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segunda-feira, setembro 16, 2024

Novas restrições dão poder à Polícia Federal para decidir sobre solicitações de refúgio, aponta associação

Nota pública elaborada pela ABA se soma a outras manifestações realizadas desde que as medidas de restrição às solicitações de refúgio foram anunciadas pelo Ministério da Justiça

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio de seu Comitê de Migrações e Deslocamentos, vê nas restrições a solicitações de refúgio que entraram em vigor na segunda-feira (26) uma violação aos direitos garantidos aos migrantes por meio da legislação nacional. E avalia que, na prática, ela dá à Polícia Federal um poder que só pode ser exercido pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).

A nota foi divulgada na tarde desta sexta-feira (30) pela entidade e é endereçada ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e ao Secretário Nacional de Justiça, Jean Keiji Uema. Além de ser considerado o “número 2 da pasta”, Uema também é o atual presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNIg).

Na prática, pela nova norma, quem entrar com pedido de refúgio no Brasil e for de um país do qual é exigida a apresentação de visto terá que provar que está sendo perseguido no país de origem para ter autorização para ingressar em território brasileiro. De acordo com o Ministério da Justiça, essa medida “tem como objetivo proteger o instituto do refúgio, assegurando seu acesso a pessoas que efetivamente demonstrem interesse em solicitar a proteção internacional por parte do Estado Brasileiro, além de quebrar a atuação de organizações criminosas no contrabando de imigrantes e tráfico de pessoas”.

A Polícia Federal é uma das autoridades habilitadas pela lei para essa tarefa de receber as solicitações de refúgio, e a mais presente nos aeroportos brasileiros. No entanto, a necessidade do migrante ter de comprovar a validade de seu pedido já no primeiro contato com os agentes federais é um ponto considerado especialmente crítico pela ABA.

“Em nenhum lugar se permite uma triagem ou julgamento prévio pela Polícia Federal, mesmo que os estrangeiros estejam em situação não documentada. O que essa nova política faz, na prática, é conceder à Polícia Federal um poder de julgamento de solicitações de refúgio, ao arrepio da lei”.

Tanto a Polícia Federal quanto o Conare estão sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, pasta do governo federal que concentra a maior parte das atribuições referentes à temática migratória.

O Comitê Migrações e Deslocamento da ABA recomenda ainda ao Ministério da Justiça a imediata revogação de tal política de criminalização da migração e do refúgio.

“Essa política fragiliza a garantia e a efetivação de direitos humanos básicos das pessoas migrantes, ensejando interpretações que vinculam, preocupantemente, determinados migrantes ao perigo, à insegurança, ao risco e ao crime. Ela também contraria a Lei de Refúgio e a Nova Lei de Migração, indicando uma continuação das políticas dos governos Temer e Bolsonaro, e ecoa uma tendência mundial de ataques aos direitos de pessoas em mobilidade”, finaliza o documento.

Outras manifestações

A nota pública elaborada pela ABA se soma a outras manifestações realizadas desde que as medidas de restrição às solicitações de refúgio foram anunciadas pelo Ministério da Justiça.

Um conjunto de 29 universidades brasileiras, por meio da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, expressou diretamente ao Conare sua contrariedade com a decisão do governo brasileiro, durante plenária do colegiado na última quarta-feira (28).

A carta elaborada pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello ressaltou a necessidade de se prevenir e combater o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes, mas que tais ações devem ser feitas respeitando os preceitos de proteção aos direitos humanos e de acordo com a tradição humanitária do Brasil.

Diversas instituições da sociedade civil divulgaram manifestações de repúdio às medidas anunciadas pelo governo federal. Elas seguiram o entendimento expressado pela Defensoria Pública da União (DPU) e de especialistas ouvidos pelo MigraMundo nos últimos dias, o da ênfase na busca de soluções por meio de políticas públicas, e não de restrições puras e simples.

Além disso, uma nota conjunta, assinada por dezenas de instituições, coletivos de migrantes e grupos de pesquisa no meio acadêmico, expressou repúdio à decisão do governo federal sobre as solicitações de refúgio.

O que diz o Ministério da Justiça

Por meio de nota técnica divulgada nesta semana, o Ministério da Justiça defendeu as medidas em vigor desde segunda-feira como uma forma de preservar a política migratória brasileira e o instituto do refúgio da ação de criminosos.

“Mister faz-se que os órgãos responsáveis pela gestão da Política Migratória Brasileira, pelo Enfrentamento ao Contrabando de Migrantes e ao Tráficos de Pessoas e pela defesa do Instituto do Refúgio, tomem medidas urgentes no sentido de conter tais abusos e proteger a legislação nacional, reconhecida por seu caráter acolhedor e humanitário. É necessário, portanto, propor ações para enfrentamento do problema, sob pena colocar em risco toda a polí)ca migratória brasileira, em um cenário internacional que o tema das migrações é central nas discussões políticas e, via de regra, visto de forma negativa, fomentando atitudes racistas e xenofóbicas”, diz trecho do documento.


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