O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), emitiu decisão favorável à União a respeito da continuidade da portaria do Ministério da Justiça em vigor desde o final de agosto que restringe as solicitações de refúgio no Brasil. Ao mesmo tempo, representa um duro revés para as ações que visam questionar a medida tomada pelo governo por considerá-la um retrocesso e uma violação à legislação nacional.
A decisão do ministro, a qual o MigraMundo teve acesso, derrubou a liminar que atendia a um habeas corpus coletivo obtido pela DPU (Defensoria Pública da União), que pedia a proibição de devolução dos migrantes retidos na área restrita do aeroporto de Guarulhos, além de permitir acesso destes ao direito legal de requerer refúgio.
O STJ também proibiu a concessão de eventuais outras liminares de idêntico teor em ações individuais ou coletivas de qualquer espécie até o julgamento do mérito da ação, o que não há data para ocorrer.
Defendida pelo governo federal como um instrumento para coibir a migração indocumentada e o tráfico de pessoas, a portaria é alvo de críticas de especialistas e de organismos públicos como a Defensoria Pública da União (DPU). Ao mesmo tempo, também divide o Ministério Público Federal, onde há tanto entusiastas quanto críticos da medida.
Segundo fontes ouvidas pelo MigraMundo, a decisão do STJ reduz de forma siginificativa as possibilidades de contestação da portaria pela via judicial no Brasil. Os caminhos ainda abertos seriam por meio de advocacy junto a organismos e atores políticos, bem como a instâncias internacionais como a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos).
Mesmo com a portaria em vigor, migrantes seguem sendo retidos no terminal. Na última parcial informada ao MigraMundo pelo Ministério da Justiça, em meados de novembro, eram 182 migrantes retidos na área restrita do aeroporto de Guarulhos. Alguns deles estão no local há mais de três meses. O caso chegou a ser destaque no Jornal Nacional, da TV Globo, no último dia 12 de novembro.
“Defesa da ordem pública” e crítica a liminares
A decisão do ministro do STJ foi especialmente dura em relação aos habeas corpus impetrados pela DPU. De acordo com Benjamin, as liminares que visam impedir as devoluções dos migrantes para os locais de origem são aptas “a propiciar irreparável lesão à ordem, à saúde e à segurança públicas”. O ministro também considerou “satisfatoriamente comprovados” os requisitos que embasam a medida adotada pelo Ministério da Justiça.
“A liminar que ditou a proibição em questão, dessarte, expõe essas pessoas a todo tipo de perigo, saturando o espaço aeroportuário e causando longa aflição para situações que podem e devem ser resolvidas imediatamente, impondo, ademais, desassossego psicológico e desgaste físico prolongado àqueles indivíduos”, diz trecho do documento.
O entendimento da DPU e de especialistas, no entanto, é distinto. Eles defendem que o melhor meio para equalizar a quesão no aeroporto de Guarulhos é combinar uma melhor estrutura para atendimento aos solicitantes no local com a repressão ao tráfico de pessoas ainda na origem, por meio de ações preventivas. Os críticos à portaria do Ministério da Justiça também reforçam que o caso demanda uma política pública que de fato defina responsabilidades para cada ente público e privado envolvido na temática migratória.
No entanto, Benjamin corrobora a visão defendida pelo Ministério da Justiça e demais atores jurídicos com ela alinhadas. No documento, o ministro do STJ diz ser “inadmissível a utilização do nosso sistema normativo generoso para, com os olhos fechados, aceitar ou mesmo estimular o tráfico internacional de pessoas ou, indiretamente, prestigiar a atuação do crime organizado e de “coiotes” que transformam o Brasil em entreposto para a sua atuação ilícita”. E afirma que a medida “protege o valoroso instituto do refúgio contra a má-fé, a fraude e o crime organizados internacional, restringindo-o aos casos e situações em que, a toda evidência, a proteção à pessoa humana seja a essência e o único objetivo do pleito”.
A decisão de Benjamin deixa apenas uma brecha em casos onde seja comprovado que o migrante tenha algum vínculo pré-constituído com o Brasil, como um processo de reunião familiar ou uma prova de que de fato deseje permanecer no país e não migrar para outra localidade. Em outras palavras, quem vier de um país do qual é exigido visto e entrar com pedido de refúgio no Brasil a partir do aeroporto internacional de Guarulhos terá que provar que está sendo perseguido para ter autorização para ingressar em território brasileiro.
Questionamentos
A medida promovida pelo Ministério da Justiça é fortemente questionada tanto pela sociedade civil quanto pelo meio acadêmico e jurídico, que apontam tanto violações aos direitos garantidos aos migrantes por meio da legislação nacional quanto de acordos internacionais firmados pelo Brasil. Nas semanas seguintes ao anúncio da portaria, uma série de questionamentos públicos foram realizados por diferentes atores e entidades de setores distintos.
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio de seu Comitê de Migrações e Deslocamentos, vê nas restrições impostas pelo Ministério da Justiça uma violação aos direitos garantidos aos migrantes por meio da legislação nacional. E avalia que, na prática, ela dá à Polícia Federal um poder que só pode ser exercido pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).
Um conjunto de 29 universidades brasileiras, por meio da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, expressou diretamente ao Conare sua contrariedade com a decisão do governo brasileiro. O grupo ressaltou a necessidade de se prevenir e combater o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes, mas que tais ações devem ser feitas respeitando os preceitos de proteção aos direitos humanos e de acordo com a tradição humanitária do Brasil.
Além disso, uma nota conjunta, assinada por dezenas de instituições, coletivos de migrantes e grupos de pesquisa no meio acadêmico, expressou repúdio à decisão do governo federal.
As manifestações contrárias à decisão do governo ressaltam ainda que o caminho a ser adotado é o da construção de políticas públicas que definam direitos e deveres de cada um dos atores envolvidos com a temática migratória, e não o de restrições puras e simples.
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