Reflexão surgiu durante seminário em São Paulo sobre os efeitos da eleição de Donald Trump para a América Latina e para o Brasil
Por Rodrigo Borges Delfim
Colaboração de Glória Branco
De São Paulo (SP)
“Quando usamos termos como ‘crise de refugiados’ e ‘crise migratória’, também estamos sendo xenófobos”. Essa reflexão surgiu durante o seminário “Efeitos da Eleição de Trump para a América Latina e o Brasil”, que aconteceu na última quarta-feira (29) em São Paulo.
O evento foi promovido pela Fundação Friedrich Ebert e pela Fundação Perseu Abramo e teve como objetivo debater efeitos, perspectivas e ações a serem tomadas diante da eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos e das decisões que ele já coloca em curso.
A autora da afirmação foi a professora Deisy Ventura, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), uma das debatedoras da mesa sobre Migrações e Trabalho, que encerrou os trabalhos do seminário. Nos dois painéis anteriores, o evento discutiu os efeitos da eleição de Trump para a política externa latino-americana e brasileira e sobre o comércio internacional.
Deisy aponta que notícias e afirmações que tratam sistematicamente a questão migratória como uma “crise” – como vem acontecendo por parte dos meios de comunicação e até mesmo por autoridades e instituições envolvidas na temática – consolidam uma visão de que o migrante ou estrangeiro em geral é um problema a ser resolvido.
Uma alternativa ao termo crise, segundo a professora, seria se referir ao tema como “desafio” ou simplesmente “chegada”, evitando a conotação negativa trazida pela palavra “crise”. Já existe, por exemplo, um movimento global para abolir o termo “ilegal” para se referir à migração, tanto por parte de setores acadêmicos como até mesmo em certos meios de comunicação.
Espetáculo perigoso
Esse discurso do migrante como problema ou adversário, que é reforçado por termos como “crise de refugiados” e “crise migratória,” vem sendo encampado por grupos de extrema-direita não só nos Estados Unidos, mas em outros países. Eles colocam o combate à migração como forma de resgatar privilégios perdidos por grupos que se sentem fragilizados em momentos de crise – como a classe trabalhadora industrial, fragilizada pela crise econômica de 2008, que apoiou Trump em peso nos Estados Unidos.
“É mais fácil construir um espetáculo do que dar respostas. E o fracasso dessas promessas pode multiplicar o espetáculo e levar até mesmo a circunstâncias extremas”, pontuou Deisy.
A mesa sobre migrações no seminário, mediada por Rubens Diniz, da Fundação Mauricio Grabois, contou ainda com outras duas participações: Ana Avendaño, diretora de imigração e Ação Comunitária da AFL-CIO – associação que reúne 55 organizações de trabalhadores nos Estados Unidos; e do consultor em Cooperação e Relações Internacionais Kjeld Jakobsen. De diferentes formas, ambos reforçaram os temores e desafios citados por Deisy.
Jakobsen lembra que Trump transformou a xenofobia em um programa eleitoral, e em seguida, em um programa de governo. E citou algumas das estatísticas ignoradas pelo republicano que, quando analisadas, desconstroem o discurso de que os migrantes são uma ameaça aos empregos dos cidadãos dos Estados Unidos.
“Os indocumentados [estimados em 12 milhões de pessoas] representam apenas 3% do total da população do país. E a maior parte deles vive em seis Estados [que não são os grandes Estados industriais] e está empregada na agricultura e na construção civil”.
Já Ana fez um resgate do processo eleitoral que colocou Trump na Casa Branca, que incluiu a omissão dos democratas em assuntos como empregos e a própria questão migratória e uma abstenção considerável entre o eleitorado apto a votar nas eleições – cerca de 30%.
“Trump vem reforçar o nacionalismo preconceituoso, ignora estatísticas, transforma todo migrante indocumentado em inimigo, e é um perigo para a democracia”.
Glória Branco é jornalista com especializações em marketing e Relações Internacionais. É diretora da La Gringa Comunicação e, além do MigraMundo, atua como voluntária no Coletivo Maria (que defende causas feministas) e no Instituto Adus.
Rodrigo Borges Delfim é fundador e editor do MigraMundo. Jornalista formado pela PUC-SP, trabalhou por nove anos no portal UOL, na área de Novas Mídias e Inovação, mas descobriu na migração uma maneira de juntar grandes paixões como jornalismo, direitos humanos, história e relações internacionais. Já colaborou com os portais Opera Mundi e Brasil de Fato e tem atuado como conferencista em eventos diversos sobre migrações e refúgio.
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