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terça-feira, dezembro 24, 2024

Países cortam financiamento para agência da ONU voltada a refugiados palestinos

Especialista ouvido pelo MigraMundo e organizações internacionais criticaram a medida; UNRWA já citava situação financeira delicada antes mesmo do início do atual conflito

A situação dos refugiados palestinos, especialmente os que vivem em Gaza, pode ficar ainda mais crítica. Isso porque 14 países já anunciaram a suspensão do repasse de recursos à agência das Nações Unidas de assistência aos palestinos (UNRWA).

O motivo é a acusação por parte do governo israelense, na última sexta-feira (26), da participação de 12 funcionários da agência nos ataques terroristas de 7 de outubro do Hamas contra localidades no sul de Israel. Cerca de 1.200 pessoas morreram e 253 foram feitas reféns pelo grupo radical. O ato foi o ponto de partida para uma resposta militar de Tel Aviv que levou a região ao atual conflito, no qual já morreram 26 mil palestinos.

Em reação às acusações de Israel, os seguintes países suspenderam o financiamento à UNRWA: Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Itália, Finlândia, Austrália, Suíça, Holanda, França, Canadá, Japão, Estônia, Áustria e Romênia. Outros países, por sua vez, decidiram manter os repasses, como Noruega e Irlanda.

A UNRWA tem fornecido ajuda e utilizado suas instalações para abrigar pessoas que fogem de bombardeios e da ofensiva terrestre lançada por Israel em Gaza. Cerca de 90% da população total de Gaza (1,9 milhão de 2,2 milhões) se encontra em situação de deslocamento forçado, segundo projeções das Nações Unidas. Além disso, 40% dos habitantes são ameaçados pela fome, enquanto a ajuda humanitária chega de forma intermitente e em quantidade insuficiente para as necessidades reais.

Tel Aviv, por sua vez, acusa constantemente a agência da ONU de servir de esconderijo para integrantes do Hamas e vem sendo crítico ferino das Nações Unidas como um todo em relação ao conflito.

O que dizem a ONU e agências internacionais

A UNRWA disse ainda na sexta-feira que demitiu os funcionários suspeitos de envolvimento nos ataques de 7 de outubro em Israel pelo Hamas e abriu investigação sobre o caso.

“Para proteger a capacidade da agência de prestar assistência humanitária, tomei a decisão de rescindir imediatamente os contratos desses funcionários e iniciar uma investigação para estabelecer a verdade sem demora”, disse Philippe Lazzarini, comissário-geral da UNRWA. Ao mesmo tempo, ele criticou a suspensão dos repasses, apontando que o fato ocorre “no momento em que mais de 2 milhões de pessoas em Gaza dependem da assistência vital que a agência vem fornecendo desde o início da guerra”.

As críticas de Lazzarini foram endossadas pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. “Os supostos atos abomináveis desses funcionários devem ter consequências. Mas as dezenas de milhares de homens e mulheres que trabalham para a UNRWA, muitos deles em algumas das situações mais perigosas para os trabalhadores humanitários, não devem ser penalizados”.

Outras agências que atuam com ajuda humanitária também criticaram a suspensão dos repasses à UNRWA. Uma coalização integrada por 21 dessas entidades, incluindo Oxfam, Save the Children e ActionAid, emitiu um comunicado na segunda-feira (29) no qual expressou “profunda preocupação e indignação” com a medida.

“Estamos chocados com a decisão imprudente de cortar um elo vital para toda uma população por parte de alguns dos países que haviam solicitado um aumento na ajuda em Gaza e a proteção dos profissionais humanitários em seu trabalho”, diz trecho do documento, que está disponível na íntegra neste link.

Generalização nociva e risco de inviabilização

Para Gilberto Rodrigues, pós-doutor pela Universidade de Notre Dame (EUA) e professor de Relações Internacionais da UFABC (Universidade Federal do ABC), há uma generalização indevida no corte de recursos à UNRWA por parte da comunidade internacional.

“Em nenhuma hipótese [a acusação de Israel] deveria levantar suspeita contra a UNRWA ou a ONU como um todo, justificando a suspensão da ajuda internacional à UNRWA, num momento em que a população de Gaza – inocentes, civis, pessoas em condição de alta vulnerabilidade – crianças, mulheres e idosos – necessitam dessa ajuda como questão de vida ou morte”, disse ele, em conversa com o MigraMundo. “Os países que suspenderam os envios estão entre os maiores doadores, ou seja, a UNRWA estará inviabilizada em sua atuação caso os valores não sejam repassados em curso espaço de tempo”.

Ao mesmo tempo, o professor também vê na suspensão dos repasses anunciada por determinados governos uma tentativa de atender à opinião pública interna, pró-israelense, ou a uma parcela da classe política nacionalista (no governo ou na oposição) que critica a ONU como parte de sua agenda.

Quanto a Tel Aviv, Rodrigues ressaltou que a acusação contra os funcionários da UNRWA se insere em um contexto no qual o governo de Benjamin Netanyahu tenta deslegitimar a atuação da ONU como um todo.

“Está claro que o governo de Netanyahu tenta enfraquecer a ONU no tabuleiro do conflito, diante de operações ilegais, crimes de guerra – além de uma acusação formal de prática de Genocídio – cometidos na Faixa de Gaza. Uma acusação dessas contra funcionários da UNRWA, nesse contexto, também cumpre um papel político”.

O que é a UNRWA

A UNRWA foi criada em 1949 como uma assistência temporária aos palestinos forçados a se deslocarem após a criação do Estado de Israel, que aconteceu um ano antes. Contudo, as sucessivas crises políticas na região aprofundaram a complexidade do tema e as demandas humanitárias.

Atualmente, a UNRWA apoia cerca de seis milhões de refugiados palestinos em cinco áreas de operações: Jordânia, Gaza, Líbano, Síria e Cisjordânia, além de Jerusalém Oriental. Quase um terço deles vivem em acampamentos.

A falta de recursos para a UNRWA é uma situação anterior ao atual conflito em Gaza. Em junho passado, o MigraMundo destacou que a agência já atraveessava uma crise financeira grave que colocava em risco a continuidade de suas atividades, bem como das pessoas que dependem dessas ações.

Desde a última década, a entidade vem operando com um orçamento US$ 75 milhões a menos do que o acordado. Os países-membros e doadores justificam que os cortes decorreram de dificuldades financeiras ou desacordos políticos.

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