Como o Brasil tem se comportado quanto às migrações em meio à pandemia

País segue se isolando da comunidade internacional e adotando posições pouco amigáveis ou diplomáticas, inclusive em relação às migrações

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Por Danielle Menezes

Apresentado em dezembro de 2020, o primeiro relatório das Nações Unidas sobre o Pacto Global das Migrações, intitulado “Da Promessa à Ação: O Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular”, demonstrou que a pandemia de Covid-19 acentuou crises de direitos humanos e o aumento de ataques contra migrantes e refugiados atingindo cerca de 3 milhões de pessoas, particularmente mulheres e crianças.

Este grupo, que já precisa lidar com um cenário bastante preocupante em um mundo sem pandemia, está sendo ainda mais afetado em decorrência da crise sanitária. Os motivos são diversos, como o aumento de casos envolvendo xenofobia, racismo e discriminação, ausência de moradia, alimentação e trabalhos dignos, as milhares de deportações ocorridas neste último ano, os regressos forçados aos países de origem sem nenhum cuidado com a saúde e as dificuldades no acesso a serviços públicos, impulsionado pelas barreiras na regularização da situação migratória em vários países.

Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, afirmou na publicação que “os migrantes não devem ser estigmatizados ou negado o acesso a tratamento médico e outros serviços públicos”, finalizando que a comunidade internacional deve se unir para combater o vírus do ódio.

As experiências pelo mundo na proteção dos migrantes durante a pandemia

A ONU fez uma série de recomendações aos líderes dos países que costumam ser escolhidos como destino dos migrantes, entre elas, estão:

  • a suspensão das deportações;
  • a garantia de condições dignas de vida;
  • continuidade dos serviços e da assistência humanitária;
  • planos de contingência integrais em relação a orientações de saúde pública para centros coletivos, acampamentos, assentamentos formais e informais e estabelecimentos de detenção de migrantes;
  • o acesso à saúde pública, incluindo a vacinação, independentemente do estatuto legal;
  •  e o respeito pelos direitos trabalhistas.

Embora a conclusão a que se chega é que a situação poderia estar muito melhor, é possível elencar algumas atitudes positivas em determinados países. 

Portugal adotou uma política de disseminar informações sobre os impactos da Covid-19 para as migrações e para a mobilidade, além de aprovar um despacho em março de 2020 garantindo aos migrantes e requerentes de asilo que já haviam submetido o seu pedido ao governo, os direitos de residência temporária. A medida permanece em vigor até o momento.

A Colômbia aprovou o Estatuto de Proteção Temporária para Migrantes Venezuelanos, em uma decisão considerada histórica. Os países da América Latina, no geral, já contavam com uma legislação bastante progressista em relação aos migrantes irregulares e refugiados.

Estados Unidos, Suécia e Canadá foram, respectivamente, os países que mais reinstalaram refugiados em 2020, mesmo que o número tenha caído significativamente em relação aos anos anteriores. Estas ações permitem reuniões familiares e oportunidades de emprego e educação, sendo fundamental para a proteção de quem precisou sair do seu país de origem e indo ao encontro dos objetivos dispostos no Pacto Global.

A experiência brasileira na proteção dos migrantes durante a pandemia

Uma pesquisa divulgada no webinário “Vulnerabilidade e Pandemia: migrações, tráfico de pessoas e trabalho escravo”, apontou que cerca de metade da população migrante que estava trabalhando, ficou desempregada devido à crise sanitária. Os maiores atingidos foram os venezuelanos, uma vez que também fazem parte do grupo mais inserido no mercado de trabalho brasileiro. 

Sem renda e com dificuldades para acessar o auxílio emergencial, muitos dos migrantes foram despejados, mesmo que a prática tenha sido proibida pelo judiciário. No entanto, aqueles que estão em situação irregular, sentem medo ou desconhecem completamente os seus direitos, tornando-se ainda mais vulneráveis a práticas ilícitas.

O governo federal não apresentou nenhum tipo de programa oficial para a proteção dos migrantes durante a pandemia e muitas das ações têm sido desenvolvidas pelo terceiro setor e organizações internacionais. A Polícia Federal, por exemplo, informou em março de 2020 a regularização temporária dos documentos que venceram a partir de 16 de março do mesmo ano, mas não apresentou nenhum plano de contingência para resolver os gargalos nos agendamentos e atendimentos dos migrantes, fato que tem preocupado as organizações civis que lidam com o assunto.  

Outra crítica realizada pelos especialistas é a falta de informações detalhadas a respeito do impacto da pandemia especificamente na população migrante. Tal problema poderia ser facilmente resolvido caso o formulário do SUS indicasse a nacionalidade dos pacientes. A ausência de dados impede a realização de estudos mais apurados que sejam capazes de demonstrar a disparidade entre os atingidos e os seus motivos, podendo ser utilizado para a criação de políticas públicas.

A cooperação internacional na proteção dos migrantes e o isolamento do Brasil

Assim como ocorre em outros assuntos que envolvem os direitos humanos, o Brasil segue se isolando da comunidade internacional e adotando posições pouco amigáveis ou  diplomáticas. Após rejeitar a participação no Pacto Global para Migração Segura, o governo de Jair Bolsonaro também se opôs a outros 95 países na construção de uma declaração que foi lida no Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta semana.

O documento foi  assinado por países, como Canadá, Japão, Estados Unidos e Suécia. A América Latina foi representada pelos governos da Argentina, Uruguai, Peru, Panamá, Costa Rica, Equador, Colômbia, Guatemala, Haiti, Jamaica e México. Os líderes governamentais reforçaram a importância da cooperação internacional nas questões migratórias, especialmente durante a pandemia da covid-19. 

Este é, sem sombra de dúvidas, um importante compromisso assumido pela comunidade internacional e que acende uma luz de esperança para as milhões de pessoas que estão deslocadas, sejam forçadamente ou não. 

Esperamos que os esforços façam jus ao título do Pacto Global assinado em 2018 e vá além da confecção de novas legislações. Os governos devem se debruçar em ações que promovam a real integração dos migrantes e refugiados nas populações locais, permitindo que estes vivam como se “nacionais fossem”, tendo acesso às mesmas condições e ofertas de educação, saúde e trabalho. 

O programa de vacinação seguro e gratuito pensando na inclusão de todos, sem distinção do estatuto legal, é “o grande acordo internacional, com a ONU e com tudo” que todos queremos ver. A resistência do governo brasileiro à adesão a pactos internacionais e ao cumprimento de protocolos reconhecidos mundialmente, destrói o legado de diplomacia construído ao longo das últimas décadas e vai de encontro ao que está preconizado em nossa constituição cidadã. 

Além disso, com o aumento exponencial dos casos e o descobrimento da nova cepa em Manaus, a maior parte dos países seguem com as fronteiras fechadas para o Brasil, e ao que tudo indica, permanecerão assim por muito tempo. Parece que o brasileiro verá o restante do mundo retomando a vida, sem que seja, sequer, convidado para a festa. 

Sobre a autora

Danielle Menezes é advogada residente em Lisboa (Portugal), pós-graduada em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra e mestranda em direito internacional e relações internacionais pela Universidade de Lisboa. Tem interesse especialmente na questão das migrações.


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