Imagine ser de um time de futebol de um país que vai jogar nos Estados Unidos e não consegue os vistos necessários para ingresso em território estadunidense. Essa situação é comum na Concachampions, torneio continental que reúne clubes de países filiados à Concacaf (que engloba América do Norte, Central e Caribe) e já levou à desistência de alguns deles em disputar partidas no território estadunidense.
Em 2022, o Cavaly, que seria o representante do Haiti na competição, desistiu da Concachampions por não conseguir os vistos para realizar a viagem aos Estados Unidos. Em 2023, foi a vez do Violette, um dos mais tradicionais do Haiti, a se ver diante dessa barreira, para enfrentar o Austin pelas oitavas de final da competição continental.
Desta vez, o resultado foi diferente, entrando para a história do futebol no continente e no mundo.
Dos vistos negados à vitória épica em campo
Na primeira partida, disputada na República Dominicana, o Violette conseguiu uma vitória surpreendente por 3 a 0, dando uma vantagem considerável para o embate decisivo, na cidade de Austin, nos Estados Unidos. O placar ganha ainda mais peso pelo fato do time haitiano vir de um período de dez meses sem jogar, em razão da grave crise generalizada vivida pelo Haiti – tanto social quanto política e econômica. Por esse motivo, o time haitiano levou o jogo para o país vizinho.
No entanto, os EUA recusaram os vistos de boa parte do elenco haitiano com receio de que atletas buscassem asilo no país estadunidense. Ao menos oito jogadores do Violette tiveram a entrada negada para jogar em Austin.
Com apenas doze atletas autorizados, o time haitiano não teria condições para disputar a partida decisiva. A solução encontrada foi o recrutamento de quatro haitianos em atividade em ligas amadoras dos EUA, que puderam ser inscritos junto à Concacaf. Somente seis titulares na partida de ida se repetiram na volta.
Em campo, o Austin venceu por 2 a 0, em um jogo dramático. O resultado não foi suficiente para reverter a vantagem obtida pelo Violette, premiado com a classificação histórica para as quartas de final da competição pela primeira vez no atual formato.
O Violette, agora, aguarda o resultado do jogo de volta entre León, do México, e Tauro, do Panamá, para conhecer seu adversário — o time mexicano venceu na ida por 1 a 0 fora de casa.
Futebol e migração
Além de mais uma história propiciada pelo futebol, o caso também representou um novo encontro entre o esporte mais popular do planeta e a questão migratória. Os Estados Unidos vem apertando o cerco contra a migração e dificultando as possibilidades de obtenção de asilo. O país conta com uma comunidade haitiana significativa, o que faz dele um destino natural para cidadãos do país caribenho que tentam melhores condições de vida fora da terra natal.
Foi justamente essa comunidade haitiana já estabelecida nos Estado Unidos que ajudou o Violette a conseguir os atletas necessários para disputar o jogo decisivo em Austin.
O triunfo sobre o Austin vai além das quatro linhas do gramado, como mostra a fala Steeven Saba, um dos principais jogadores do Violette, ao site The Athletic, antes da partida no Texas.
“Há mais no Haiti do que as manchetes dizem. Falo isso há muito tempo. Existem muitos talentos no Haiti. Mas, por causa da forma como o país é, não somos reconhecidos. Para nós, esse jogo é maior que o futebol, lutamos por nosso país inteiro”, afirmou.