Por Rodrigo Veronezi
Uma nova portaria conjunta dos Ministério da Justiça e das Relações Exteriores simplifica a documentação para autorização de residência exigida de cidadãos de países fronteiriços que não se enquadram no acordo do Mercosul. Estão nessa regra os nacionais de Guiana, Suriname e, especialmente, da Venezuela.
Segundo a Portaria Interministerial MJSP/MRE 19, publicada na edição de quinta-feira (25) do Diário Oficial da União, tais imigrantes podem apresentar cédulas de identidade ou passaporte com data de validade expirada no pedido de autorização de residência.
O texto também prevê que crianças desses países que tenham ingressado no Brasil até os 9 anos acompanhadas de um dos pais poderão apresentar a certidão de nascimento para obter a autorização de residência.
Ainda de acordo com a portaria, o imigrante “poderá requerer autorização de residência perante uma das unidades da Polícia Federal, independentemente da situação migratória em que houver ingressado no Brasil”.
Uma vez deferida, a autorização de residência é válida por dois anos. Depois disso, caso não tenha registros criminais e comprove meios de se manter no país, o solicitante pode requerer a residência definitiva.
“A portaria tem o objetivo de promover a regularidade documental, um dos princípios da Política Migratória brasileira, à realidade atualmente vivenciada pelo fluxo venezuelano. Além disso, o documento faz ajustes na redação de dispositivos com a finalidade de dar maior clareza aos critérios adotados”, diz o Ministério da Justiça por meio de nota disponível no site da pasta.
Em teoria, um avanço
A publicação da portaria foi vista com bons olhos por integrantes da sociedade civil. Além da simplificação burocrática, também foi apontado foi positivo o fato de o texto dar a entender que até mesmo os imigrantes que estejam com a documentação vencida possam fazer a solicitação.
“Isso seria um baita avanço para regularização de indocumentados, creio que toda a muvuca das últimas semanas resultou nesta portaria”, comenta Adriano Pistorello, do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) de Caxias de Sul (RS).
Pistorelo se refere aos acontecimentos recentes em Pacaraima (RR), bem na fronteira com a Venezuela. Uma invasão de agentes de segurança a um abrigo com imigrantes em situação vulnerável e indocumentada no último dia 17, mantido por religiosas, despertou fortes reações da sociedade civil. No domingo (21), a Justiça acolheu Ação Civil Pública impetrada por Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF), barrando a deportação do grupo e proibindo novas incursões do gênero em abrigos.
O representante do CAM, no entanto, faz uma ressalva, quanto à postura que a Polícia Federal vai adotar em relação à portaria.
“Caso a PF entenda a possibilidade de regularização por este artigo, as pessoas poderão se regularizar, mas temos que ver como isso se dará na ponta. Será muito importante saber o posicionamento da chefia da PF sobre a compreensão da extensão deste artigo, uma vez que as outras portarias de impedimento de entrada envolvem outros ministérios, essa é específica do MJ e do MRE”.
Pedidos de refúgio
Os venezuelanos atualmente são a maior população em situação de refúgio no Brasil., sendo 54 mil deles já devidamente reconhecidos pelo governo. Desde meados de 2019 o país passou a reconhecer a Venezuela como local de “grave e generalizada violação de direitos humanos”, o que permite um trâmite mais célere das solicitações de cidadãos do país vizinho à luz da lei brasileira de refúgio.
Nesse contexto, o pedido de refúgio tem sido uma das formas de regularização migratória buscadas por essa população. De acordo com o Ministério da Justiça, o Brasil aprovou 26.810 pedidos de refúgio em 2020, sendo que 95% deles foram de venezuelanos (25.735, no total).
Ao mesmo tempo que abre uma nova porta para regularização dos venezuelanos indocumentados, a nova portaria prevê, em seu artigo 6º, que “a obtenção da autorização de residência prevista nesta Portaria e o registro perante a Polícia Federal implicam na renúncia da solicitação de reconhecimento da condição de refugiado”.
Uma das leituras feitas a partir desse contexto é que a portaria visa também reduzir o número de solicitações de refúgio pendentes de avaliação por parte do governo brasileiro. Até o final de 2020, havia mais de 150 mil pedidos aguardando análise – um patamar que já chegou a ultrapassar a casa dos 200 mil.
Pesquisadores e integrantes da sociedade civil apontam que o cancelamento do pedido de refúgio de quem consegue autorização de residência enfraquece o refúgio como um direito e elemento de proteção internacional.
Portarias discriminatórias
No contexto da pandemia, desde março de 2020 o governo brasileiro tem editado portarias que restringem o acesso de pessoas de outros países ao território brasileiro.
Essa medidas, no entanto, são alvo de objeções da sociedade civil e até da Justiça, por serem consideradas discriminatórias — especialmente em relação aos venezuelanos e por não permitir exceções a pessoas em situação de vulnerabilidade.
A crítica se intensifica pelo fato de haver, desde agosto passado, uma flexibilidade para entradas de pessoas de outros países no Brasil por via aérea, sob o pretexto de incentivar o turismo.
Um parecer técnico do Cepedisa (Centro de Pesquisas De Direito Sanitário) da Universidade de São Paulo, encaminhado ao governo federal em dezembro passado, endossa tais queixas. Ele aponta que as portarias são injustificáveis e não possuem base científica, além de seletivamente discriminatórias.
Questionado sobre como ficam essas portarias com restrições aos venezuelanos após o novo texto que facilita o trâmite para solicitação de residência, o Ministério da justiça não se manifestou até o fechamento deste texto.
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