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quinta-feira, novembro 21, 2024

Sem trabalho na pandemia, venezuelana viveu ‘pesadelo’ em oficina de costura e celebra recomeço em SP

Após viagem dramática até o Brasil, Yhonaiglis se vê diante de novos horizontes após superar desemprego e situação análoga à escravidão

Quem conhece a Yhonaiglis, imagina que a carinha meiga e o sorriso no rosto que está sempre presente, são fruto de uma vida tranquila. Os apenas dezenove anos de idade, no entanto, escondem uma vida intensa, de muita batalha que começou em Bolívar, na Venezuela, onde nasceu e cresceu.

Para Yhonaiglis a vida nunca foi fácil. Abandonada pelo pai, começou a trabalhar aos onze anos para ajudar no sustento da família, Foi mãe ainda adolescente, aos quinze anos. Seu sonho era poder entrar em uma boa universidade, mas as condições financeiras nunca permitiram.

Desde meados de 2013, a Venezuela arrasta-se em uma crise que piora a cada dia – o que contribuiu para que os sonhos de Yhonaiglis se tornassem ainda mais distantes. Atualmente, o país encontra-se em uma encruzilhada, enfrentando uma crise generalizada (de caráter político, social e econômica).

Foi em junho de 2019 que a venezuelana tomou a decisão de ir embora de casa e saiu, sozinha, em direção ao Brasil. Com apenas uma mala e o pouco dinheiro que conseguiu guardar, partiu para a rodoviária em busca de uma vida melhor para a família e seu filho – que na época tinha apenas dois anos.

Viagem até o Brasil

Para chegar na fronteira do Brasil, Yhonaiglis se arriscou e pediu carona para motoristas de ônibus, que se sensibilizaram e permitiram que ela viajasse sem comprar as passagens. Foram dois dias de longas viagens.

“Foram dois dias para chegar na fronteira e mais quatro para conseguir entrar no Brasil. Seis dias passando frio, fome, tomando chuva, enfrentando o medo de ser assaltada, presenciando mães desesperadas com crianças pequenas na mesma situação. Foi horrível”, contou a venezuelana.

Depois de enfrentar uma grande burocracia, Yhonaiglis conseguiu entrar em Pacaraima, cidade brasileira que pertence ao Estado de Roraima e, com a ajuda de um primo, que vivia em São Paulo, conseguiu uma passagem que a levou ao seu destino final, a capital paulista. Mas, a batalha estava só começando.

Yhonaiglis nasceu no Estado de Bolívar, na Venezuela, que vive grave crise generalizada. É desse contexto que ela foge, em busca de melhores condições de vida. (Foto: Arquivo pessoal)

“Achei que em São Paulo estaria mais segura e protegida ao lado de um membro da minha família, mas essa pessoa acabou me dando as costas porque a esposa dele não aceitava que ele me ajudasse. Fiquei sozinha mais uma vez em um lugar que não conhecia, sem emprego e sem ter onde morar. Durante muito tempo pedi comida na rua, dinheiro, sofri preconceito e senti muito medo”, concluiu.

Pandemia

O destino fez com que a venezuelana encontrasse em São Paulo um amigo que conheceu na Venezuela, o Marco, que se tornou seu melhor amigo e namorado. Passaram a apoiar um ao outro, encontraram trabalho, foram morar juntos e tudo parecia finalmente dar certo. Até que a pandemia causada pelo novo coronavírus apareceu no Brasil.

Os dois perderam o emprego ao mesmo tempo, não conseguiram mais arcar com as despesas do aluguel e tiveram que deixar a casa onde viviam. A única saída foi aceitar o trabalho oferecido por um colega boliviano. Yhonaiglis e Marco foram viver e trabalhar em uma oficina de costura.

Foram dois meses que podem ser comparados a um grande pesadelo. Dois meses trabalhando mais de quatorze horas por dia, sem folga e sem receber salário. “Cumpríamos o horário certinho, trabalhávamos como loucos e o pagamento nunca chegava. Era como um trabalho escravo”, lembrou a venezuelana.

O casal reuniu forças e saiu do local sem qualquer pagamento e, com ajuda de uma organização que atende refugiados em São Paulo, foram encaminhados para a Missão Paz e acolhidos pela Casa do Migrante, abrigo da instituição, que acolhe temporariamente migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio.

Yhonaiglis ao lado do namorado, Marco, já no Brasil. (Foto: Arquivo pessoal)

Recomeço

Por quase três meses Yhonaiglis e Marco viveram na Casa do Migrante. No local são oferecidos serviços como refeições diárias, apoio médico e psicológico e aulas de português. “A Missão Paz foi uma bênção em nossas vidas porque aqui conseguimos tudo que estava faltando, inclusive recarregamos as energias para continuar lutando”.

Nesta terça-feira (01/12), o casal deixa a Missão Paz, ambos já empregados. O destino é Cabreúva, interior de São Paulo. Com o apoio da equipe do projeto de inserção laboral da instituição, foram contratados por uma das empresas parceiras.

“Finalmente conseguimos um bom trabalho e estamos muito felizes. Daqui pra frente queremos trabalhar muito para ajudar nossas famílias, trazer meu filho e minha mãe para o Brasil e construir nosso futuro juntos.”

O casal é um exemplo das mais de 50 mil pessoas de 55 países diferentes que vivem atualmente como refugiados no Brasil.  Segundo o Conare (Comitê Nacional do Refugiado), os venezuelanos representam 90% desse total. As autoridades brasileiras estimam aproximadamente um total de 260 mil venezuelanos vivendo atualmente no país.


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