhões de pessoas afrodescendentes na América Latina e Caribe. No Brasil, segundo o IBGE, 54% da população se declara negra ou parda. A desigualdade socioeconômica que marca as diversas realidades deste continente se soma ao desafio de ser mulher, indígena, negra, afro-indígena, etc. Diante de uma história de escravidão dos povos afrodescendentes, afro-indígenas e indígenas. Assim, a data de hoje é também um lembrete para que a sociedade possa refletir sobre as “lutas antirracistas”[2].
Em 2016, a organização da Marcha da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha da cidade[3], pode aproximar a sua base de lutas à das mulheres migrantes, como uma iniciativa das mulheres brasileiras que compõem essa rede. Como participante desse processo, posso afirmar que nas reuniões de organização da marcha, para além de terem sido encontros empoderadores, foi possível verificar a necessidade de refletir sobre os diversos saberes e noções raciais, já que as mulheres migrantes também vivenciaram seus corpos e cor de pele em outros contextos raciais fora do Brasil. Este encontro promoveu uma aproximação entre mundos e universos raciais, expandindo consciências e afirmando a necessidade de integração entre os movimentos sociais na luta antirracista. Isto, porque, quando a questão são as pessoas e sua composição sociocultural e racial, precisamos entender que não é uma questão homogênea, ainda mais se tratando de um país formado por fluxos migratórios tão diversos como o Brasil, e não se resumindo ao entendimento das migrações históricas como somente europeias.
No Brasil, quando o assunto é a mobilidade humana após início dos anos 2000 precisamos atentar nosso olhar para a feminização e racialização das migrações. Em São Paulo, as migrações latino-americanas (Bolívia), caribenhas (Haiti) e africanas (República Democrática do Congo, Angola, etc.) constituem parte crucial da história e perfil das migrações nas duas últimas décadas[4]. Estes recortes integrados, pouco explorados em termos mais amplos na agenda pública, são de vital importância para que a articulação em âmbito social e a atenção dada nas políticas públicas voltadas para migrantes sejam analisadas, e propostas soluções que atendam às necessidades materiais, econômicas, sociais, raciais e culturais das mulheres migrantes.
Participante da Marcha da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha da cidade, e criada em 2014, a Frente de Mulheres Migrantes e Refugiadas tem liderado um importante processo de empoderamento, criação de redes e visibilidade da vida destas mulheres[5]. A história das mulheres migrantes e sua luta por uma agenda pública consolidada e a visibilidade da pauta nas políticas públicas foi registrada na publicação “Mulheres Imigrantes e Refugiadas e a Luta por Políticas Públicas na Cidade de São Paulo”[6]. Além disso, especialmente, é importante destacar que as coletivas que conformam essa Frente tratam da cultura como marca importante e essencial na vida dessas mulheres, já que nela estão nossas narrativas, histórias de luta e transgressão da violência sofrida por nós[7][8].
Sobre temas raciais, de gênero e migração, ao falar da pandemia e da atuação do Governo Federal, chamo a atenção aos diversos ataques que as políticas públicas para mulheres, povos indígenas e população negra tem sofrido. Nesse cenário, podemos citar a falta de repasses, a desidratação dos órgãos pertinentes e a extinção de órgãos colegiados que permitem o necessário diálogo com a sociedade. Além disso, temos um Ministério da Saúde em que se insiste na falta do ministro para liderar e realizar o necessário neste momento: salvar vidas. E, quando tratamos da migração, assistimos ao fechamento de fronteiras, a falta de inclusão de migrantes nas políticas públicas emergenciais e a discriminação tomando a realidade desta população.
Segundo o relatório da ONU Mulheres para a América Latina e Caribe[9], de 2017, é preciso esforços estruturais para que a realidade de marginalização destas mulheres e a busca por um equilíbrio socioeconómico possa mudar. Nesse estudo são tratadas as seguintes áreas: “Reconhecer, reduzir e redistribuir o trabalho doméstico e de cuidados não remunerados; Avanço na construção de sistemas universais de proteção social com foco em gênero; Criar mais e melhores empregos e transformar o trabalho em favor dos direitos da mulher; Promover relações familiares iguais que reconheçam a diversidade de famílias da região e os direitos e deveres das partes; Criar condições para o gozo efetivo dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres; Conter os efeitos adversos da desaceleração econômica na igualdade de gênero” (tradução da autora deste texto).
Além disso, a ONU[10] também apontou recentemente para a necessidade de zelar pelas populações de migrantes em todo o mundo, já que sem documentos e excluídos das políticas públicas, estas pessoas estariam mais expostas ao vírus e inúmeras violações de direitos humanos.
São Paulo tem uma política pública municipal para migrantes, criada em 2013 e instituída normativamente em 2016[11]. Nesta construção, a participação de mulheres é algo inevitável e crucial de mencionar. É através da força, empenho, entrega e dedicação de tantas mulheres migrantes que nós temos conseguido escrever uma história diferente para esta cidade. Os monumentos e homenagens hoje carregam um percurso bastante crítico, já nos demonstra a luta do movimento americano e o “Black Lives Matter”. Dar luz e reconhecer esta atuação é a parte mínima que podemos fazer como sociedade para que nossa história seja contada a partir de suas heroínas.
Assim, neste artigo, você poderá contar com a referência de leituras em que mulheres migrantes latino-americanas e outras mulheres brasileiras (também latino-americanas) puderam registrar a trajetória das mulheres migrantes que lutam e constituem uma nova realidade a partir de seus corpos, origens, cores, diversidade, saberes e ações no mundo. Neste Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, deixo minha homenagem às mulheres migrantes latino-americanas e caribenhas, para que possamos relembrar a nossa luta por um mundo que respeite, reconheça e valorize nossas raízes, nossas cores, nossa diversidade e zele pela visibilidade de nossas vozes e garantia de nossos direitos e uma cidadania universal[12].
Sobre a autora
Mulher, marrom e migrante colombo-peruana, Jennifer Anyuli Pacheco Alvarez é Bacharel em ciências sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e mestre pelo Programa de Pós-graduação Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (USP). Ex-coordenadora de Políticas para Imigrantes e Promoção do Trabalho Decente (CPMigTD) da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) da Prefeitura de São Paulo. Atualmente membra da ONG Presença da América Latina (PAL). Atua como consultora e especialista em políticas públicas voltadas à migração e trabalho decente.
[1] 25 de julho – Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha: http://www.palmares.gov.br/?p=54714
[2] ONU lembra lutas antirracistas e feministas no Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha: https://nacoesunidas.org/onu-lembra-lutas-antirracistas-e-feministas-no-dia-da-mulher-negra-latino-americana-e-caribenha/amp/
[3] Contra racismo e machismo, mulheres negras vão às ruas em São Paulo: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/07/contra-o-racismo-e-o-machismo-mulheres-negras-vao-as-ruas-hoje-em-sp-2240/
[4] ANAIS DO SEMINÁRIO “MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS, REFÚGIOS E POLÍTICAS”: https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/anais/migracoesInternacionais.php
[5] ENTRE TRAJETÓRIAS E MEMÓRIAS: MULHERES MIGRANTES E A LUTA POR DIREITOS NA COLEÇÃO DE HISTÓRIA ORAL DO MUSEU DA IMIGRAÇÃO DE SÃO PAULO: http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499437682_ARQUIVO_artigo_TatianaCW.pdf
[6] Mulheres Imigrantes e Refugiadas e a Luta por Políticas Públicas na Cidade de São Paulo: https://www.modefica.com.br/arquivos/cartilhas/cartilha-mulheres-imigrantes-refugiadas-luta-por-politicas-publicas-sp.pdf
[7] Grupo Lakitas Sinchi Warmis Mulheres imigrantes, configurações identitárias e políticas mediante a interpretação da Zamponha Andina: http://celacc.eca.usp.br/sites/default/files/media/tcc/grupo_lakitas_sinchi_warmis_-_final.pdf
[8] Imigrante latina – Tu eres parte, no te quedes aparte!http://www.palbrasil.com.br/category/livros-e-revistas/
[9] El Progreso de las Mujeres en América Latina y el Caribe 2017: https://lac.unwomen.org/es/digiteca/publicaciones/2016/12/el-progreso-de-las-mujeres-america-latina-y-el-caribe-2017
[10] OHCHR, OIM, ACNUR e OMS – Comunicado de imprensa conjunto: https://nacoesunidas.org/direitos-e-saude-de-refugiados-e-migrantes-devem-ser-protegidos-em-meio-a-pandemia/
[11] Políticas migratórias em nível local Análise sobre a institucionalização da política municipal para a população imigrante de São Paulo: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/44491/4/S1900310_pt.pdf
[12] Por uma cidadania universal: imigrantes e refugiados em tempos de pandemia: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/por-uma-cidadania-universal-imigrantes-e-refugiados-em-tempos-de-pandemia/
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