A atualização trimestral do ranking global de passaportes da Henley & Partners, divulgada nesta semana, trouxe uma mudança considerada sem precedentes: a saída dos Estados Unidos do top 10 dessa lista pela primeira vez desde sua criação, há 20 anos.
Atualmente o documento de viagem dos Estados Unidos ocupa a 12ª posição, ao lado do passaporte da Malásia, que dispensa visto prévio em 180 países e territórios. Em 2014, chegou a ocupar o topo desse ranking, que atualmente tem Singapura na liderança (193 destinos), seguida por Coreia do Sul (190) e Japão (189).
O Brasil, por sua vez, aparece numa posição considerada elevada e estável em relação às atualizações anteriores, com acesso sem visto a 169 localidades e ocupando a 19ª posição – empatado com Argentina e San Marino, república europeia considerada o Estado moderno mais antigo do mundo e um dos menores países em território e população.
A decisão do Brasil de passar a exigir visto para viajantes dos Estados Unidos, a partir de abril passado, foi apontada pela Henley & Partners como um dos fatores que contribuíram para essa queda do país no ranking. Também foram consideradas restrições ao passaporte estadunidense estipuladas por Papua-Nova Guiné, Mianmar, Somália e Vietnã.
Com sede em Londres, a Henley & Partners utiliza dados exclusivos da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) para elaborar o ranking, considerado uma referência global. Por meio do portal da entidade é possível fazer comparações diversas sobre os passaportes e verificar onde ele permite acesso com ou sem necessidade de visto.
Mudanças na mobilidade global
Edições anteriores do ranking já indicavam uma queda no poder do passaporte dos Estados Unidos e projetavam que esse cenário poderia se aprofundar com a chegada de Donald Trump à Presidência do país – o que de fato se concretizou. Mais do que no mandato anterior (2017-2021), o republicano vem adotando uma política bastante hostil à migração – tanto indocumentada quanto documentada, além de ampliar restrições e exigências para ingresso no território estadunidense. Uma abordagem que já vem refletindo tanto na imagem do país no exterior quanto no interesse por investimentos e na atração de pessoas.
“A queda da força do passaporte dos Estados Unidos na última década é mais do que uma simples mudança no ranking — ela sinaliza uma transformação fundamental na mobilidade global e nas dinâmicas de soft power. As nações que adotam a abertura e a cooperação estão avançando, enquanto aquelas que se apoiam em privilégios do passado estão ficando para trás”, apontou Christian H. Kaelin, criador do Henley Passport Index, em comunicado à imprensa.
O passaporte do Reino Unido, que já chegou a liderar o ranking da Henley & Partners em 2015, também caiu para sua posição mais baixa na história do índice, descendo duas colocações desde julho, de sexto para o oitavo lugar.
Por sua vez, um país cujo passaporte vem apresentando ascensão consistente no ranking é a China, que nos últimos dez anos saltou da 94ª para a 64ª posição, com seu índice de acesso sem visto aumentando em 37 destinos nesse período. Segundo a consultoria, as medidas tomadas estão consolidando seu papel como uma potência global em mobilidade, fortalecendo a liderança da região Ásia-Pacífico em liberdade de viagem.
“O retorno de Trump ao poder trouxe novos conflitos comerciais que enfraquecem a mobilidade dos Estados Unidos, enquanto a abertura estratégica da China impulsiona sua influência global. Esses caminhos divergentes irão remodelar as dinâmicas econômicas e de viagens em todo o mundo”, comentou Tim Klatte, sócio na China da Grant Thornton, uma das maiores empresas globais de auditoria, consultoria e tributos.
Exemplo do status atual da mobilidade humana
Além dos asiáticos que ocupam atualmente o pódio do ranking, o top 10 de passaportes de acordo com a Henley & Partners é composto basicamente por nações europeias, tendo como exceções Nova Zelândia (6ª), Austrália (7ª), Emirados Árabes Unidos (8º) e Canadá (9ª).
Na América Latina, o passaporte mais bem colocado é do Chile (16º), com acesso sem visto para 175 países. Na África, os países com passaportes mais aceitos sem permissão prévia são de dois arquipélagos, Seychelles (26º) e Ilhas Maurício (29º), ambos considerados destinos cobiçados por turistas internacionais.
Na parte de baixo do ranking (106º), por sua vez, o passaporte afegão aparece como o menos poderoso, com acesso a apenas 24 destinos sem visto. O “Top 5 invertido” traz ainda Síria, Iraque, Iêmen e Paquistão.
Embora o passaporte dos Estados Unidos permita acesso a 180 países sem necessidade de visto, apenas 46 nacionalidades contam com o mesmo tratamento para ingresso no território estadunidense – em sua maioria, de nações europeias. Isso deixa o país na 77ª posição em outro ranking da Henley & Partners, que mede o grau de receptividade de um país ao documento de viagem de um cidadão que vem de fora.
Nessa outra lista, três países exigem visto de todo e qualquer viajante internacional – Afeganistão, Coreia do Norte e Turcomenistão, enquanto diferentes países da África, Ásia e Oceania dispensam esse documento. O Brasil, por sua vez, ocupa a 44ª posição, ao exigir visto de 100 países – incluindo os Estados Unidos.
Para além da curiosidade que o ranking gera sobre a força do passaporte deste ou daquele país, ele é um exemplo das oportunidades (se o passaporte é de um país rico) e dos desafios (se for de uma nação considerada pobre), a respeito da mobilidade global.
Países europeus e asiáticos que compõem o chamado Norte Global dominam as primeiras colocações, refletindo relações diplomáticas fortes e atratividade econômica que exercem. Por outro lado, nações que enfrentam crises humanitárias de longa duração – e que geram refugiados e deslocados forçados internos – são alvo de crescentes restrições sobre a própria capacidade de mobilidade internacional.
Em comentários sobre edições anteriores do ranking de passaportes, a própria Henley & Partners reconheceu que a “noção de cidadania e seu sorteio de direitos de nascimento precisa ser repensada fundamentalmente à medida que as temperaturas aumentam, os desastres naturais se tornam mais frequentes e severos, deslocando comunidades e tornando seus ambientes inabitáveis”. E que “a instabilidade política e os conflitos armados em várias regiões forçam inúmeras pessoas a abandonar suas casas em busca de segurança e refúgio”.
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