Por Adriane Khoury Secco*
Em Lyon (França)
“Ah, estudar fora é meu sonho!”
Essa frase exprime um desejo de grande parte dos estudantes brasileiros. A propaganda de oportunidades de bolsas de estudos e abertura do mercado de trabalho por conta de um diploma estrangeiro são elementos atrativos e propulsores desta decisão de sair do país para estudar.
Mas é preciso estar preparado para uma realidade bem diferente.
Feiras de estudantes, palestras, sites, anúncios em jornais e revistas, mídias sociais riquíssimas de informações em destaque enchem os olhos dos futuros candidatos a uma universidade estrangeira. A vontade de trabalhar com o que se gosta e de dominar o mundo a partir disso, caminham juntos nessa jornada profissional e pessoal.
A escolha do país influencia muito no que diz respeito ao custo-benefício. Questões objetivas como saber qual país oferece melhores condições de estudos, moradia, alimentação, transporte, trabalho, além das questões subjetivas, como clima e estética do lugar.
E, nesses casos, países europeus e norte-americanos ganham destaque.
Nesses continentes figuram países abertos aos estudos, à diplomacia, à qualidade de vida e oportunidades de trabalho. O euro e dólar são valorizados, as empresas são de grande porte e as universidades são as melhores do mundo.
Passado esse período de escolhas, as candidaturas começam a ser feitas. Batalhões de papéis, despesas enormes com traduções, cópias e correio, um grande vai e vem de ligações, emails, enfim, tudo para se ter uma gama de informações e garantias na chegada e na estadia.
Chegando ao país desejado, os choques culturais são inevitáveis e as adaptações são necessárias. Além de tentar seguir métodos de ensino e de se comunicar de maneiras diferentes da que estamos acostumados no Brasil.
Estudantes estrangeiros frequentemente passam por muitas aulas, provas, dias longos, cabeça cheia de tanto ouvir, falar e respirar outro idioma. O cansaço físico e mental é inevitável. Ainda mais para quem necessita trabalhar para pagar os estudos e tentar conciliar a grande carga de aulas com os horários de trabalho. E precisamos saber lidar com tudo isso da melhor forma.
Mas nem todos os estudantes assim conseguem. Muitos se apoiam em métodos nada saudáveis para suprir essa carência emocional. E é aí que entra o consumo excessivo de drogas, álcool, a falta de uma alimentação saudável, isolamento, entre outros.
As faltas de apoio estrutural e psicológico fazem parte desse contexto. Muitos estudantes sofrem com frustrações diante de moradias precárias, falta de verbas institucionais para bolsas, fila extremamente demorada na prefeitura para tratar de vistos, alto custo de vida, distância da família, do país, entre outros. Muitas daquelas propagandas com fotos de estudantes felizes e anúncio de excelentes faculdades caem por água abaixo.
Dentro do ambiente acadêmico francês, diversos depoimentos de alunos dizendo que as salas de aula estão lotadas e sem cadeira para todos, além de que os professores não se mostram claros nas exposições das matérias, que há uma disputa entre os colegas por notas, que há discriminação por conta da nacionalidade estrangeira, por conta das dificuldades no idioma, entre outros.
A questão de falta de moradia digna é algo muito comum na Europa. No caso da França, não raro há estudantes em apartamentos precários, extremante pequenos, com diversos problemas nos encanamentos, nos aquecedores, nas cozinhas compartilhadas, alguns até mais graves, com presença de seres nada desejáveis como baratas, ratos, além de mofo e umidade. Há casos também de pessoas que abrigam ilegalmente seus parentes, mesmo em cômodos minúsculos.
Problemas financeiros e estruturais provocaram até tentativa de suicídio de um estudante em Lyon, em novembro de 2019. E isso pode trazer diversos questionamentos e posicionamentos aos demais colegas, sobretudo a nós brasileiros. Como isso chegou a esse ponto? Como está a representação da comunidade brasileira mundo afora? Como podemos nos posicionar sobre esses e outros assuntos fora do Brasil, enquanto cidadãos e expatriados?
Devemos levar em consideração de que há uma enorme demanda de estudantes, principalmente estrangeiros, mas muitos órgãos não conseguem (ou talvez não se dêem ao trabalho) de dar conta disso. Uma instituição depende de verbas e procedimentos burocráticos de outra e isso gera um efeito dominó, pois se uma cai, todas vão junto. É uma rede. Muitos culpam o atual e os últimos governos franceses por esta precariedade, por governar com políticas voltadas aos interesses de uma elite, com elementos até de xenofobia.
Notamos que as principais reivindicações dos estudantes e lideranças no geral na França são um tratamento rápido de candidaturas para bolsas de estudos e moradia, um salário adequado aos estudantes, a não expulsão locativa dos mesmos durante o período de inverno, alojamentos decentes e mais contratação de profissionais da área da saúde.
É importante também lembrar que esses pontos não pretendem significar literalmente que nada funcione e que tudo seja ruim. Há pessoas que passaram por experiências ótimas e pretendem continuar seus estudos e carreiras fora do Brasil. Mas fatos que se mostram obscuros devem ser levados à luz para uma discussão sobre como podemos melhorar e qual o papel das universidades nas representações e acolhimento dos alunos.
Além disso, gerar e ou fortalecer lideranças, associações, sindicatos, ONGs, entre outros, é fundamental para um apoio individual e coletivo aos estudantes, sempre tendo com base o princípio do melhor benefício a eles.
*Adriane Khoury Secco é advogada especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP e mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Lyon (França)
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