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quinta-feira, novembro 21, 2024

Copa dos Refugiados marca novos gols contra a xenofobia, mas quer alcançar mais brasileiros

Final da edição paulista do torneio é marcada pela disputa dentro de campo e pela confraternização fora dele; organizadores querem mais pessoas sensibilizadas para a questão do refúgio

Por Pâmela Vespoli
Em São Paulo (SP)

Com animação, o time da Nigéria marca sua chegada no estádio do municipal Jack Marin na manhã do último domingo (02), cantando e dançando em seu idioma nativo, encantando os torcedores e frequentadores do parque da Aclimação. A partida que estava agendada para às 9h, atrasou por volta de uma hora devido a dificuldades que os jogadores enfrentaram para chegar ao estádio.

Mas isso não foi empecilho para quem estava lá para torcer, como foi o caso dos brasileiros Ligia Souza Petrini (31), Sofia Rodrigues (21) e Lucas Vieira (20). Para eles, assistir aos imigrantes jogarem valeu a espera.

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“A gente veio fazer a torcida para os dois lados, para fazer a festa. O objetivo aqui não é nem quem vai ser o campeão da Copa, mas essa integração dos refugiados com os brasileiros e entre eles mesmo”, afirma Lucas. Os amigos participam de grupos antifascistas que produzem camisetas estampadas “refugiados bem vindos”, a fim de mostrar que episódios de preconceitos não são regras. “A gente está brigando contra a xenofobia no Brasil e queremos mostrar pra eles isso”, falou Sofia.

Torcedores simpáticos à questão do refúgio estenderam faixas em apoio aos imigrantes. Em campo, Nigéria e Níger disputaram o título da Copa dos Refugiados SP 2018
Crédito: Pâmela Vespoli/MigraMundo

A final da etapa de São Paulo da Copa dos Refugiados 2018 despertou muitas emoções aos que estavam presentes. Dentro de campo a disputa foi acirrada, com os jogadores das duas equipes mostrando amor a suas camisas e à terra natal, mesmo à distância. No final, o time do Níger, calouro na competição, venceu a bicampeã Nigéria nos pênaltis  (4 a 3), após empate em 2 a 2 no tempo normal.

“Foi uma partida muito disputada, mas leal. Apesar de eles quererem vencer, foi sadia.”, comenta Marcelo Aparecido Ribeiro de Souza, árbitro do jogo e que participou pela primeira vez da Copa dos Refugiados. O juiz se impressionou com a relação de amizade entre as equipes “rivais”, mencionando como os participantes se ajudam quando havia algum choque de corpos e foram educados com os companheiros.

“Acho importante fazer parte desse momento. Aqui é uma maneira de nós, brasileiros, aproximarmos deles e os acolher. São povos que vem pra cá buscando espaço e a gente tem que abrir as portas, porque eles têm muito o que ensinar pra gente também”.

Equipes da Nigéria e do Níger ficam perfiladas para execução dos hinos nacionais de cada país na final da Copa dos Refugiados SP 2018.
Crédito: Pâmela Vespoli/MigraMundo

Mesmo não se despedindo do campo com a mesma alegria contagiante que chegou, o capitão do time da Nigéria Harisson Uche Ogbonna diz que jogadores não jogaram apenas pelo esporte e por seu país, mas também para lembrar a todos sobre a situação dos imigrante e refugiados que moram em São Paulo. “Estamos mostrando a gente pro Brasil”.

Como o principal objetivo é a divulgação da causa e a integração dos povos, Harisson explica que eles são todos amigos e por isso, essa harmonia é refletida em campo. “A gente tem rivalidade de maneira muito sadia. Foi um jogo limpo, não teve briga. Depois, a gente se abraçou e rimos juntos”. Na edição de São Paulo do ano passado, o time da Nigéria havia sentido o gostinho da vitória e neste domingo parabenizou seus companheiros.

Depois de passar um ano inteiro treinando duas vezes na semana para competir no campeonato, é com muita euforia que a nação do Níger recebeu a almejada medalha de ouro, dada por representantes das instituições que colaboraram com o evento. “Estou muito feliz! Muito importante esse momento para gente, refugiado. Fizemos muito esforço para ganhar essa Copa. Estamos muito felizes!”, exclamou o capitão Hector Consider ao ser recebido com abraços por seus colegas.

Conforme conta, já praticava futebol em seu país de origem. Mas acredita que, ao enfrentar os colegas brasileiros durante os treinos, melhorou as jogadas devido à qualidade dos adversários.

Níger conquista troféu da Copa dos Refugiados.
Crédito: Pâmela Vespoli/MigraMundo

Próximos desafios

Na expectativa de agradecerem a oportunidade e consideração pela ONG África do Coração, idealizadora do evento, os vencedores ergueram em grito de guerra o coordenador da Copa dos Refugiados, o sírio Abdulbaset Jarour.

“Estou muito feliz e sou muito grato a essa terra brasileira por essa oportunidade”, diz Abdulbaset. Ele explica a importância que o evento é para os refugiados e a dedicação que têm com esse compromisso. “Muitos deles não tem transporte para participar, muitos não estão trabalhando, não tem lugar pra dormir. Só que estão aqui fortes e firmes com muita fé e alegria”.

No entanto, para o congolês Jean Katumba, presidente da ONG África do Coração, agora é o momento de a organização concentrar forças para pensar em que melhorar para conseguir alcançar e sensibilizar mais pessoas com a causa.

“A felicidade não ficou 100%. O objetivo ainda não foi atingido, que é trazer muitos brasileiros para torcer para os refugiados, porque torcer é dar chance, é acreditar”. A arquibancada do estádio não havia preenchido sua capacidade máxima, tendo um pouco menos de cem torcedores presentes.

Organizadores da Copa dos Refugiados pensam em novos meios de sensibilizar as pessoas para a questão do refúgio.
Crédito: Pâmela Vespoli/MigraMundo

A dificuldade em atrair público para as partidas não é a única a ser superada. Algumas nacionalidades consideradas expressivas pelos organizadores ainda não aderiram à iniciativa. O chefe geral de projetos Aymane Jalil cita imigrantes do Paquistão, da Índia e de Bangladesh como exemplo.

“São grupos muito fechados. A minha ideia é que o ano que vem tenha algum time que represente esses países”. Para isso, o coordenador está estudando urdu (idioma nacional do Paquistão) para se aproximar desses povos e tentar integrá-los.

O evento foi encerrado com a entrega de troféus para os quatro primeiros colocados no campeonato – Líbano foi o quarto e Gâmbia ficou em terceiro.

Além de ganhar a medalha de ouro e o troféu, Níger também ficará com a taça simbólica da Copa até a disputa da edição nacional da Copa dos Refugiados, que acontece no final de setembro.

Iniciada em 2014, a Copa dos Refugiados é um projeto criado e organizado por refugiados que vivem no Brasil. Em São Paulo o torneio teve sua quinta edição e neste ano já teve disputas no Rio de Janeiro (vencida por Angola) e em Porto Alegre (Senegal se sagrou campeão). Esses vencedores se juntam ao Níger na etapa nacional, que contará ainda com um time formado por refugiados de diferentes nacionalidades.

A realização da competição contou ainda com o apoio das seguintes instituições e empresas: Sodexo, Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Sindicato dos Árbitros de Futebol do Estado de São Paulo, Ponto – Agência de Inovação Social, Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, Conectas Direitos Humanos, Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, Cruz Vermelha e ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados).

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