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sábado, novembro 9, 2024

Corumbá é nova Brasileia? Haitianos enfrentam dificuldades em MS

Fluxo invisibilizado no Centro-Oeste repete situações precárias vividas na fronteira do Acre, entre 2010 e 2015

Por Leandro Barbosa
Em Corumbá (MS)
Atualizado às 09h05 em 18/06/18

Foram cinco dias de viagem do Chile ao Brasil, em um trajeto que adentrou a Bolívia até o Mato Grosso Sul. Lugar que o casal de haitianos Daphne Ylozier (24) e Louis Artiste (26) esperavam encontrar descanso, para em seguida ir para São Paulo. Mas o desejo se tornou frustração e medo quando chegaram ao país e se depararam com a ausência de assistência pública local que os impediu de seguir o percurso planejado, a fim de encontrar seus familiares.

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O percurso até a cidade foi difícil devido aos enjoos constantes da jovem que está grávida de dois meses, situação que a impossibilitava de comer. O único recurso que o marido encontrou para amenizar a situação foi um abraço, uma vez que os 700 dólares que o casal tinha foram extorquidos pela polícia boliviana no caminho até a fronteira. Sem dinheiro, ambos se encontram vulneráveis buscando formas para pagar os 60 reais da diária no Hotel Corumbá, local que abriga cerca de 100 haitianos.

Hotel Corumbá, que abriga cerca de cem haitianos.
Crédito: Leandro Barbosa

“A viagem foi muito difícil. Achei que ia chegar aqui e tudo ia passar, mais ainda estou sofrendo”, afirma Daphne. O sofrimento para ela se consolida em duas situações cruéis que afligem os dias dos haitianos em Corumbá: a fome e a falta de abrigos. Muitos haitianos têm dormido no quintal do hotel e no entorno da rodoviária cidade, que nos últimos dias encarou uma frente fria com mínima de 13ºC.

O município possui apenas um albergue com 20 vagas, divididas em partes iguais entre mulheres e homens, destinadas à população em situação de rua. De acordo com a Secretária de Assistência Social, Gláucia Fonseca Iunes, a prefeitura chegou ao seu limite de atuação. “Eu entendo que a situação é emergencial, mas estamos fazendo o que fomos orientados a fazer. Temos um lugar que comporta apenas 20 pessoas, e não temos na cidade outros equipamentos disponíveis para atender as pessoas que têm chegado”.

A situação dos haitianos foi identificada pela Defensoria Pública da União (DPU) em uma das atividades do programa Ação Global para Prevenir e Combater o Tráfico de Pessoas e o Contrabando de Migrantes (GLO.ACT), iniciativa conjunta da União Europeia (UE) e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), que está na região a fim de garantir aos imigrantes o acesso à justiça e a proteção de seus direitos em território nacional.

Segundo o Defensor Público Federal João Freitas de Castro Chaves, o Brasil terá que se preparar para um novo fluxo de haitianos. “Eles são vítimas de todo tipo de crime durante o trajeto até o Brasil, e chegam aqui em uma situação extremamente vulnerável. Eu acredito que a maneira mais prática para diminuir a retenção deles em Corumbá seria facilitar ao máximo a regularização [migratória] para que eles possam sair daqui rumo ao destino, já que a grande maioria deles têm parentes no país”.

A nova rota feita por cerca de 1000 haitianos que chegaram a Corumbá, no decorrer deste ano, levou os imigrantes a serem a terceira maior população estrangeira a cruzar a fronteira na região, ficando atrás apenas dos países vizinhos Bolívia e Peru. No momento, aproximadamente 150 haitianos estão retidos no município em situação de estadia precária e com poucos recursos para se alimentarem.

O cenário é similar ao que ocorreu no Brasil, entre 2010 e 2014, quando milhares deles chegavam à cidade de Brasileia, no Acre, após um longo trajeto terrestre passando por Equador, Peru e Bolívia. As condições de emergência na qual se encontravam fizeram com que a prefeitura da cidade improvisasse locais de abrigamento e o Governo Federal disponibilizasse transporte para outros Estados do país. Na ocasião, a saída viável para se regularizarem era a solicitação de refúgio.

Abrigo foi improvisado para haitianos em Corumbá (MS).
Crédito: Leandro Barbosa

Acolhida humanitária

A partir de 2015, a estratégia governamental passou a ser o visto de acolhida humanitária. Embora a nova Lei de Migração, que entrou em vigor em novembro de 2017, tenha incorporado tal prática em seus princípios e garantias, dois critérios inacessíveis colocam os haitianos vindos do Chile, em fluxo recente, em um limbo jurídico: o fato de o visto ser emitido exclusivamente pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe ou aos que chegaram no Brasil até 9 de abril de 2018. Sendo assim, a solicitação de refúgio tem sido a única alternativa de registro e acesso a direitos básicos.

Na última quarta (13), o Senado Federal aprovou a Medida Provisória 820 sobre a acolhida de imigrantes que fogem de crises humanitárias, que agora segue para sanção presidencial. A legislação dispõe sobre medidas de assistência emergencial como a situação que está identificada no Mato Grosso do Sul.

“O ato do presidente Temer só ganhará concretude quando ações forem tomadas frente a situações como a dos 150 haitianos que estão retidos em Corumbá. O terremoto que assolou o Haiti em 2010 resultou em uma crise humanitária que se arrasta até os dias de hoje e empecilhos burocráticos têm sido impostos pela Polícia Federal para garantir a acolhida deles. O presidente precisa agir imediatamente para não correr o risco de tornar sua própria Medida Provisória já uma letra morta”, afirma Letícia Carvalho, da Missão Paz, entidade da Igreja Católica que acolhe imigrantes e refugiado no Centro de São Paulo, e que acompanhou a ação da GLO.ACT.

Haitianos e outros migrantes foram atendidos por ação da DPU.
Crédito: Leandro Barbosa

Iniciativa popular

Diante da mínima assistência oferecida pelo município, a ajuda veio da sociedade civil através da Pastoral da Mobilidade Humana, que tem se esforçado para oferecer aos imigrantes ao menos uma refeição por dia. Além disso, a organização tem buscado alternativas de abrigo ao contingente que tem crescido diariamente e àqueles que não possuem mais recursos para pagar as diárias nos hotéis da cidade.

De acordo com Padre Marco Antônio Ribeiro, coordenador da pastoral, que está na região há quatro anos, todo esforço dispensado ainda não foi suficiente para tirar essas pessoas da invisibilidade. “Temos feito tudo o que está ao nosso alcance, mas nossas ações não têm sido suficientes diante da demanda. Precisamos urgentemente que o poder público busque alternativas para o que está acontecendo aqui”.

Daphne e Louis fazem parte do grupo que está sendo atendido pela Pastoral. O casal já está devendo ao lugar que está hospedado R$380. Sem recursos, dependem do que a Pastoral oferece para comer. Apesar de tanta dificuldade, os futuros pais sonham em oferecer ao bebê que está para nascer o mínimo de condições para viver em território brasileiro. “A gente sabe que aqui a vida pode ser muito melhor”, afirmam.

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