A política de repressão à migração empreendida pelo governo de Donald Trump nos Estados Unidos e seus impactos sobre os brasileiros no país motivaram a convocação de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. E a atividade, ocorrida na manhã de terça-feira (28), deu um panorama mais claro dessa situação e serviu para que representantes da comunidade demandassem medidas das autoridades federais – incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A audiência foi transmitida pela Câmara dos Deputados por meio do canal no YouTube e pode ser vista na íntegra no player a seguir. Ela foi proposta pelo deputado Reimont (PT-RJ), que preside atualmente a comissão. “Trata-se de crise humanitária que exige atenção imediata e articulada do Estado brasileiro, em defesa da cidadania e dos direitos humanos de nossos compatriotas no exterior”.
Panorama
Os Estados Unidos são o país com mais brasileiros vivendo no exterior. Estima-se que cerca de 2 milhões residam atualmente por lá, concentrados especialmente nos estados da Flórida, Massachusetts, Connecticut, Nova York, Nova Jersey, Califórnia e Texas.
O Estado de Massachusetts, que conta com cidades como Boston e Framingham, é onde a comunidade brasileira tem sua presença mais antiga e organizada, com registros que remontam à década de 1960. A região também foi alvo recente de uma série de ações do ICE, a polícia migratória dos Estados Unidos, que abordou e prendeu migrantes de forma violenta, com envio dos detidos para outras áreas do país para serem deportados e em condições degradantes.
Desde janeiro, de acordo com dados do governo federal, 2.230 brasileiros deportados já foram acolhidos até o momento – 83% homens e 17% mulheres. Segundo Ana Maria Gomes Raietparvar, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, essa predominância masculina deve-se à estratégia do governo Trump de deportar pais de família, com a expectativa de que o restante do grupo retorne voluntariamente à nação de origem.
“São histórias muito comuns de famílias separadas pela deportação, com pessoas em tratamento de saúde nos Estados Unidos, sem que isso seja levado em conta pelos agentes imigratórios”, relatou Raietparvar, que chefia o setor de promoção dos direitos de migrantes, refugiados e apátridas na pasta.
“Há um ataque ao devido processo legal nos Estados Unidos. Imigrantes que seguiam as regras estão sendo presos e deportados”, afirmou o advogado Antonio Massa Viana, que atua nos Estados Unidos, se referindo especialmente às incursões do ICE.
Em julho passado, o perfil oficial da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil fez uma postagem nas redes sociais com o filme “E.T, o Extraterreste” para promover um aplicativo de autodeportação. No país, a palavra “alien” – outra forma de se referir a seres de outros planetas na ficção – é frequentemente usada de maneira depreciativa para descrever migrantes.
Apelos por ação parlamentar e do Executivo
A brasileira Priscila Souza, que é deputada na Câmara dos Representantes de Massachusetts (o equivalente à Assembleia Legislativa estadual no Brasil), disse durante a audiência que visitou centros de detenção de migrantes e verificou in loco as violações sofridas por compatriotas nesses locais. Ela propôs que uma delegação parlamentar brasileira fosse enviada aos Estados Unidos e o estabelecimento de conexões com deputados locais para que sejam articuladas ações de apoio.
“Acreditamos que essa iniciativa fortalecerá os laços históricos de amizade entre o Brasil e o Estado de Massachusetts, além de contribuir para um diálogo construtivo sobre os direitos humanos e mobilidade internacional”, complementou Sousa, que salientou que “antes de ser deputada, também é imigrante”.
O envio de uma delegação parlamentar aos Estados Unidos também foi uma das sugestões apresentadas por Alvaro Lima, diretor do Instituto Diáspora Brasil e pesquisador da comunidade brasileira nos Estados Unidos, onde vive há três décadas. Ele também propôs a criação de uma frente parlamentar no Congresso de defesa dos migrantes brasileiros no exterior, a atuação coordenada de ministérios do Executivo e interlocução diplomática.
“Exigimos do Estado brasileiro, por meio de seus três Poderes, ações concretas e urgentes em defesa de seus cidadãos. Não permaneceremos calados. Falaremos em nome da justiça e da compaixão. São tempos de provação, mas emergiremos mais fortes — como indivíduos e como comunidade”, disse Lima.
Já a cofundadora do Brazilian Women’s Group, Heloisa Galvão, que também vive nos Estados Unidos, cobrou uma ação contundente do governo federal em prol da comunidade brasileira no país e fez um apelo especial ao presidente da República. “Lula sabe o que é ser migrante. Sabemos que ele não silencia diante das injustiças. Que esta não seja a primeira vez”.
Parlamentares presentes à audiência pública expressaram simpatia pela proposta de criação de uma comissão para visitar as prisões nos Estados Unidos e avaliar as condições dos brasileiros deportados.
“Essa política migratória alimenta a indústria de deportações, porque cada pessoa presa representa mais lucro para os presídios”, afirmou o deputado federal Rui Falcão (PT-SP).
Atenção para os deportados
Também participante da audiência, a professora Sueli Siqueira, especialista internacional em estudos migratórios da Universidade do Vale do Rio Doce, salientou a importância de se prestar atenção à situação dos brasileiros que retornam dos Estados Unidos, tanto de forma voluntária como deportados. Ela observou que tais pessoas se encontram fragilizadas psicologicamente.
“O que demandamos aqui é uma ação contundente de exigir esses direitos, de respeitar o trabalhador brasileiro e que seja tratado com dignidade, assim como qualquer outro cidadão. E quando retorna, esse cidadão precisa de acolhimento não apenas no aeroporto, mas também de um acompanhamento”.
Aloysio Mares Dias Gomide Filho, diretor do Departamento de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares do Itamaraty, disse no Congresso que os consulados brasileiros nos Estados Unidos receberam orientação para visitar as prisões onde estão os deportados e cobrar reparações em casos de violações de direitos.
“Os consulados atuam com as autoridades locais e contam com apoio da rede de associações de brasileiras e brasileiros no exterior, composta por profissionais, advogados e entidades de direitos humanos”.
Quando os voos com deportados começaram a chegar ao Brasil, o país não contava com um plano estruturado para receber os cidadãos retornados. No começo de agosto, o governo federal lançou o programa “Aqui é Brasil”, com a oferta de atendimento psicossocial, assistência em saúde, abrigo, alimentação, transporte e regularização documental, desde o desembarque até a reintegração.
O programa é coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos, em articulação com as pastas de Relações Exteriores, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, da Saúde e da Justiça e Segurança Pública. Também integram essa força-tarefa: governos estaduais, Polícia Federal (PF), Defensoria Pública da União (DPU), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e organismos internacionais, como a Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Durante a audiência na Câmara, foi defendida a prorrogação desse programa, que tem duração inicial de 12 meses.
Em agosto passado, causou polêmica o fato de um avião da companhia aérea brasileira GOL ter sido usado para voos de cidadãos deportados dos Estados Unidos. Até então, as viagens de repatriação e deportação eram feitas por aviões oficiais de Washington. Em nota, a empresa disse que foi contratada para realizar voos fretados apenas de passageiros que voluntariamente aderirem ao programa do US CBP (Customs and Border Protection), a chamada autodeportação. E também disse que “não há nenhuma distinção nos serviços entre estes voos e qualquer outro fretamento operado, sempre com foco na Segurança dos passageiros”.
Com informações da Agência Câmara
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