O Parlamento de Portugal aprovou um pacote de medidas que endurecem as Leis da Nacionalidade e da Imigração e que tornam mais difíceis tanto a obtenção de cidadania do país europeu quanto o direito ao reagrupamento familiar. As alterações afetam diretamente a comunidade brasileira, que representa atualmente o maior grupo migrante em Portugal, e trazem consigo preocupações quanto a direitos adquiridos pela legislação e para o incremento de um cenário de xenofobia cada vez mais comum.
Segundo dados da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo), entidade do governo local que cuida da temática migratória, cerca de 400 mil brasileiros residem de forma regular no país europeu, de um total estimado em 1,3 milhão de migrantes. Outras estimativas apontam que a comunidade brasileira em solo português ultrapassae 500 mil pessoas.
As mudanças, propostas pelo governo do primeiro-ministro Luis Montenegro ainda no mês de junho, foram aprovadas na quarta-feira (16), em tempo considerado recorde. Elas contaram com o apoio da coalizão governista Aliança Democrática (AD), de centro-direita —composta pelo Partido Social Democrata (PSD) e pelo Centro Democrático Social (CDS), e também pelo Chega, agremiação de extrema-direita e que possui no rechaço à migração uma de suas principais bandeiras.
As agremiações de esquerda votaram contra o pacote, criticando a velocidade com que a medida avançou e foi aprovada pelo Parlamento. Parte da oposição também pediu que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa vete a proposta – ele tem 20 dias para tomar uma decisão, que pode ser de veto, sanção ou também pedir consulta ao Tribunal Constitucional do país.
Já a Iniciativa Liberal, também considerada de direita, se absteve.
O que mudou
Entre as diferentes alterações, o texto cobra maior restrição na concessão de vistos de trabalho, que vão ser concedidos somente a profissionais “altamente qualificados”. Também foram modificadas as normas de reagrupamento familiar, que autoriza um migrantes internacional que mora no país levar parentes para viverem com ele. Neste caso, só será permitido depois de ao menos dois anos de residência legal e limitado a menores de idade.
Outro ponto polêmico está no fim da regularização por mudança de status. Ou seja, os brasileiros que entrarem em solo português como turistas não terão mais permissão de solicitar residência enquanto já estiverem no país europeu. Além disso, o pacote de medidas traz consigo a criação de uma autoridade policial chamada Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (Unef), que será responsabilizada por fiscalizar migrantes e fazer deportações.
A aprovação do pacote anti-migração é vista ainda como uma vitória do partido Chega, de extrema-direita e que possui no rechaço à migração uma de suas principais bandeiras. Mesmo sendo considerado de oposição ao governo de Luis Montenegro, a agremiação liderada por André Ventura apoiou integralmente a mudanças nas leis migratórias portuguesas e foi decisiva para sua aprovação.
Em troca dos 60 votos do Chega, o governo aceitou alterações no texto, como a exigência de comprovação de convivência prévia no exterior para casais em processo de reagrupamento familiar, e a proibição de concessão de vistos a quem já esteve em situação irregular no país.
O pacote anti-migração consolida assim a guinada na política migratória portuguesa, antes considerada uma das mais abertas da Europa, assumida pelo governo Montenegro desde que assumiu o poder, em março de 2024.
E agora?
A aprovação do pacite anti-migração traz consigo uma série de preocupações com o acesso a direitos garantidos pela Constituição portuguesa, além da tendência de reforçar uma narrativa perigosa que associa a presença de imigrantes à insegurança ou ao descontrole social.
Um balanço da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial aponta que, em 2021, foram registradas 109 queixas de xenofobia contra brasileiros em Portugal, uma alta de 142% na comparação com 2018, quando houve 45 denúncias.
Em nota divulgada pelas redes sociais, a Casa do Brasil de Lisboa, tradicional entidade de defesa dos direitos da comunidade brasileira no país europeu, criticou a aprovação do pacote anti-migração. “Nenhuma política pública pode ser legítima se ignora o direito fundamental à vida em família”.
A advogada Luciane Tomé, especialista em direito de nacionalidade portuguesa e representante da Fundação Luso-Brasileira no Brasil, reforçou as críticas ao pacote anti-migração. “Em vez de promover inclusão e integração, as novas medidas podem empurrar muitas pessoas para a marginalização, dificultando sua regularização e permanência legal, estados sujeitos a um processo de ‘expulsão do país’.”
Tomé acrescenta ainda que as mudanças também podem gerar problemas do ponto de vista econômico. “A restrição pode representar um impacto desastroso no acesso ao mercado de trabalho para imigrantes que desejam atuar nas áreas de hotelaria e restauração, justamente os dois setores com maior carência de mão de obra no país”.
Por outro lado, a advogada ressalta que os migrantes continuam amparados por garantias previstas na Constituição Portuguesa e em tratados internacionais de direitos humanos dos quais Portugal é signatário, mesmo diante de um cenário mais restritivo.
“Existe base legal para assegurar acesso a serviços essenciais, como saúde e educação, mesmo para quem está em processo de regularização. Além disso, instituições como a Ordem dos Advogados, a Defensoria Pública e organizações da sociedade civil têm papel fundamental na defesa desses direitos. Eu acredito que ainda há espaço para atuação jurídica firme, e posicionamento do Governo brasileiro diante das modificações significativas, dadas as circunstâncias do tratado de reciprocidade entre os dois países, Brasil e Portugal”.
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