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sábado, julho 12, 2025

Paulo Illes: momento é agora de retomar debate por direito a voto para migrantes no Brasil

Em entrevista ao MigraMundo, coordenador da Rede Sem Fronteiras defendeu ainda que a discussão inclua a expansão do voto dos brasileiros no exterior para outros cargos além da Presidência

Depois de anos de debates e ações mais focadas na área assistencial, chegou a hora de trazer à luz novamente uma bandeira histórica das comunidades migrantes no Brasil: o direito de voto nas eleições oficiais e também de poder ser votado.

Essa é a avaliação de Paulo Illes, diretor do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante) e coordenador da Rede Sem Fronteiras, que congrega diferentes instituições da sociedade civil que atuam com a temática migratória na América Latina, em entrevista ao MigraMundo.

Nesta quinta-feira (26), inclusive, acontece no centro de São Paulo às 18h um seminário que traz justamente esse tema histórico, promovido pela Rede Sem Fronteiras, em conjunto com o CDHIC e o Sindicato dos Bancários. O evento é presencial e as inscrições podem ser feitas a partir deste link.

“Nos últimos anos, com a pandemia, a Operação Acolhida e o avanço de políticas mais assistencialistas, o foco de muitas organizações migrou para a assistência e a integração. A discussão política foi ficando em segundo plano. Mas os imigrantes nunca deixaram de reivindicar seus direitos políticos”, afirmou Illes, que também foi coordenador de política migratória do Ministério da Justiça no governo Lula 3 (2023-2024) e da Prefeitura de São Paulo (2013-2016).

Pela Constituição Federal, em vigor desde 1988, o direito de voto é restrito a cidadãos brasileiros natos ou naturalizados. Ou seja, uma mudança nesse cenário só seria possível a partir de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional). Illes recorda que há propostas nessa direção já protocoladas no Congresso Nacional, algumas mais tímidas e outras mais amplas. E embora o Parlamento atual tenha um perfil bastante conservador, o coordenador da Rede Sem Fronteiras vê espaço para que o debate seja retomado de forma efetiva.

Na entrevista exclusiva ao MigraMundo, disponível a seguir, Paulo Illes também aponta que a luta pelo direito a voto para migrantes no Brasil poderia trazer consigo a inclusão da participação dos brasileiros no exterior também em votações para o Legislativo.


MigraMundo: Por que a questão do direito ao voto é tão importante para a comunidade migrante no Brasil?
Paulo Illes: O direito ao voto é o que consolida a cidadania. No caso das pessoas migrantes, é uma forma de reconhecimento político por sua contribuição à sociedade. Elas vivem, trabalham, pagam impostos, participam da vida comunitária — mas continuam excluídas das decisões políticas que afetam diretamente suas vidas. Garantir esse direito significa garantir dignidade, pertencimento e participação plena.

Além disso, o Brasil tem uma história marcada por lutas em torno da ampliação da participação social. Nem sempre todas as pessoas puderam votar. Mulheres, analfabetos, jovens — muitos grupos só conquistaram esse direito após muita mobilização. A luta pelo voto migrante se insere nessa trajetória. E hoje, a população migrante no Brasil já ultrapassa, por exemplo, o número de habitantes de estados como o Mato Grosso do Sul. É uma comunidade significativa que precisa ser reconhecida politicamente.

Embora seja uma demanda histórica, o tema não tem sido amplamente debatido nos últimos anos. Por que retomar essa discussão agora?
De fato, a campanha pelo direito ao voto é uma demanda histórica. Em 2009, lançamos a campanha Aqui Vivo, Aqui Voto, e em 2012 conseguimos encaminhar ao Congresso Nacional a PEC 347, de autoria do deputado Carlos Zarattini. Essa pauta nunca foi esquecida: ela permaneceu viva especialmente entre as lideranças migrantes.

Nos últimos anos, com a pandemia, a Operação Acolhida e o avanço de políticas mais assistencialistas, o foco de muitas organizações migrou para a assistência e a integração. A discussão política foi ficando em segundo plano. Mas os imigrantes nunca deixaram de reivindicar seus direitos políticos.

Agora, com o terceiro governo Lula — que tem um histórico de valorização da participação social — o ambiente é propício para a retomada desse debate. Além disso, em 2024 vimos o fortalecimento das mobilizações em torno do Dia do Imigrante, que já se transformou praticamente em um mês de visibilidade e luta pelos direitos das pessoas migrantes. O momento é agora.

Quais são os projetos em tramitação hoje no Congresso Nacional sobre o tema? E qual o status de cada um?
O principal projeto é a PEC 347, do deputado Carlos Zarattini, que propõe o direito de votar e ser votado em todas as instâncias — municipal, estadual e federal — para imigrantes com pelo menos dois anos de residência permanente no país. É a proposta mais avançada, pois reconhece a cidadania política plena.

Existem também propostas mais tímidas, como a PEC 34/2021, do senador Paulo Paim, que prevê o voto apenas nas eleições locais, após quatro anos de residência. E há ainda projetos como o PL 573/2007, entre outros, apensados à PEC 347, que tratam de mudanças na legislação eleitoral.

O ponto central é que a maior parte das decisões sobre políticas migratórias acontece em nível federal. Por isso, restringir o voto ao nível municipal limita o impacto político dos migrantes. A PEC 347 representa, de fato, um avanço necessário e coerente com os princípios democráticos.

Manifestante durante a Marcha dos Imigrantes (São Paulo, 2019), reivindicando direito a voto para migrantes no Brasil. (Foto: Eduarda Esteves/MigraMundo – dez.2019)

Como o voto de migrantes é tratado em outros países da América Latina?
A América Latina já avançou muito mais que o Brasil nessa questão. Na Argentina, o voto é garantido nacionalmente, ainda que algumas províncias coloquem obstáculos. No Paraguai, migrantes podem votar até para governador. No Chile e no Uruguai, também há direito ao voto presidencial — embora, no caso uruguaio, o tempo de residência exigido seja bastante longo.

Esses exemplos mostram que a participação política de migrantes é uma realidade consolidada na região. O Brasil, ao ainda não permitir nenhum nível de participação, precisa se alinhar a esse padrão de democracia e inclusão.

Há alguma percepção — ainda que inicial — sobre como essa pauta é vista pelo Congresso Nacional?
O cenário atual é mais plural e interessante do que no passado. Em 2009, a migração era majoritariamente sul-americana, com forte presença boliviana, em um contexto de governos de esquerda no continente. Isso gerava resistência por parte de setores conservadores.

Hoje, o perfil migrante no Brasil é mais diverso e o debate político se expandiu. A Frente Parlamentar pelos Direitos dos Migrantes e Refugiados conta com parlamentares de direita. Já a Comissão Mista de Migração e Refúgio tem uma base progressista. Isso mostra que o tema atravessa diferentes campos ideológicos.

Apesar de o debate ainda ser incipiente, há espaço para avançar — especialmente se o governo federal assumir essa pauta como prioridade. E mais: os votos dos migrantes provavelmente não se diferenciariam muito dos votos dos brasileiros. Pelo contrário, há uma tendência de alinhamento.

Alguns países limitam o voto de não nacionais ao nível municipal. Outros permitem também o voto nacional. Qual formato o senhor defende para o Brasil?
Minha posição é clara: defendo o direito de votar e ser votado em todas as instâncias — municipal, estadual e federal. A proposta da PEC 347 vai nesse sentido. Reconhecer apenas o voto local é importante como passo inicial, mas não resolve o problema da exclusão política. A participação plena é essencial para que migrantes possam influenciar políticas que afetam suas vidas, principalmente aquelas decididas em nível nacional.

O senhor acha viável incluir na questão do voto migrante uma abertura para que brasileiros no exterior também votem para o Legislativo (além do voto já existente para presidente)?

Com certeza. Essa pauta complementa a luta por direitos políticos no Brasil. Atualmente, brasileiros no exterior só podem votar para presidente. No entanto, há diversos projetos em tramitação que propõem a ampliação desse direito:

– PL 3.472/2019 – propõe o voto no exterior para governador, senador, deputados federal, estadual e distrital.
– PL 398/2003 e PL 6.709/2006 – tratam do voto para governador e senador.
– PEC 436/2009 – propõe voto para deputado federal por brasileiros no exterior.
– PLC 309/2005 – cria quatro vagas específicas na Câmara para brasileiros residentes em diferentes regiões do mundo.

Há inclusive propostas de criar um 27º estado simbólico, formado por brasileiros no exterior, como acontece no Uruguai. Essa é uma pauta que reforça a ideia de cidadania transnacional e que está alinhada com o princípio que também defendemos para os migrantes residentes no Brasil: ‘Lá e cá, direitos para todos.’


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