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domingo, dezembro 22, 2024

Refugiados e deslocados no mundo chegam a 65 milhões, aponta ACNUR. Mas como ir além desses números?

Por Rodrigo Borges Delfim
Com colaboração de Lya Maeda

Em 2015, uma em cada 113 pessoas no mundo encontrava-se em situação de refúgio ou deslocada, totalizando 65,3 milhões – ou uma pessoa deslocada a cada 24 minutos. Estes são apenas alguns dos dados apontados pelo relatório Globa Trends 2015, divulgado pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) no Dia Mundial do Refugiado, lembrado nesta segunda (20).

Clique aqui para acessar o relatório, disponível também no site do ACNUR.

O número aumentou quase 10% em relação ao registrado pelo Global Trends 2014, que foi de 59,5 milhões, e é considerado um recorde pela agência – o total supera a população de países como Reino Unido, França ou Itália. São números que endossam situações de crise humanitária – e que, ao contrário do que leva a crer o senso comum, não ficam restritas à Europa.

Embora seja no continente europeu que estejam a maior parte dos holofotes sobre o refúgio, a maioria esmagadora dos refugiados e deslocados internos está em países em desenvolvimento. E do total, 51% são crianças.

Os pontos abaixo tanto mostram um panorama global em relação à temática como ajudam a derrubar certos mitos divulgados como “verdades” aos quatro ventos. Mas nunca é demais lembrar que é preciso ir além dos números – que por si só já são assustadores.

Vista geral do campo de refugiados de Daddab, no Quênia, o maior do mundo. Crédito: ACNUR
Vista geral do campo de refugiados de Daddab, no Quênia, o maior do mundo.
Crédito: ACNUR

 

 

 

Países com mais refugiados e que mais geram refugiados

Pelo segundo ano seguido, a lista de países com mais refugiados no mundo é encabeçado pela Turquia (2,5 milhões), seguida de Paquistão (1,6 milhão), Líbano (1,1 milhão), Irã (979.400) e Etiópia (736.100). Jordânia, Quênia, Uganda, República Democrática do Congo e Chade fecham esse nada glorioso top 10. E os países que atualmente mais geram refugiados são Síria (4,9 milhões), Afeganistão (2,7 milhões) e Somália (1,1 milhão). Juntos, eles respondem por nada menos que 54% do total de refugiados.

Entre os países com solicitações de refúgio a liderança ficou com a Alemanha (441,900), seguida por Estados Unidos (172.700), Suécia (156.400) e Rússia (152.500).

Número de refugiados per capita

Menos citado que o total de refugiados em um país, a proporção em relação à população dá uma outra ideia da presença destes em um país. Nesse quesito, o país com mais refugiados per capita no mundo é o Líbano (183 refugiados para cada 1.000 habitantes, uma proporção de quase 1 para cada 5 habitantes), seguido por Jordânia (87), Nauru (50), Turquia (32) e Chade (29).

Só para se ter uma ideia, se o Brasil tivesse uma proporção de semelhante à do Líbano, ele teria cerca de 40 milhões de refugiados. Mas os números brasileiros são bem menores – veja logo mais

Onde eles estão?

Os dados do ACNUR apontam que 86% dos refugiados e deslocados internos estão em países em desenvolvimento, em geral próximos a áreas de conflito. Ou seja, os refugiados que vão em direção à Europa são – infelizmente – “apenas” a minoria, a “ponta do iceberg”. O relatório Fatal Journeys, publicado pela OIM em 2014 (acesse aqui), dá uma ideia mais exata das travessias mundo afora e de seus riscos.

Refugiados e deslocados

Dentre os 65,3 milhões de deslocados, 21, 3 milhões são considerados refugiados porque se deslocaram para outro país (outros 40,8 milhões são deslocados internos e 3,2 milhões são solicitantes de refúgio). E entre os refugiados, são 16,1 milhões sob mandato do ACNUR e 5,2 milhões de palestinos, que estão sob jurisdição de uma outra entidade do Sistema ONU, a URNWA.

Infância, juventude e o refúgio

Em 2015, o número de crianças e jovens com menos de 18 anos correspondiam a 51% do número total de refugiados, sendo que quase cem mil estão desacompanhadas ou separadas de suas famílias. Este cenário pode ser ainda pior para o ano de 2016: o relatório “Danger every step of the way” da Unicef (acesse aqui), publicado recentemente, demonstra que  mais de 92% das 7.567 crianças que cruzaram o Mediterrâneo com destino à Itália entre 1º de janeiro e 31 de maio de 2016 estavam desacompanhadas.

Quando se fala em crianças, logo vem à mente a imagem do menino curdo-sírio Aylan, encontrado morto em uma praia na Turquia. Além dele, outras milhares de crianças morrem em travessias – seja por mar, terra ou mesmo pelo ar – ou perdem os parentes pelo caminho.

Por que se deslocam?

A guerra na Síria é apenas um dos fatores que causam deslocamentos forçados no mundo. Além da atuação do Daesh (nome pelo qual é chamado o autoproclamado grupo terrorista Estado Islâmico) na região, pessoas também fogem das ações de grupos terroristas como o Boko Haram (especialmente na Nigéria e países vizinhos), Al Shabbab (que controla boa parte da Somália), de conflitos causados por gangues na América Central, dos conflitos por minérios na República Democrática do Congo, da milícia radical Taleban no Afeganistão, entre outros.

Não se pode esquecer ainda os deslocamentos causados por perseguições políticas, religiosas, de gênero, por etnia…

E no Brasil?

Os dados mais recentes sobre refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil foram divulgados em maio passado pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare). De acordo com a entidade, o país reconhece atualmente 8.863 refugiados e tem cerca de 25 mil pedidos de refúgio em análise.

Embora a população refugiada no Brasil seja a maior na história do país, os números são bem pequenos se comparados a outras nações. Só como exemplo, o campo de refugiados de Daddab (Quênia), o maior do mundo (e que pode ser fechado pelo governo queniano), conta sozinho com cerca de 330 mil pessoas.

A nacionalidade com mais representantes entre os refugiados no Brasil é a síria, com 2.252 pessoas. Em seguida, estão angolanos, colombianos, congoleses e palestinos – ao todo, são 79 nacionalidades diferentes, de todos os continentes (saiba mais aqui).

Dados sobre refugiados no Brasil, de acordo com o Conare (maio/2016). Crédito: Conare
Dados sobre refugiados no Brasil, de acordo com o Conare (maio/2016).
Crédito: Conare

Além dos números, para abrir mentes

Engana-se quem acha que a luta de um refugiado ou migrante que não se encontra em situação de refúgio termina quando ele consegue se estabelecer em outro país. Depois disso, vem a luta para conseguir se adaptar a um novo ambiente, a um novo mercado de trabalho, a uma nova cultura – o que não significa abrir mão da própria identidade.

Nesse sentido, existem diversas iniciativas encampadas por instituições, governos e até mesmo tocadas pelos próprios refugiados e migrantes em busca de visibilidade, integração e conquista de cidadania. Esse movimento, felizmente, pode ser notado tanto no Brasil como no exterior.

Apenas para ficar nas ações recentes, uma delas é o vídeo Open Minds – Unlock Potential, lançado recentemente pelo Jesuit Refugee Service (JRS), que atua principalmente no leste da África. O vídeo (veja abaixo a versão em espanhol) lembra como e o quanto refugiados – e também outros migrantes – podem contribuir ou mesmo já contribuem para as sociedades nas quais se encontram.

Ainda no campo internacional, como forma de aplacar os efeitos da crise, o ACNUR lançou a campanha #WithRefugees (“Com refugiados”, em tradução livre), por meio da qual está reunindo assinaturas e contribuições em uma petição que deverá ser entregue à ONU durante a reunião anual da Assembleia Geral, em setembro. A campanha pede aos governos atuação em três frentes: garantir educação para cada criança refugiada; conseguir um “lugar seguro para viver” para as famílias; e que todos os refugiados possam trabalhar ou aprender novas habilidades para contribuir de forma positiva para a comunidade.

Voltando o foco para o Brasil, merece destaque especial a criação da FIRI (Frente Independente de Refugiados e Migrantes), que realizou seu primeiro grande evento no último dia 19 em São Paulo. E em julho acontece a Copa dos Refugiados, que usa o futebol para promover a integração entre refugiados e brasileiros.

Tais iniciativas (e tantas outras que não foram citadas) funcionam como pequenas luzes no final de um túnel que parece mais longo a cada dia. Agora, tente imaginar como seria se tais luzes se apagassem… Manter essas luzes acesas e encurtar a extensão desse túnel são desafios que o mundo precisa enfrentar.

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