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sábado, novembro 23, 2024

Sim, o Brasil também já teve campos de concentração

Ao contrário do que geralmente se imagina, campo de concentração não era exclusividade da Alemanha nazista – aliás, tratava-se de um procedimento adotado por muitos países na primeira metade do século XX para internar prisioneiros de guerra. E o Brasil também fez parte desse nada honroso clube.

No entanto, os que foram detidos por aqui não eram exatamente criminosos de guerra – o que só aumenta o tamanho dessa mancha na história nacional. Informações sobre esses episódios ainda não aparecem nos livros didáticos e na maioria das publicações nacionais, mas já contam com obras que ajudam a jogar um pouco de luz sobre tais casos obscuros.

Os “currais humanos” do Ceará

Um dos exemplos vem do Ceará. Entre os anos de 1932 e 1933, quando o Estado viveu uma seca terrível, milhares de retirantes foram parar em campos de concentração – também chamados de “currais humanos” criados pelo governo estadual. O objetivo, para lá de higienista, era “proteger” a elite cearense do dissabor de encontrar pessoas maltrapilhas pelas ruas da capital, Fortaleza.

Os sertanejos eram atraídos aos campos com promessas de emprego, moradia e serviço de saúde, mas na realidade encontravam espaços precários e eram submetidos a trabalhos forçados praticamente em troca apenas de comida. Quem tentasse fugir do campo era punido e encarcerado por soldados armados.

A volta da chuva, em 1933, desmobilizou os campos. No entanto, o estrago já estava feito. Segundo registros oficiais, cerca de 60 mil cearenses morreram de fome ou devido a doenças dentro dos campos, tornando-os ainda mais letais que a própria estiagem. Maiores detalhes sobre esse episódio cruel e pouco conhecido da história brasileira podem ser conhecidos na reportagem da Rede Brasil Atual sobre o tema e no livro “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e Poder na Seca de 1932”.

Campos de internamento para os “súditos do Eixo”

Além do Ceará, o Brasil também contou com campos de concentração espalhados pelo país na época da Segunda Guerra Mundial.  Após o rompimento de relações com os países do Eixo, os campos brasileiros serviram como uma forma de mostrar que o governo estava comprometido com os Aliados. Entre 1942 e 1945, o país manteve campos de concentração nos Estados do Pará, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro (2), São Paulo (2), Santa Catarina (2) e Rio Grande do Sul.

Os “campos de internamento” – nome adotado em documentos oficiais, pelo Itamaraty, Polícia Federal e pela imprensa da época – eram destinados aos prisioneiros de origem alemã suspeitos de ligação com o nazismo, italiana e japonesa, apontados como “ameaças” pela ditadura Vargas – de forte teor nacionalista e hostil a estrangeiros.  Deve-se deixar claro que os campos brasileiros em nada se comparavam às usinas da morte construídas pelos nazistas. No entanto, não estavam livres de condições insalubres que ameaçavam a vida dos internos e das manobras do governo Vargas para impedir vistorias da Cruz Vermelha aos locais.

Parte dessa história pode ser conhecida por meio do livro “Prisioneiros de Guerra: Súditos do Eixo”, publicação conjunta das Editoras Humanitas e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. O estudo fez parte do Projeto Integrado Arquivo Público do Estado e Universidade de São Paulo (PROIN), que deu origem a outro livro já citado neste blog, “Imigração e Revolução – lituanos, poloneses e russos sob vigilância do Deops-SP”.

Em comum, as duas publicações ajudam a derrubar mitos e ufanismos presentes na história brasileira, além de mostrar que não é de hoje que migrantes – nacionais ou estrangeiros – são alvos de práticas e políticas discriminatórias, seja do governo ou da sociedade. E o resgate e divulgação desses episódios são de suma importância para reflexão e, sobretudo, impedir que voltem a ocorrer no futuro.

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