Leonardo Cavalcanti, do OBMigra, reforça necessidade de se entender as migrações em sua complexidade e de fugir de visões simplistas
Por Rodrigo Borges Delfim
Em Brasília
O lançamento do relatório deste ano do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais) e da plataforma DataMigra – que deve estar pronta nos próximos dias – indicam, por meio de dados, uma série de potencialidades que a migração permite ao Brasil em relação a pesquisas e ações de desenvolvimento.
“Com os dados é possível interpretar de forma clara como a imigração é um ativo para o desenvolvimento no país, não só do ponto de vista econômico, mas também social, cultural e político”, afirma Leonardo Cavalcanti, coordenador científico do OBMigra.
Segundo o relatório do Observatório, o Brasil registrou, entre 2011 e 2018, 774,2 mil imigrantes, sendo a maioria deles jovens, do sexo masculino, com nível de escolaridade médio e superior e provenientes de países em desenvolvimento – também conhecidos como Sul Global. Ao mesmo tempo, imigrantes em pessoa física investiram cerca de R$ 186 milhões no Brasil somente em 2018 – especialmente cidadãos da China e da Itália.
Clique aqui para baixar o resumo executivo do relatório
Em entrevista ao MigraMundo em Brasília, pouco após o evento, o pesquisador também comentou sobre acontecimentos recentes que exercem influência sobre o trabalho do OBMigra, como os questionamentos público do atual governo sobre dados e a retirada das perguntas sobre emigração do questionário do Censo 2020.
O fato de os dados sobre migração estarem concentrados atualmente nos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores facilitou ou dificultou a compilação dos dados?
O Conselho Nacional de Imigração (CNIg) promoveu, no ano 2013, a criação do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) com o intuito de monitorar estatisticamente e avaliar a imigração no país. Assim foi instituído o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), a partir de um termo de cooperação técnica com a Universidade de Brasília (UnB). Com a extinção do Ministério do Trabalho o CNIg migrou para o Ministério da Justiça e o Observatório passou a cooperar com o CNIg no Ministério da Justiça. Com o passar dos anos, Observatório se viu obrigado a ampliar sua cooperação e também é participe no Acordo de Cooperação Técnica vigente entre órgãos do Governo Federal: o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Universidade de Brasília, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a Polícia Federal. Como as iniciativas e os dados são do Estado brasileiro, não houve dificuldades no trabalho de tratamento estatístico dos dados.
Ao promover a comunicação entre as diferentes bases, o OBMigra exerce um trabalho que já lida com a terceira gestão federal distinta. Na sua visão, isso ajuda proteger e assegurar a continuidade do observatório?
Quando o CNIg idealizou o Observatório, foi concebido como um projeto que deveria aprimorar constantemente o seu trabalho, independente de governos. Nesse sentido e atuando sempre com os órgãos do Estado, o Observatório vem realizando um trabalho, a partir da cooperação técnica, com os órgãos produtores de dados sobre imigração e refúgio, visando à harmonização, extração, análise e difusão de sistemas, dados e informações que permitam subsidiar estatísticas sobre migrações internacionais e refúgio no Brasil, para apoiar a formulação, execução e correção de políticas públicas.
Dados do Caged, uma das bases usadas pelo OBMigra, mostram que os migrantes foram menos afetados pela crise. A que isso se deve?
No Brasil, a recessão econômica não implicou, necessariamente, que o mercado de trabalho deixou de absorver imigrantes. Com a desvalorização cambial, as empresas que se situam no final da cadeia produtiva do agronegócio – aquelas que mais empregam imigrantes – tiveram exportações ampliadas e a demanda por esses trabalhadores continuaram no país. Os dados reforçam a ideia que reduzir ou vincular as migrações, única e exclusivamente, a uma vertente econômica ou ao mercado de trabalho é incorrer em uma limitação teórica e política. As migrações não se dão unicamente por uma lógica economicista. É preciso entender a migração na sua complexidade e se desmarcar de lógicas simplista que reduzem a imigração a uma lógica economicista.
Uma das novidades do relatório deste ano foi a obtenção de dados sobre solicitações de refúgio a partir das emissões de carteiras de trabalho. E o Brasil tem um passivo grande de solicitações de refúgio aguardando análise por parte do governo. Com a obtenção desses dados, qual a potencialidade identificada?
O trabalho de harmonização das bases, como por exemplo o que realizamos para o relatório de 2019 que consistiu em harmonizar as bases RAIS-CTPS-CAGED possibilitou monitorar, de forma inédita, o comportamento de refugiados e solicitantes de refúgio no mercado de trabalho formal brasileiro. À medida que vamos avançando no pareamento e harmonização das bases de dados outras possibilidades de pesquisa surgirão.
Na sua opinião, esses dados têm potencialidade para mudar o senso comum que se faz sobre a migração, que tende a ser negativo?
Acredito que sim. Tem um grande potencial. Os dados mostram os benefícios da imigração no país. Com os dados é possível interpretar de forma clara como a imigração é um ativo para o desenvolvimento no país, não só do ponto de vista econômico, mas também social, cultural e político.
Em um momento onde dados empíricos tem sido questionados pelo atual governo, o que representa o lançamento do relatório e da plataforma em si?
O fato do Observatório coordenar o Acordo de Cooperação Técnica vigente entre órgãos do Estado (MJSP, UnB, IBGE e Polícia Federal) faz com que o nosso trabalho seja diretamente com dados oficiais dentro deste Acordo de Cooperação Técnica. Ao trabalhar com bases de dados oficiais, produzimos dados que permitem entender as diferentes nuances da imigração no país: movimentação na fronteira, número de imigrantes registrados, perfil socioeconômico dos solicitantes de refúgio e refugiados, variações na movimentação no mercado de trabalho, em termos de admissão e demissão, entre outros aspectos. Assim, o nosso trabalho vem sendo desenvolvido desde 2013 nessa linha.
Nesse esforço de consolidar bases e entender os dados, como a redução do questionário do IBGE impacta?
O dado da imigração no Censo é de uma riqueza tão grande, que afeta o trabalho de todos os pesquisadores e pesquisadoras no país. Sem dúvida é uma perda que a questão da migração tenha sido retirada do censo. Trata-se de uma informação imprescindível e, como a grande maioria de pesquisadores do tema, também lastimamos profundamente a retirada dessa informação tão importante para o Estado brasileiro.