Por Anna Ferri Davis
Do ProMigra
A COP, ou “Conferência das Partes”, foi criada em 1994 através da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima como meio de tentar conter os efeitos das mudanças climáticas provindas do colapso ambiental. Ela funciona como um encontro de países com o intuito de implementar medidas para combater as mudanças climáticas, e ocorre anualmente desde sua criação, cada ano em um local diferente. A COP 30, de 2025, está prevista para ocorrer em novembro em Belém, no Brasil. Com isso, surge o questionamento: o refúgio ambiental/climático será abordado? E se sim, quais será o conteúdo das discussões nesse novo contexto político global?
O número de refugiados ambientais e climáticos aumenta a cada ano. Essa forma de deslocamento ocorre em função das consequências das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar, desertificação de regiões e inundações, e também devido às consequências mais diretas da destruição ambiental, como a criação de usinas hidrelétricas e minas extrativistas.
Esse assunto foi colocado na pauta das COPs de forma mais clara a partir de 2021, na COP 26. Uma das regiões nas quais há um grande número de refugiados climáticos são dos países formados por arquipélagos no Oceano Pacífico, devido ao aumento do nível do mar. Em protesto e para chamar atenção a isso na COP daquele ano, o Ministro de Tuvalu (uma dessas nações ameaçadas), realizou seu discurso no mar.
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Ausência do tema em COPs anteriores
No entanto, apesar de seu eventual aparecimento, o tema do refúgio ambiental não se passou a ser um assunto central nas COPs seguintes. As discussões nesse âmbito normalmente se mostram intrinsicamente relacionados ao mercado, com a presença significativa de diversas grandes empresas. Isso inibe discussões aprofundadas relacionados a direitos humanos, como o refúgio ambiental. Um reflexo disso é o fato de que a delegação brasileira na COP 29, sediada em Baku, capital do Azerbaijão, foi constituída por mais de 20 empresas do agronegócio, um dos grupos mais centrais na destruição ecológica e emissão de gases de efeito estufa do país.
Assim, a COP 29, de forma geral, contou com a criação de acordos que muitos analistas enxergaram como tendendo ao greenwashing, ou seja, à falsa promoção de atitudes sustentáveis que não alteram os ciclos de exploração da natureza. A exemplo disso, é possível citar a criação de um acordo acerca das regras dos créditos de carbono, as quais passariam a ser administradas pela Organização das Nações Unidas. O crédito de carbono é um “crédito” que empresas ganham no “mercado de carbono” por cada tonelada de carbono não emitida.
Esse é um exemplo de uma política que não olha o cerne do problema, que é justamente o modo de produção dos países. No caso dos créditos de carbono, temos ainda um sistema de troca monetária relacionado às emissões de carbono em uma conferência sobre a proteção da natureza, algo absolutamente contraditório.
Esse exemplo não é um caso isolado, muitas das políticas e acordos das COPs são viradas para saídas dentro do mercado, dificultando discussões acerca de assuntos como o refúgio ambiental. Dito isso, na COP 29 foi lançada a rede “Refugiados para Ação Climática”, através do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), como meio de unir e dar voz aos deslocados em função das mudanças climáticas. Medidas como essas são muito importantes, mas este é um caso bastante isolado.
Além das razões relacionadas aos fatores mercadológicos da COP, há outras razões por trás da ausência do tema do refúgio ambiental nas suas conferências. O refúgio ambiental/climático é um tema bastante controverso devido ao fato de que muitos acreditam que esse tipo de deslocamento não se encaixa na definição de refúgio dos grandes organismos internacionais. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados, estes são “Pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido a grave e generalizada violação de direitos humanos” (ACNUR, 2023).
Assim, a princípio, refugiados em função de fatores ambientais, sejam eles climáticos ou não, não se encaixam nessa definição. Esse fato dificulta a criação de políticas endereçadas a essas populações em âmbitos como a COP. No entanto, definir essas pessoas e esses movimentos como refúgio é de grande importância. A palavra “migração” não tem um sentido de involuntariedade no movimento como refúgio tem. Assim, a utilização da palavra refúgio reconhece a violação de direitos humanos que ocorre com esses indivíduos e assim permite a criação de políticas endereçadas a essas pessoas.
Deslocamento induzido por desenvolvimento
Outro fator importante a se destacar é o aparecimento contínuo do termo “desenvolvimento” nas COPs, sobretudo como “desenvolvimento sustentável”. Como foi afirmado anteriormente, o grande problema por trás das mudanças climáticas e do colapso ambiental é o atual modo de produção, e o “desenvolvimento” se relaciona muito a isso. Há uma busca incessante pelo dito “desenvolvimento” no cenário global, de uma evolução constante, e para isso, muitos países investem em medidas que causam a destruição ambiental, como o extrativismo. Assim, há uma busca dos países de implementarem políticas sustentáveis enquanto continuam “evoluindo” e produzindo.
Com esse constante “desenvolvimento”, surge outro tipo de refúgio ambiental, conhecido como o deslocamento induzido pelo desenvolvimento, que tem uma chance ainda menor de ser abordado na COP. Primeiramente, porque, apesar de se relacionar grandemente com as mudanças climáticas, não é refúgio climático. Além disso, esse tipo de refúgio tem uma relação mais clara com as ações diretas de muitos governos e empresas, fazendo dele mais polêmico.
Dessa forma, é provável que a COP 30 aborde minimamente o refúgio ambiental/climático, mas é improvável que muitas políticas endereçadas a esse fenômeno sejam de fato implementadas. Apesar disso, é importante que existam esforços para levantar essa pauta devido a sua alta relevância e urgência, ainda mais sendo a COP 30 no Pará. Esta é uma região onde há um grande número de projetos extrativistas causando deslocamentos forçados, além de ser um estado que tem recebido cada vez mais refugiados venezuelanos, muitos deles indígenas Warao deslocados em função das consequências da devastação ambiental.
Após a COP 30, o ProMigra possui a intenção de elaborar outro texto sobre esta temática, averiguando se o assunto do refúgio ambiental foi abarcado, e se sim, uma análise da forma como isso foi realizado. Veremos se haverá a continuidade das políticas de green-washing e o refúgio ambiental/climático será deixado de lado mais uma vez, ou se seremos surpreendidos.
Sobre a autora
Anna Ferri Davis é formada em Relações Internacionais pela PUC-SP e atualmente mestranda do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP. Integra o projeto de extensão ProMigra
Referências
BRASIL. Secretaria de Comunicação Social. Consenso inédito na COP29 estabelece bases sobre mercado de carbono global. [Brasília]: Secretaria de Comunicação Social, 13 nov. 2024. Disponível em: < https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/11/consenso-inedito-na-cop-29-estabelece-bases-sobre-mercado-de-carbono-global>. Acesso em: 01 abr. 2025.
‘Discussões na COP não resolvem problema ambiental do mundo’ diz integrante da Via Campesina. [Locução de]: Afonso Bezerra & Gerson Borges. Disponível em: <https://open.spotify.com/episode/5DSZMpNAUaAsNBtrCz99wd?si=hfJV7A-NSqOAoGFjOQAhZw>. Acesso em 01 abr. 2025.
OLIVER-SMITH, A. Debating environmental migration: society, nature and population displacement in climate change. Journal of International Development, 24, pp. 1058–1070, 2012.
Qual é a origem da COP, uma das conferências mais importantes sobre mudanças climáticas. National Geographic 30 nov. 2023. Disponível em: <https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2023/11/qual-e-a-origem-da-cop-uma-das-conferencias-mais-importantes-sobre-mudancas-climaticas>. Acesso em 01 abr. 2025.
Rede “Refugiados para Ação Climática” é lançada na COP29 para defender comunidades deslocadas na luta contra a mudança climática. Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. 14 nov. 2024. Disponível em: <https://www.acnur.org/br/noticias/notas-informativas/rede-refugiados-para-acao-climatica-e-lancada-na-cop29-para-defender>. Acesso em 01 abr. 2025
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Ótimo texto! Pro migra sempre informando e esclarecendo sem tomar partidos.
Parabéns !