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quinta-feira, setembro 19, 2024

Audiência pública no Congresso reforça cobrança por política nacional de migrações

Representantes do governo federal salientam que buscam equilíbrio entre acolhimento e controle; sociedade civil, migrantes e organizações internacionais pedem respeito aos direitos humanos e compromisso dos entes públicos

Além das mobilizações já realizadas recentemente por migrantes, uma audiência pública no Congresso Nacional cobrou do governo federal a criação de uma Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (PNMRA), tal como prevê a Lei de Migração no Brasil em seu artigo 120.

A atividade, promovida no Senado pela CMMIR (Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados), ocorreu na tarde desta terça-feira (7), contou com a presença de representantes do governo federal, sociedade civil, organizações internacionais e teve a participação de uma pessoa do Afeganistão, refugiada no Brasil.

O vídeo completo da audiência, que durou quase três horas, está disponível no player abaixo no canal da TV Senado no YouTube. Também é possível obter mais informações sobre as discussões a partir deste link na página e-Cidadania.

Cobrança pela política nacional migratória

“Nós parlamentares integrantes da CMMIR e a sociedade civil aguardamos com ansiedade a publicação do decreto do Poder Executivo para real efetivação dos objetivos da Lei de Migração. Somente com a publicação do decreto e a definição da organização dos instrumentos e das estratégias de coordenação da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia é que poderemos avançar. Queremos acompanhar de perto todo o processo de implementação da política nacional e garantir o combate a qualquer forma de discriminação, sobretudo aos mais vulneráveis”, disse a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), atual relatora da comissão, na abertura da audiência pública.

“Nosso país tem sido um modelo de acolhimento e integração, oferecendo um lar para aqueles que fugiram de conflitos e inundações. No entanto, é preciso reconhecer que há lacunas importantes”, acrescentou a oficial de Reassentamento e Vias Complementares da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), Andrea Zamur.

Pessoas migrantes e organizações ligadas à temática migratória tem expressado incômodo com a falta de informações sobre como está a elaboração desse decreto regulamentador da política nacional de migrações no Brasil. O tema ganhou tração a partir do começo de 2023, quando o governo federal anunciou a criação de grupos de trabalho para coleta de sugestões de diferentes setore sociais. Segundo balanço divulgado à época, foram cerca de 1,7 mil contribuições.

Entretanto, pouco se avançou nesse sentido a partir do segundo semestre do ano passado, quando o foco acabou voltado para a segunda edição da Comigrar (Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia) e suas as conferências prévias.

A falta de indicações públicas do governo federal sobre a política nacional migratória e quanto à realização da Comigrar motivaram mobilizações de pessoas migrantes de todo o Brasil. Um grupo inicial de 18 mulheres eleitas delegadas (em sua grande maioria, migrantes) lançou uma carta aberta que posteriormente foi transformada em abaixo-assinado, cobrando definições do Ministério da Justiça sobre essas temas.

O anúncio da realização da Comigrar em 8, 9 e 10 de novembro em Brasília, finalizando um hiato de três meses após a divulgação do adiamento, respondeu em parte ao documento mobilizado pelas delegadas migrantes. No entanto, permaneceram as dúvidas sobre o decreto da política nacional migratória.

“Os migrantes, os refugiados e os apátridas são essenciais para esta proposta. Não é possível a gente pensar em construir boas políticas sem as pessoas que estão envolvidas no processo”, afirmou a coordenadora de Promoção dos Direitos das Pessoas Migrantes, Refugiadas e Apátridas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Truyitraleu Tappa, que também é migrante argentina no Brasil, durante a audiência pública.

Governo quer equilíbrio entre controle e acolhida

Um dos representantes do Poder Executivo na audiência, o Secretário Nacional de Justiça, Jean Keiji Uema, informou que já existe uma minuta do decreto da política migratória e que ele será submetido a consulta pública, além de ser debatido no Legislativo. Ele citou que o documento deve sair ainda este ano, mas sem citar uma projeção de data.

“É importante também que a discussão do tema não seja contaminada pelo debate ideológico. Precisamos avançar, pois só assim vamos construir uma política efetiva”, disse Uema durante a audiência.

O secretário disse ainda que no dia 28 de agosto será lançado pelo governo federal um documento chamado Boletim de Migração, com informações sobre migrantes e refugiados no Brasil. Os dados serão compilados pelo OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), ligado à UnB (Univesidade de Brasília) e que compila as diferentes bases de dados do governo federal para fornecer informações sobre a temática no Brasil.

O secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Ministério das Relações Exteriores, diplomata Carlos Márcio Bicalho Cozendey, disse que a Política Nacional de Migração e Refúgio é uma necessidade diante da realidade do país. Segundo ele, da perspectiva do Itamaraty, há três grandes eixos que precisam ser considerados nessa política: a realidade demográfica, as obrigações internacionais e o equilíbrio entre as dimensões de controle e acolhida.

Já o procurador federal Guilherme Rocha Gopfert, como representante do Ministério Público Federal, afirmou no debate que a futura política migratória nacional deve “refletir os anseios da sociedade brasileira e os valores constitucionais, em três eixos: direitos humanos, integração e segurança”. Ele disse ainda temer pelo instituto do refúgio caso não sejam combatidos efetivamente crimes que se utilizam da migração. “Se a gente permitir que o refúgio seja vulnerabilizado por criminosos, vamos criar na sociedade brasileira uma rejeição ao refúgio”.

Também participaram da audiência pública os seguinte representantes de organismos públicos, do sistema ONU e da sociedade civil: Sérgio Armanelli Gibson, Defensor Público e Assessor Especial da Defensoria Pública da União; Luciana Hartmann, Colaboradora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e coordenadora da Rede Infâncias Protagonistas; Fábio Andó Filho, Coordenador de Projetos da OIM Brasil; Padre Marcelo Maróstica Quadro, Vice-Diretor da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo; Roberto Portela, Coordenador Nacional do Fórum Nacional de Conselhos e Comitês Estaduais para Refugiados, Apátridas e Migrantes – FONACCERAM; e André Veras Guimarães, Diretor do Departamento de Imigração e Cooperação Jurídica do Ministério das Relações Exteriores.

Incômodo

A audiência pública contou ainda a participação de última hora de Saifullah Ahmadzai, migrante afegão refugiado no Brasil. Ele leu um texto em inglês, sendo traduzido pela diplomata André Veras, no qual agradeceu ao governo, às organizações civis e à população pela acolhida no país. Ele também alertou para o fato de que alguns vistos ainda não chegaram a muitos dos seus compatriotas, que estão em risco no Afeganistão ou em outros países, aguardando a vinda ao Brasil.

O improviso em relação à participação do migrante e a forma como ocorreu durante a audiência geraram incômodo sobretudo em pessoas migrantes que acompanharam a audiência pública ao vivo e após sua transmissão. Antes da tradução do inglês, a organização da audiência tentou traduzir a fala de Ahmadzai com a ajuda de uma ferramenta de inteligência artificial (IA).

“Parece uma metáfora de como a institucionalidade brasileira esta tratando a pauta migratória. Nosso irmão migrante do Afeganistão ter que passar pelo constrangimento de ter que falar para uma IA, já que para a audiência pública, que é organizada com antecedência, não contava com um tradutor para o pashtu (língua materna do convidado afegão) ou para o inglês. Ainda no meio da fala é interrompido e passam as folhas da fala dele para o Ministro traduzir, explicando que não é tradutor, mas que fará o possível”, expressou a psicóloga colombiana Catalina Revollo Prado. Ela é uma das delegadas migrantes que ajudaram a mobilizar a carta aberta e o abaixo-assinado endereçados ao governo sobre a Comigrar e a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia.

A ausência de um representante migrante independente na divulgação da audiência foi outro ponto criticado por pessoas que acompanharam a transmissão.

Com informações da Agência Senado

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