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terça-feira, abril 29, 2025

Papa Francisco, o Pontífice amigo e aliado dos migrantes

De canonização de "apóstolo dos migrantes" a críticas a governos, pontífice que morreu nesta segunda-feira (21) aos 88 anos teve na defesa dos migrantes uma de suas principais bandeiras

Por Vitória Dell’Aringa Rocha e Rodrigo Borges Delfim

Em 8 de janeiro de 2017, o portal Lettera 43 se referiu ao Papa Francisco como o “amigo dos migrantes”, em contraponto ao fortalecimento da extrema-direita populista na Europa. Quase sete anos depois, em setembro de 2023, o jornal francês Le Figaro publicou um artigo entitulado “Papa Francisco: a migração está em seus genes”, uma vez que ele era neto de imigrantes italianos.

A realidade é que, para além de genética e empatia, o argentino Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco (1936-2025), o primeiro pontífice do hemisfério sul, demonstrou apoio aos migrantes e à causa migratória por diversas vezes ao longo de seus 12 anos de papado (2013-2025), sendo considerado o papa mais engajado nesse sentido.

O primeiro ato simbólico do pontificado de Francisco, inclusive, foi uma visita à ilha de Lampedusa, onde jogou flores no mar em homenagem aos migrantes mortos em travessias. A ilha que pertence à Itália e está bem próxima da costa norte africana, é considerada um símbolo da questão migratória atual, na qual o Mar Mediterrâneo se tornou uma das rotas mais letais da atualidade.

Papa Francisco faleceu na manhã desta segunda-feira (21) em Roma, aos 88 anos. O Vaticano não deu detalhes sobre a causa da morte.

Além do ato em Lampedusa, o MigraMundo recorda a seguir outros momentos ao longo do pontificado de Francisco em que os migrantes foram lembrados e defendidos.

Pronunciamentos no Dia Mundial do Migrante e do Refugiado

Anualmente, a Igreja Católica celebra o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, data na qual reflete sobre o seu papel perante à questão e em que o Papa Francisco costuma a fazer discursos marcantes.

Em 2015, por exemplo, em sua fala, cujo título foi “Igreja sem fronteiras, mãe de todos”, o pontífice recordou que é missão da Igreja amar a Jesus “particularmente nos mais pobres e abandonados; e entre eles contam-se, sem dúvida, os migrantes e os refugiados”.

Em 2017, ressaltou a necessidade de a Comunidade Internacional se esforçar para extinguir conflitos e violências, visando “enfrentar, nos países de origem, as causas que provocam as migrações”.

No ano seguinte, Francisco enfatizou a responsabilidade da Igreja Católica em relação à temática e o dever da instituição em colaborar na acolhida, proteção e dignidade de quem se desloca.

Ano passado, sob a temática  “Deus caminha com seu povo”, o Papa convidou os fiéis a “caminhar juntos, com os mais vulneráveis, com Jesus”. Foram distribuídos materiais, em diversos idiomas, para apoiar a organização de uma caminhada com migrantes e refugiados, além de kits para a celebração data com imagens e vídeos de aprofundamento.

Missa Transfronteiriça

Em fevereiro de 2016, o Papa esteve no México. O Instituto Humanitas Unisinos (IHU), destacou: “Francisco não escolheu os percursos confortáveis de uma Igreja amortecida no poder de seus ‘príncipes’, mas escolheu correr os riscos de um caminho pedregoso como um missionário da misericórdia e da paz.”

O pontífice realizou uma missa em Ciudad Juárez, já considerada um dos locais mais perigosos do mundo, próximo à fronteira com os Estados Unidos, diante de centenas de milhares de migrantes. No ano seguinte, uma estátua do Papa de quase cinco metros foi colocada exatamente na fronteira entre os dois países.

Campanha global “Compartilhe a Viagem”

Em 2017, a Igreja Católica, por meio da Cáritas Internacional, lançou a campanha “Compartilhe a Viagem” (Share the Journey, em inglês). O objetivo era estimular as pessoas a compartilhar experiências com migrantes, colocando-se no lugar do outro e, assim, criando proximidade. O Papa Francisco realizou uma cerimônia de lançamento da campanha na Praça de São Pedro, no Vaticano, em 27 de setembro daquele ano.

“Justamente assim – gesticulou o Papa – com os braços bem abertos, prontos a um abraço sincero, afetuoso e envolvente, um pouco como esta colunata da Praça S. Pedro, que representa a Igreja mãe que abraça todos na compartilha da viagem comum”.

No Brasil o lançamento da campanha contou com atos públicos em locais de referência em grandes cidades, como o Cristo Redentor (Rio de Janeiro) e a Praça da Sé (São Paulo).

Anjos Inconscientes

Uma mulher grávida,  um judeu ortodoxo, uma muçulmana e uma criança à frente de um barco com refugiados. Estes são os elementos que compõem a escultura Anjos Inconscientes, uma obra de bronze e argila que o Papa Francisco decidiu colocar na Praça de São Pedro, no Vaticano, coração da Igreja Católica, em 2019.

A escultura foi feita pelo artista canadense Timothy Schmalz, sob sugestão do Padre Michael Czerny, subsecretário da Seção de Migrantes e Refugiados do Dicastério do Serviço Integral de Desenvolvimento Humano.

“Esta escultura, em bronze e argila, representa um grupo de migrantes de várias culturas e diferentes períodos históricos. Eu quis este trabalho artístico aqui na Piazza San Pietro, para que todos possam lembrar o desafio evangélico do acolhimento”, afirmou Francisco sobre a iniciativa.

Papa Francisco ao lado de escultura no Vaticano criada em homenagem aos migrantes. (Foto: Vatican Media)

Canonização do Pai e Apóstolo dos migrantes

Em 9 de outubro de 2022, Francisco oficializou a canonização do bispo italiano João Batista Scalabrini (1839-1905), considerado “Pai e Apóstolo dos Migrantes”. Bispo de Piacenza, tornou-se conhecido pelo trabalho feito em apoio aos italianos que partiram da Europa em direção ao continente americano na segunda metade do século XIX – e que mais tarde se estendeu a migrantes de todo o mundo.

A partir do trabalho do bispo italiano surgiram as congregações religiosas scalabrinianas que se tornaram referência no atendimento e acolhida a migrantes.

É do agora São João Batista Scalabrini que vem uma das frases mais famosas da área das migrações, “Para o migrante, a pátria é terra que lhe dá o pão”. O dia dedicado à sua memória se tornou 1º de junho, mesma data de seu falecimento, em 1905.

A canonização de Scalabrini representou um novo recado do Papa Francisco, bem como da Igreja Católica, à questão migratória no mundo. Durante a cerimônia, o pontífice lembrou que a formação da Igreja tem relação com perseguições e migrações forçadas, e que é dever da instituição ser “instrumento de paz e comunhão entre os povos”.

“Hoje, no dia em que Scalabrini se torna santo, gostaria de pensar nos migrantes. A exclusão dos migrantes é escandalosa. Aliás, a exclusão dos migrantes é criminosa, faz com que morram diante de nós. E assim, hoje temos o Mediterrâneo que é o maior cemitério do mundo. A exclusão dos migrantes é nojenta, é pecaminosa, é criminosa. Não abrir as portas para quem precisa… “Não os excluímos, os mandamos embora”, para os campos de concentração, onde são explorados e vendidos como escravos. Irmãos e irmãs, hoje pensamos em nossos migrantes, aqueles que morrem e aqueles que são capazes de entrar. Nós os recebemos como irmãos ou os exploramos? Deixo esta pergunta”.

Por menos barreiras físicas e mais justiça social

Em março de 2019, o pontífice visitou o Marrocos na mesma semana em que Donald Trump, à época em seu primeiro mandato, ameaçou fechar completamente a fronteira dos Estados Unidos com o México. Durante a visita, Francisco afirmou que a solução para questões migratórias jamais será pautada em barreiras físicas, mas sim pela busca por justiça social e por corrigir os desequilíbrios econômicos mundiais.

Nesse sentido, em agosto de 2024, o Papa classificou como um “pecado grave” a recusa em oferecer ajuda a navios de migrantes, fazendo referência ao tratamento dispensado por nações europeias às embarcações que atravessam o Mar Mediterrâneo. Francisco também clamou pela expansão das rotas de acesso para migrantes e por uma “governança global da migração baseada na justiça, na fraternidade e na solidariedade”.

O Papa Francisco, que teve postura de defesa dos migrantes em seu pontificado. (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

“Não deem atenção a narrativas discriminatórias”

Nas primeiras semanas 2025, já com a saúde debilitada, o Papa Francisco não deixou de fazer frente à política anti-migratória de Donald Trump. O pontífice enviou uma carta aberta a bispos dos EUA, condenando as ações de perseguição e pedindo que os católicos do mundo se posicionem diante do que está acontecendo no país, sem dar atenção a narrativas discriminatórias.

“Tenho acompanhado com atenção a importante crise que está ocorrendo nos EUA devido ao início de um programa de deportações em massa. “Exorto todos os fiéis da Igreja Católica (…) a não ceder a narrativas que discriminam e causam sofrimento desnecessário aos nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados. O que é construído com base na força, e não na verdade sobre a igual dignidade de todo ser humano, começa mal e terminará mal”.

O Papa também enfatizou que, apesar de os Estados terem o direito de se proteger de “pessoas mal intencionadas”, esse direito não pode significar violações de direitos humanos ou generalizações indevidas.

“O ato de deportar pessoas que, em muitos casos, deixaram a própria terra por razões de extrema pobreza, insegurança, exploração, perseguição ou grave deterioração do meio ambiente, fere a dignidade de tantos homens e mulheres, de famílias inteiras, e os coloca em um estado de particular vulnerabilidade”.

O Pontífice também evocou a Bíblia cristã para reforçar a defesa de dignidade para as pessoas migrantes.

“A família de Nazaré no exílio, Jesus, Maria e José, que emigraram para o Egito e lá se refugiaram para escapar da ira de um rei ímpio, são o modelo, o exemplo e a consolação dos emigrantes e dos peregrinos de todas as épocas e de todos os países, de todos os refugiados de qualquer condição que, assaltados pela perseguição ou pela necessidade, são obrigados a deixar a pátria, a sua querida família e os seus queridos amigos para ir para uma terra estrangeira.”


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