Os desafios e barreiras ainda são muitos. Mas no Dia Internacional do Imigrante, comemorado hoje, vale a pena fazer um resgate das conquistas obtidas ao longo de 2013 – sem perder de vista o longo caminho que ainda precisa ser percorrido em nome de um ambiente mais justo para todos, sejam migrantes ou nativos.
São Paulo tem posição de destaque nos avanços obtidos em questões migratórias neste ano. A começar pelo 18 de dezembro de 2012, quando o Dia Internacional do Imigrante foi aproveitado em um encontro entre migrantes e representantes da então gestão eleita em São Paulo, na qual esta ratificava o compromisso de criar uma política municipal de migração. Ao longo de 2013 os migrantes que vivem na capital paulista puderam festejar conquistas que podem ser uma vanguarda e a semente para um novo paradigma em migrações em todo o país:
– São Paulo ganhou a Coordenação de Políticas para Imigrantes, no âmbito da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, antiga reivindicação das comunidades e ponto de discussão, articulação e implementação das políticas públicas voltadas a elas. Este organismo em especial ajudou a articular outras políticas também implementadas em 2013, descritas em seguida.
– o pontapé inicial para a inclusão bancária, a partir do acordo entre a Prefeitura e a Caixa Econômica Federal;
– a criação de cadeiras para migrantes nos conselhos participativos de 22 das 32 subprefeituras de São Paulo com pelo menos 0,5% da população composta por migrantes;
– a realização da 1ª Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes, entre 29 de novembro e 1º de dezembro, que sintetizou e unificou as principais reivindicações dos imigrantes e serviu de pontapé inicial para a Conferência Nacional de Migração e Refúgio (Comigrar), prevista para maio de 2014 – além de outros debates e eventos voltados à discussão do papel do migrante na cidade e no Brasil.
– a chegada à Câmara dos Deputados da PEC 347/2013, que prevê a concessão de direitos políticos a imigrantes residentes no Brasil há mais de quatro anos e com situação migratória regular.
O que ainda há pela frente
Certamente o ambiente de discussão e o nível de debate estão em um patamar muito mais elevado do que anos atrás, mas discrepâncias nos três níveis de governo (municipal, estadual e federal) quanto à percepção das migrações lembram que é preciso ter os pés no chão e que ainda existe muito (mesmo) a ser feito, de políticas públicas locais a legislações nacionais e tratados internacionais.
De um modo geral, o Brasil continua a ser um país de braços abertos e portas fechadas – como bem mostra o documentário Open Arms, Closed Doors (Al Jazeera, 2013). A polêmica envolvendo o programa Mais Médicos, que transformou uma medida emergencial de saúde em uma questão nacionalista/xenófoba e corporativista (médicos do Brasil “temendo” perder espaço para profissionais de outros países) é um exemplo claro dessa discrepância entre o discurso oficial e a realidade vigente. A ação lenta do Brasil em relação aos haitianos na região Norte, que vivem em condições precárias e já teve o caso encaminhado à OEA, é outro exemplo.
Na esfera federal, ainda faltam a atualização da legislação migratória brasileira – para substituir o arcaico Estatuto do Estrangeiro (1980), herança da ditadura militar e que está em descompasso com a própria Constituição Federal – e o reconhecimento de direitos políticos aos migrantes que vivem no Brasil (direito a votar e ser votado nas eleições). Essas são duas das principais pautas dos migrantes no país e que devem centralizar as atenções nos debates de 2014, incluindo a Comigrar.
E como bem lembra a Conectas no dia de hoje, o Brasil ainda não ratificou a Convenção da ONU sobre Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias (evento pelo qual o dia 18 de dezembro é lembrado como Dia Internacional do Imigrante), mostrando ainda a grande distância entre os discursos e a prática do governo brasileiro. Desde de dezembro de 2010, o texto da Convenção se encontra no Congresso Nacional para ratificação – e ali se encontra até hoje.
A abordagem das migrações pela mídia já apresenta progressos, mas ainda é fácil encontrar estereótipos e termos que colocam o ato de migrar como uma ação ilegal ou apenas restrita a aspectos econômicos, mostrando o quanto o debate em torno das migrações ainda precisa amadurecer no nosso meio social.
Por um novo paradigma em migrações
No contexto global, assim como no Brasil, a situação dos imigrantes continua desfavorável: sofrem com discriminação, dificuldade de acesso e atendimento precário nos serviços públicos, entre outros problemas. Continuam associados em geral a fatos trágicos, como os movimentos de refugiados (destaque maior nesse ano para a Síria) e os naufrágios na ilha italiana de Lampedusa; são transformados em bodes expiatórios na Europa devido à crise no continente (Reino Unido e Grécia são dois exemplos clássicos).
As medidas de repressão às migrações já mostraram sua debilidade para tratar do tema que se propõem a “tratar”. Diante disso, o estabelecimento de um novo paradigma em migrações, que leve em consideração o ato de migrar ou não como um direito, torna-se cada vez mais necessário. Por que não iniciar algo nesse sentido no Brasil, partindo da necessidade urgente de revisão modernização da legislação migratória? As cartas estão na mesa.
A dor transformada em combustível para lutar e mudar
Fatos trágicos podem virar agentes que precipitam mudanças e mobilizações. Um exemplo claro disso foi a morte do menino Brayan, após assalto à família do menino em junho passado em São Paulo. O choque e a indignação que se seguiram levaram a comunidade boliviana pela primeira vez a ir às ruas pedir justiça e melhores condições de vida.
Apesar da dor causada pela tragédia, o episódio deixou clara a capacidade de mobilização da comunidade e o fato de que sofrer calado com as injustiças e dificuldades virou coisa do passado. O caso ocorreu no Brasil, mas a lição pode ser seguida por imigrantes de todo o mundo, justamente para tentar impedir que novas tragédias recaiam sobre as comunidades.
Combinar luta, mobilização, articulação, paciência e persistência é um caminho que já mostrou que pode render belos resultados, ainda que eles demorem a aparecer. E as mudanças que essas mobilizações trazem beneficiam não apenas aos migrantes, mas a toda sociedade da qual fazem parte.
[…] São Paulo hoje conta com uma coordenação voltada especificamente para os migrantes na Secretaria Municipal de Direitos Humanos, permitirá que imigrantes participem e tenham representantes nos Conselhos Participativos das subprefeituras e pouco a pouco conquista reconhecimento para suas atividades culturais – a Alasitas, ocorrida em diferentes locais da cidade ontem, é um bom exemplo. Isso para citar apenas alguns avanços. […]