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quinta-feira, novembro 21, 2024

“As boas vindas de Israel” – uma reflexão sobre chegar e sair do país

Por Maristela Schmidt*
Em Tel Aviv (Israel), 2015

“As boas vindas de Israel”**

Embarquei com meu sonho nas costas. Iria passar 46 dias fazendo voluntariado na Cisjordânia. Seriam 4 semanas dentro do Campo de Refugiados de Deheishe, morando com uma família local, e mais 2 semanas no Campo de Aida. Ambos em Belém.

Naquele 29 de junho [2015], a mistura de sentimentos tomava conta de mim. Levei na minha bagagem medo, insegurança, ansiedade, expectativa e coragem.

Sabia, pelos inúmeros relatos que já tinha escutado e lido, que a imigração no aeroporto de Israel não era fácil. Qualquer pessoa se torna suspeita. Basta um simples gesto, um olhar desviado para um agente à paisana, que a pessoa é dada como suspeita. Não podia dizer para onde estava indo nem o que iria fazer. Caso contasse a verdade, minha entrada poderia ser negada.

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Aterrizei no Aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv, após quase 16 horas entre voo e conexão. Ao sair da aeronave, segui os passageiros na tentativa de passar despercebida como uma simples turista querendo desfrutar do mar de Tel Aviv. Talvez não tenha sido uma boa atriz ou tenha olhado de soslaio à pessoa errada.

Fui parada logo nesse instante. O agente pediu meus documentos. Fez as clássicas perguntas. Até minha carteira da OAB foi mostrada a ele. Não contente com minhas respostas, refez todas as perguntas. Percebi que ele anotou meu nome no celular. Talvez estivesse avisando seus colegas de controle migratório sobre a minha pessoa. Sim, com certeza. Porém, também, esta anotação serviu para que me solicitasse amizade no Facebook. Gostaria de uma paquera ou vigiar meus passos nas terras proibidas?

Andei mais alguns metros até entrar na fila da temida imigração. Estava no meio de inúmeros judeus que visitam Israel nas férias de julho. Na verdade, me sentia no aeroporto de Charles de Gaulle em Paris. O francês predominava. Mais tarde, vim a saber que, além de desfrutarem as férias de verão em Tel Aviv e nas demais praias da região, um grande fluxo de franceses tem migrado a Israel na justificativa de ter aumentado o antissemitismo na França, país com a maior comunidade judaica na Europa.

Chegou a minha vez no guichê. As perguntas eram as mesmas. Após mais alguns minutos repetindo as indagações, o agente, nada gentil, apontou com o dedo para uma sala que ficava no fundo do saguão e me mandou esperar lá. Perguntei sobre o meu passaporte. A resposta foi curta e grossa, depois.

Controle de passaportes no Aeroporto Ben Gurion, em Israel.
Crédito: Rakoon – ago.2017/Wikimedia Commons

Caminhei apreensiva em direção à “sala de espera”. Sentei, olhei para as demais pessoas que estavam ali aguardando. Notei que todos tinham uma feição típica árabe, a mulher de hijab (véu), o moço segurando um masbaha (terço islâmico), alguns outros, eu e o policial tomando conta da porta para que não saíssemos da sala.

Sabia que aquelas pessoas não eram palestinos, pelo simples fato destes serem proibidos de utilizarem o aeroporto israelense. Para acessarem a Cisjordânia, que está sob ocupação militar desde 1967, precisam cruzar Allenby Brigde, que liga a Jordânia a Israel. Mas não pense que ali o controle migratório é mais sossegado. Os palestinos, para entrarem em seu próprio território, sofrem diariamente violações e discriminação

Fiquei no aguardo impaciente e nervosa. Não sei dizer quanto tempo fiquei ali sentada, não foram muitos, talvez em torno de uns 15 minutos que já foram suficientes para me colocar na pele dos milhões de palestinos que sofrem dia após dia a humilhação, o abuso, a opressão e a violência do exército.

Avistei um homem com o passaporte azul e falando “Brazilian, Brazilian”. Apresentou-se como agente da polícia. Iria fazer algumas perguntas, mas antes se desculpou por eu ter aguardado. Justificou a minha espera por eu ser brasileira, pois, infelizmente, os países da América do Sul, como Brasil e Argentina, têm muita droga e álcool.

Respondi, pela terceira vez, as mesmas perguntas. Insistiam em saber se iria somente para “Israel”. Tentei falar a única palavra que sabia em hebraico para tentar ser agradável e me livrar dali. Saudei o famoso Shalom. Não sei se serviu para alguma coisa, mas logo peguei meu passaporte e saí para começar a minha tão sonhada jornada.

Após 46 dias, os agentes do aeroporto me aguardariam novamente, com suas mesmas perguntas e revirando minhas malas na tentativa de encontrarem alguma coisa no estilo árabe-palestino e que denunciasse a minha estadia nos territórios ocupados. Tudo tinha sido despachado via correio para o Brasil. Eles poderiam revirar que somente encontrariam todo meu aprendizado. A minha bagagem voltou cheia de conhecimento, compaixão, solidariedade, valores, olhar ao próximo e continuou cheia de coragem.

Obrigada, Palestina, pelos ensinamentos de sua luta.

*Maristela Telles Schmidt, advogada com especialização em andamento em Direito Internacional pela PUC/SP, atuou durante 2 anos no atendimento jurídico da Missão Paz, com foco em regularização migratória e assuntos gerais do direito. Atua como voluntária em projetos para solicitantes de refúgio e refugiados no Brasil e no exterior. Esteve na Palestina e no Líbano em 2015 e 2017, respectivamente, onde trabalhou em projetos educacionais com crianças e famílias refugiadas

**Texto publicado originalmente no portal Justificando/Jusbrasil, reproduzido no MigraMundo com permissão da autora

 

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